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COLUNISTAS

Os avanços de Gordon Craig - Iluminação cênica: estudos, pesquisas e publicações (parte 3)

08/06/2021 - 10:41h
Atualizado em 08/06/2021 - 16:33h


 

Na figura acima: “Fausto” (Ópera de Montreal, 2012) – Produção de Alain Gauthier e Design de Olivier Landreville, inspirado em Gordon Craig. Fonte: Diana Fernández.

 

 

No processo de construção e consolidação da Iluminação Cênica como linguagem e representação do palco, várias foram as contribuições de diversos pesquisadores, iluminadores, inventores e empreendedores. Nesse contexto, o processo de modernização ocorrido em vários países no início do século XX estabeleceu novas diretrizes para os teatros, os espaços cênicos e à própria Iluminação Cênica. Como um dos protagonistas nesse âmbito, Gordon Craig se destacou como visionário e revolucionário artista, iluminador e escritor. Neste ano, celebra-se o centenário do lançamento do livro The Theatre-Advancing, sexta obra desse autor. Com esta conversa, pretende-se fazer uma singela homenagem a ele que, com Adolphe Appia, destaca-se como um dos grandes mestres da Iluminação Cênica de todos os tempos.

 

 

Conforme foi observado na conversa que enalteceu a obra de Adolphe Appia (março/2021), o processo de modernização identificado no fim do século XIX e início do século passado não se restringiu apenas às tecnologias, às ideias e concepções, mas também a comportamentos, atitudes e iniciativas, em diversas áreas do conhecimento e da sociedade, na maioria dos países. Isso proporcionou melhorias, em muitos aspectos; degradação e negação, em outros.

 

 

Nas artes performáticas, diversas foram as transformações ocorridas com o advento da iluminação elétrica, que passou a integrar a infraestrutura dos teatros e espaços cênicos, e muito particularmente com a lâmpada incandescente, que passou de aposta para um recurso essencial na expansão das produções e inovações que surgiriam com mais ênfase na primeira década do século XX. Neste contexto histórico e artístico que se destaca o ator, diretor, designer cênico e teórico inglês Gordon Craig.

 

 

Nascido no dia 16 de janeiro de 1872, na cidade de Stevenage (Inglaterra), Edward Henry Gordon Craig manifestou desde a mais tenra infância seu interesse pelo teatro. Filho da renomada atriz inglesa Ellen Terry (1847-1928) e do arquiteto Edward William Godwin (1833-1886), estava familiarizado precocemente com as artes cênicas e muito cedo desenvolveu um interesse específico pelo drama. Também previamente em sua vida, despertou um fascínio pela criação de representações com base em textos escritos sob temáticas comoventes, místicas e relacionadas ao destino humano. Isso teria mais tarde um impacto decisivo nas criações dos cenários, transformados em ambientes que valorizavam luz e espaço, de maneira a “espiritualizar o realismo cênico”.

 

 

Figura 1: Desenho de Gordon Craig para o ‘palco cinético’ (1906). Fonte: Foro Belenissimo.

 

 

Craig começou sua carreira artística no teatro em 1889, na companhia do ator e produtor teatral inglês Sir Henry Irving no Lyceum Theatre, em Londres (Inglaterra), onde permaneceu até 1895, quando decidiu deixar de ser o centro das atenções para cuidar de outros aspectos da produção no teatro. Nesse período de aprimoramento profissional, acumulou outras funções, além de ator; passou a dirigir e projetar os cenários (também inspirado e influenciado por Irving). Entre os anos de 1900 e 1914, sua obra teatral – produções e realizações - apresenta o período considerado mais relevante por diversos pesquisadores e críticos sobre sua vida. Desses trabalhos, destacam-se Acis e Galatea (1902), The Vikings at Helgeland (1903), de Henrik Ibsen, e a produção de Hamlet no Teatro de Arte de Moscou de Konstantin Stanislavski (nos anos de 1911 e 1912).

 

 

No entanto, seria com a iluminação que se notabilizaria, sendo ela um dos mais decisivos legados de Gordon Craig. Sua principal inspiração nessa área se originou das obras do pintor e educador bávaro Hubert von Herkomer (1849-1914). Este artista converteu uma antiga capela em um teatro – que integrava a estrutura da escola de artes The Herkomer School - onde criou obras dramáticas, com ênfase no tratamento da luz e da sombra. Também, trouxe inovações técnicas para a iluminação, instalada nos bastidores e projetada no palco com sidelighting.

 

 

 


Figura 2
: Aspecto dos “Screens” (1913). Fonte: Edward Gordon Craig.

 

 

Gordon Craig assistiu a uma dessas peças, testemunhando o uso de gazes medicinais leves e iluminação elétrica na criação de recursos cenográficos – o que já era significativamente inovador em um período marcado pelo uso de lamparinas a óleo para a iluminação dos espaços cênicos. Imediatamente, Craig decidiu experimentar a utilização desses materiais (gazes leves) e luzes laterais com cores diferentes em suas produções, sendo que a iluminação complementar àquela das laterais viria da parte superior do proscênio e direcionadas para o palco – o que não era ainda realizado por ninguém até então. Também, Craig rejeitou o uso de ribaltas, pois considerava um recurso de exagerada artificialidade.

 

 

Implementou também a instalação de outras luzes, ocultas e móveis, constituindo assim um modo de iluminar que apresentava características próprias de sua criação, pois acreditava que as luminárias deveriam fornecer mais do que apenas iluminação. Visionário, acreditava que a iluminação deveria conduzir a imaginação e um simbolismo metafórico para a peça e não apenas uma forma de iluminar os atores e o palco – ao qual denominava “palco cinético”.

 

 


Figura 3: Desenho de Gordon Craig para a cena final de “Hamlet” (Teatro de Arte de Moscou, 1911). Fonte: Frederic Sanchez.

 

 

Craig inaugurou seus métodos inovadores de iluminação na produção de Dido and Aeneas (1900) (Dido e Eneias, em tradução livre), ópera do compositor inglês Henry Purcell (1659-1695). Nessa produção, utilizou diferentes cores de iluminação obtidas por meio de gelatinas, especialmente, atribuindo-se também a Gordon Craig o status de um dos precursores modernos dos filtros de luz. Nesse ínterim, concebeu a luz para transformar o espaço do palco, liberando a imaginação do público. Nas transições dos atos, implementou mudanças sutis de luz, alinhando combinações de cores vibrantes, que foram usadas para contrastes e destaques. O uso de iluminação colorida foi usado com mais ênfase na cena final, na qual uma luz âmbar de cima criava um belo final trágico para a peça.

 

 

Como cenógrafo, concebia o palco com elementos arquitetônicos igualmente relevantes à qualidade simbólica da luz por meio de “screens” (biombos com dobradiças), que detinham o aspecto de monumentos vazados cujo efeito visual realçava, com considerável mobilidade, a interação dessas estruturas com o ator que dividia sua interpretação com o cenário e com a luz, além de outras estruturas opulentas.

 

 

Figura 4: Maquete dos screens de Gordon Craig exibida no V&A's Theatre Galleries (Londres). Fonte: Peth’s Staging Post.

 

 

Ele também foi muito influenciado pelas máscaras, pois acreditava que o uso desses elementos era "como um mecanismo para capturar a atenção, imaginação e alma do público". Parte de suas observações e reflexões sobre esses e outros elementos utilizados nas cenas estão presentes em sua obra “The Theatre-Advancing”, sexto livro desse autor, publicado originalmente em 1921, sendo uma coleção de artigos sobre teatro, em geral. Dedicado ao “inimigo”, trata-se de um testemunho histórico e relato das experiências, análises e indagações sobre diversas obras e autores, como Shakespeare. Mesmo que seja criticado pelo número reduzido de peças dirigidas (interessante destacar que Gordon Craig também assinou diversas obras sob alguns pseudônimos, Oliver Bath e Samuel Prim, entre outros, o que também pode ter ocultado outras produções – nunca reveladas), suas controversas teorias sobre o design de cena e sobre a encenação ainda enfatizam a importância e relevância de sua obra, como um todo, pelo favorecimento dos efeitos de palco tridimensionais e mais inovadora iluminação em relação aos palcos tradicionais. Durante décadas, esse livro (reeditado ainda em 1964), tornou-se um item raro; recentemente, foi reintroduzido no mercado (mas apenas em língua inglesa).

 

 

Na sua relevante obra, visualiza-se a manifestação da sua sensibilidade nos elementos cenográficos e no cuidado com a iluminação, que transpassa e recorta os elementos em cena, além da expressão dos sentimentos e do imaginário. Deixou, além de dez livros seminais, diversos desenhos, xilogravuras, sketches e maquetes, de modo a demonstrarem suas ideias e projetos.

 

 

Após um período profícuo de produções, textos e livros, Gordon Craig mudou-se para a França em 1931, onde passou a maior parte de sua vida. Mesmo após um período de trabalhos em Moscou em 1935, voltou para fixar sua residência na França, mesmo em circunstâncias difíceis. Foi inclusive preso pelas forças de ocupação alemãs, em 1942, período esse que estimulou a elaboração de um livro de memórias, publicado em 1957. Morreu em Vence, França, na região Provence-Alpes-Côte d'Azur no ano de 1966, aos 94 anos.

 

 

Evidencia-se na obra de Gordon Craig a capacidade de invenção, reinvenção, criatividade, inovação e avanços conceituais, sendo possivelmente o primeiro Lighting Designer “universal”, cujas ideias sobre direção de palco e design eram consideradas de importância internacional, mesmo que ele nunca tivesse muita oportunidade de colocar suas teorias em prática, pelas limitações técnicas e tecnológicas do período em que viveu mais intensivamente a sua obra.

 

 

Abraços e até a próxima conversa!!!

 

 

Os avanços de Gordon Craig - Iluminação cênica: estudos, pesquisas e publicações (parte 3)
Cezar Galhart

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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