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COLUNISTAS

Cartas Portuguesas 6: Música na Guerra

10/03/2022 - 10:05h
Atualizado em 10/03/2022 - 11:25h

 

Desde que o Mundo é Mundo e o ser humano acredita que guerra é solução, a Música vai marchando ao lado dos batalhões, seja em forma de dobrados marciais – nos embates, digamos assim, mais organizados – ou aos brados, nas ruas, gritada pela boca do povo em fúria. Não seria de se esperar outra coisa de uma Arte tão inerente à nossa raça: cantar e compor são expressões poderosas da Vontade.

 

Acordei hoje aqui na pacífica e industriosa capital Bracarense, que tanto me lembra o não tão pacífico Baixo Leblon, lembrando que estou a algumas vodcas ou meia dúzia de uísques dos mísseis desgovernados com que somos diariamente ameaçados pelos donos da nossa modesta bola chamada Terra. Talvez estivesse mais tranquilo se permanecesse no meu país, onde me bastaria correr para trás de um carro ou virar uma esquina para escapar à troca de fuziladas entre traficantes e milicianos. Mas fazer o quê? fui mordido desde cedo pelo bicho-carpinteiro, curiosa expressão que minha mineira mãe usava para definir a permanente inquietude e curiosidade pelas coisas do mundo que me carregam desde sempre pelas estradas da dita bola-Terra.

 

Filosofado isso, levantei-me e liguei a TV, onde a RTP2, estatal portuguesa, na contramão da fascinação midiática pela grande desgraça que nos aflige, mostrava um documentário sobre a Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1974, que libertou Portugal da ditadura Salazarista ao som de “Grândola, Vila Morena”, canção de Zeca Afonso (https://www.youtube.com/watch?v=gaLWqy4e7ls) que uniu o povo português a suas forças armadas em prol da liberdade. Sem mais nem menos, me emocionei e entendi mais ainda a Força Estranha da Música nessas horas de luta. Lembrei-me do “Apesar de Você” (https://youtu.be/LZJ6QGSpVSk) de Chico Buarque, confrontando o golpe de 64 sem – a princípio – ter a esperança escondida na letra pressentida pela repressão da censura ditatorial e sendo cantada a plenos pulmões pelos botecos brasileiros, bem no focinho da meganhada.

 

Goste você ou não da revolução cubana (ame-a ou condene-a, este espaço é livre para opiniões), não há como minimizar a explosão emocional de “Guantanamera”(https://youtu.be/gdYIpvnzoW8) e negar sua força na derrubada do títere opressor, Fulgencio Batista, pelos guerrilheiros da Sierra Maestra.

 

Mas como toda virtude carrega pecados, vamos despir a Música de seu manto sagrado e pensar também no tanto que o regime nazista de Hitler a utilizou – junto com o Cinema e as artes gráficas - para incutir tais “valores” na alma do povo. Comecemos por um gigante como Wagner, que  longe de ser completamente inocente, cultivou o então ainda crescente sentimento antissemita de sua época enquanto compunha óperas com libretos cheios de referências a uma Alemanha mítica e predestinada à glória (https://www.youtube.com/hashtag/richardwagner). Claro que Hitler e Goebbels, seu ministro da propaganda, não deixaram que as falhas (e o gênio) de Wagner passassem em branco sem usá-los em prol de sua doutrina.

 

Voltando ao Brasil, podemos relembrar o que pode ser o símbolo das passeatas contra a ditadura. Impossível passar por aí sem recordar – e cantar – “Pra Não Dizer que não Falei de Flores”(https://www.youtube.com/watch?v=1KskJDDW93k) (atenção, imagens podem ser inconvenientes para pessoas sensíveis), de Geraldo Vandré, hino inconteste da reação popular ao statu quo, lançado no Festival Internacional da Canção de 1968, justamente a bordo do facinoroso AI-5, ato institucional que instalou de vez a restrição aos direitos humanos em nosso país e colocou seu autor no alvo da repressão. Atual até hoje, foi gravada de Vandré a Charlie Brown Jr.  (https://open.spotify.com/track/532WuZy5kwDhU8iNUbLKQK?si=b8b6eedb999f4530)

 

Do outro lado das Américas, em Kent, Ohio, EUA, no dia 4 de maio de 1970, durante um protesto contra a escalada da guerra do Vietnam anunciada pelo presidente Richard Nixon, quatro estudantes desarmados foram assassinados pela Guarda Nacional do estado. O incidente fez com que protestos generalizados contra a violência da repressão às manifestações pacíficas como essas, levantassem em fúria quatro milhões de estudantes americanos de várias graduações, do colégio à universidade. E fez com que – ao som de “Ohio”, música de Neil Young gravada por Crosby, Stills, Nash & Young (https://youtu.be/JCS-g3HwXdc) - a opinião pública norte-americana mudasse de lado em relação ao envolvimento dos EUA no Vietnam.

 

Pra fechar, vamos à “Bella Ciao”, popularizada nos dias de hoje pela série “Casa de Papel”, mas originalmente hino dos Partigiani, resistentes italianos que lutaram contra o governo fascista de Mussolini na 2ª. Guerra. Sem eles, a vitória aliada na Itália teria sido muito mais difícil! (https://youtu.be/CScGxqF5NdY).

 

Enfim, eu poderia ficar falando sobre isso por uma eternidade, mas acredito que já me fiz entender. Nestes tempos conturbados, nós, artistas, temos que ter a exata consciência do que falamos. Não nos podemos dar ao luxo da leviandade, porque mesmo o mínimo em nós pode significar – no amplíssimo ambiente da web – um máximo de repercussão. Temos que mostrar que as guerras, pilotadas por governantes confortavelmente instalados em  luxuosos gabinetes, são em seu exato nível de horror e indiferença à vida, a antítese do Humanismo. A Música está diretamente relacionada a isso tudo. Não podemos deixá-la derivar para o mal, porque essa é nossa arte e nós somos, em esmagadora maioria, guerreiros da Paz.

 

 

Cartas Portuguesas 6: Música na Guerra
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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