Anuncio topo
COLUNISTAS

Veneração e zelo: banda The Cure no Primavera Sound Festival

10/01/2024 - 17:40h
Atualizado em 10/01/2024 - 20:03h




Imagem abertura: Aspecto da “Lost World Tour 2023” da banda inglesa The Cure – Primavera Sound Festival (Autódromo de Interlagos, São Paulo) (03/12/2023). Fonte: Lohanne Villela/Audiograma

 

Os espetáculos musicais produzidos na atualidade tiveram no início da década de 1980 a sua ‘gênese’, seja pelos conceitos visuais concebidos inicialmente para os videoclipes a aplicados de diversas maneiras nos palcos, seja pelas tecnologias que revolucionaram os shows desde então. Aquele momento, além desses aspectos, também proporcionou o surgimento de diversos estilos no contexto do Pós-Punk, com artistas e bandas que desenvolveram sonoridades únicas e influentes. Neste cenário, destaca-se a banda inglesa The Cure, que recentemente foi headliner do festival Primavera Sound, cuja apresentação será analisada nesta conversa, com ênfase na iluminação cênica, com apreço ao zelo, detalhes e sutilezas entregues aos fãs em um show memorável.

 

 

Como definir a década de 1980? Difícil tarefa, principalmente pelos diversos aspectos e perspectivas que fazem desse período um dos mais complexos e pluralistas em todas as vertentes: acontecimentos históricos, elementos culturais, mobilizações sociais, disparidades econômicas e transformações tecnológicas. Neste último item, do videogame ao computador pessoal, do Walkman ao VHS, foi nesse período que, para a iluminação cênica, foram criados os primeiros Moving Lights, foi padronizado o protocolo DMX-512 e foram produzidos os primeiros espetáculos de arena, com projeções em grandes suportes (IMAG).

 

 

Mesmo com significativas referências dos anos de 1970, marcados pela concepção ou consolidação de determinados estilos musicais derivados do Rock’nRoll (Heavy Metal, Hard Rock, Rock Progressivo, Punk Rock), foi no decênio seguinte em que houve uma mais difusa e indefinida classificação ou tendência para determinados artistas e bandas que trilharam caminhos distintos e únicos, fundamentais e edificantes do que ocorreria nas décadas seguintes (principalmente no Grunge e Metal Industrial, nos anos de 1990). Muito se deve aos experimentalismos que David Bowie, Sting, Paul Simon, Michael Jackson, Prince, U2, entre outros, produziriam com texturas, inspirações e camadas sonoras.

 

 

Do movimento de bandas que foi referenciado como “Pós-Punk”, remanescentes da “New Wave” (segunda metade da década de 1970), destaca-se decisivamente a banda inglesa The Cure. Formada em 1978 nos subúrbios de Londres, foi resultante de várias formações (e nomes) desde 1973, até ser configurada como um trio, centrado no multi-instrumentista, letrista e compositor Robert Smith na voz e guitarra, Michael Dempsey no baixo e Lol Tolhurst na bateria. Com essa formação e o lançamento de “Three Imaginary Boys” em 1979 - primeiro de uma série de quatorze álbuns de estúdio, em uma carreira que completou quarenta e cinco anos em 2023 com diversas formações -  a banda se consolidou como um dos principais representantes daquele que foi nomeado como “Gothic Rock”, caracterizado por experimentações sonoras graves e dramáticas, visual e temas melancólicos e sombrios.

 

 


Aspecto da “Lost World Tour 2023” da banda inglesa The Cure – Primavera Sound Festival (Autódromo de Interlagos, São Paulo) (03/12/2023). Fonte: Cezar Galhart

 

 

Na sua quarta passagem pelo Brasil (sendo a primeira em 1987 e a última em 2013), realizaram apresentação única no território nacional como headliner do festival Primavera Sound, no dia 3 de dezembro de 2023 no Autódromo de Interlagos, em São Paulo (SP). A atual formação, que excursionava na “Lost World Tour 2023”, além de Robert Smith, contava com Simon Gallup no baixo (na banda desde 1979), Reeves Gabrels nas guitarras (desde 2012, nesta banda), Roger O’Donnell nos teclados e percussão (desde 1987), Perry Bamonte também nos teclados (desde 1990) e Jason Cooper na bateria (desde 1995).

 

 


Aspecto da “Lost World Tour 2023” da banda inglesa The Cure – Primavera Sound Festival (Autódromo de Interlagos, São Paulo) (03/12/2023). Fonte: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

 

 

A iluminação cênica tem sido conduzida desde o início da década de 1980 pelo Lighting Designer e Lighting Director inglês Angus MacPhail, conhecido também por ter sido responsável pelos shows das bandas seminais Joy Division e Siouxie & The Banshees, no mesmo período. MacPhail se notabilizou por ter estabelecido uma atmosfera que valorizava mais a projeção de sombras pela utilização de refletores do tipo PAR instalados no piso do palco, em detrimento de treliças. Ele tem se dedicado à banda The Cure desde 2011, sendo responsável pela direção e condução dos shows, roteirizados e pré-configurados, mas que requerem acompanhamento e intervenção, principalmente pelas improvisações recorrentes da banda.

 

 

No encerramento do segundo e último dia do Primavera Sound Festival, a banda iniciou o show no horário de 20h25min com a inédita canção “Alone”, seguida de “Pictures of You” (do álbum Disintegration)(1989), “High” (do álbum Wish)(1992), “A Night Like This” (faixa integrante de The Head on the Door)(1985), “Lovesong” (também de Disintegration) e “And Nothing Is Forever”, também inédita (que com a canção de abertura, deverá integrar o próximo álbum, Songs Of A Lost World sem data de lançamento). Nesse primeiro bloco de canções, luzes estáticas e marcantes, com fachos intensos e destacados em uma atmosfera monocromática e difusa. Evidenciava-se nesse contexto uma homenagem à trajetória histórica da banda, como também uma iluminação que buscava interpretar os temas e paisagens visuais insólitas sugeridas pelas canções.

 

 


Aspecto da “Lost World Tour 2023” da banda inglesa The Cure – Primavera Sound Festival (Autódromo de Interlagos, São Paulo) (03/12/2023). Fonte: Cezar Galhart

 

 

A partir de “Burn” (integrante da trilha sonora do filme “The Crow”)(1994), as luzes se tornavam mais dinâmicas e cromaticamente contrastantes – principalmente com cores complementares. A sequência de “Fascination Street” (mais uma de Disintegration), “Push” com a excelente “In Between Days” (ambas de The Head on the Door), “Just Like Heaven” (um dos principais sucessos do álbum Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me)(1987) e a “trilogia” “At Night”, “Play For Today” e “A Forest” (integrantes do álbum Seventeen Seconds)(1980) alternavam variações de humor integradas às temáticas das canções, ilustradas também com projeções e principalmente cores, que tonificavam sensações e emoções.

 

 

A primeira parte do show foi finalizada com “Shake Dog Shake” (do album The Top)(1984), “From the Edge of the Deep Green Sea” (de Wish)(1992) e “Endsong”, mais uma inédita. Enquanto ocorria um processo de reversão nas dinâmicas de movimento das luzes para o término da primeira parte, deve-se destacar a excelência musical, a presença carismática, acuracidade instrumental e principalmente a qualidade da voz de Robert Smith, cristalina e impecável, após mais de quatro décadas e extensa turnê, além da interpretação emotiva, envolvente, alternando alegria e melancolia para canções que são emblemáticas.

 

 

No primeiro Bis, “It Can Never Be the Same” (lançada no álbum ao vivo 40 Live – Curætion-25 + Anniversary)(2019), “Want” (de Wild Mood Swings)(1996), a surpreendente “Charlotte Sometimes” (lançada como single, em 1981) e duas canções de Disintegration, “Plainsong” e a faixa título. Nesse bloco, variações com a valorização de sombras e contraluzes retomavam alguns dos princípios e escolhas aplicadas nas primeiras canções, sugerindo um fechamento temático cíclico, emocional e dramático

 

 

No Bis derradeiro, uma sequência arrebatadora com “Lullaby” (também de Disintegration), “Hot Hot Hot!!!” (do álbum Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me), “The Walk” (lançada originalmente como single, em 1983), “Friday I'm in Love” (de Wish) cantada a plenos pulmões pela plateia, “Close to Me “(outra de The Head on the Door), “Why Can't I Be You?” (mais uma de Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me), sendo naturalmente encerrado com “Boys Don't Cry” (originalmente, um single de 1979; e que foi regravada para constar da coletânea Standing on a Beach, lançada em 1986).

 

 


Aspecto da “Lost World Tour 2023” da banda inglesa The Cure – Primavera Sound Festival (Autódromo de Interlagos, São Paulo) (03/12/2023). Fonte: Cezar Galhart

 

 

Após duas horas e meia (aproximadamente), um show essencialmente dinâmico, como também visualmente deslumbrante, a banda The Cure entregou um espetáculo memorável, meticuloso e preciso, seja pela atmosfera que envolveu os fãs mais exigentes tal como novas gerações de admiradores, ou pelos detalhes e sutilezas que se destacavam nas particularidades e sonoridades de cada canção de uma trajetória fascinante e exemplar.

 

Abraços e até a próxima conversa!!!

 

P.S.: este texto é dedicado ao meu grande amigo Edson Rios, fã incondicional da banda The Cure, com quem tive o privilégio de assistir a esse show no Primavera Sound.

 

 

Veneração e zelo: banda The Cure no Primavera Sound Festival
Cezar Galhart

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Escreva sua opinião abaixo*