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COLUNISTAS

Cartas Portuguesas 7: o aventureiro bipolar

25/04/2022 - 14:20h
Atualizado em 25/04/2022 - 16:34h

 

Retomando os palcos, passarei os meses de maio e julho no Brasil, com tendências a mais algumas travessias Atlânticas até o fim de 2022. O Novo Normal mostra enfim sua cara, mas minha perplexidade com essa pós pandemia só cresce, porque me parece que ela me foi tão inesperada quanto a própria pandemia. Eu ansiava tanto por essa volta, pelo dom de subir de novo ao palco e poder cantar, tocar, trocar uma ideia com o público, que quando afinal a ocasião se apresenta, posso sentir aquele velho frio na barriga, tomando conta não só da barriga, mas tendendo também a subir coração adentro como uma espécie de paixão não correspondida.

 

Melhor descrever tal sensação como uma explosão de alegria mesclada ao medo inconfessável que um artista com a minha carga horária não deveria mais poder sentir. Que espanto, entender que o medo faz parte dessa alegria geral. E compreendendo que daqui a menos de um mês estarei revendo o Brasil que deixei para trás em exílio voluntário rumo a uma experiência de resultados imprevisíveis para mim e para minha família - tanto para os que me acompanharam quanto para os que ficaram aí - surpreendo-me de novo ao olhar para o pequeno rio que passa aqui por trás do meu prédio, o Este, límpido e vivo de peixes apesar de seu trajeto por dentro de uma cidade de mais de duzentos mil habitantes, e sentir de antemão uma portuguesíssima saudade das simplicidades e complexidades deste país. Ainda não tive tempo de entendê-lo ou percorre-lo por inteiro, mas já tenho pintado seu quadro em minha cabeça, das praias de Faro à fronteira norte, aqui minha vizinha. Assim, vejo que desde sempre por ele me apaixonei. Em seu – para nós, brasileiros acostumados à continentalidade - pequeno território cabem diversidades nunca dantes por mim navegadas.

 

Mas por ser um curioso de fato e direito, empenharei meus tempos de volta em descobrir por que seu tamanho, longe de reduzi-lo aos meus olhos, o agiganta. E percebo agora que essa mudança para outro país fez de mim uma espécie de aventureiro bipolar, ligado a dois mundos que não podem supor-se próximos pela simples avaliação do número de horas voadas que os separa, tão diferentes que são. Mesmo que ligados pela lusofonia e pela colonização, são distantes por detalhes que podem parecer pequenos, mas que exigem de uns e outros um extremo cuidado à aproximação, a não ser que fulano brasileiro ou sicrano português não estejam interessados em adaptar-se, o que embora possível, é lamentável e pouco natural, visto que o Mundo é uma bola cada vez mais enganosamente redonda.

 

No meio disso tudo, desiludido pelos rumos aos que o Brasil vem sendo levado e espremido, e aflito por uma guerra insana (tão próxima de mim quanto Florianópolis do Rio) que parece tirada de um filme trash-apocalíptico, ponho minha carapaça emocional em modo on e tento sofrer o menos possível diante desse dilema eurotupiniquim. Amanhã , “Samba do Avião”; depois de amanhã, “Tudo Isto é Fado”. Na fronteira entre o caos e a ordem, moncoeur balance... e de repente me assalta um outro fantasma: o que será o mais  assustador na visita ao país natal, depois de ano e meio de ausência? a insegurança? a incompetência crônica dos serviços públicos?  a perniciosa e proposital destruição do patrimônio natural brasileiro? a corrupção sistêmica que assalta os cofres do país?              

 

Claro que Portugal não é exatamente o Paraíso Terrestre, mas as coisas aqui são bem mais previsíveis. Você sabe que precisa agendar a consulta ao sistema de saúde, mas sabe também que vai ser atendido no prazo prometido – no meu caso, por exemplo, que sequer sou cidadão e tenho apenas autorização provisória de residência, esperei menos de 30 dias para uma consulta não emergencial - com atenção e competência. Seu filho pode estudar em escola pública e, mesmo recebendo ainda aquém dos méritos da categoria, os professores são bem menos maltratados pelo Estado que no Brasil. Ser assaltado em Portugal é um azar, enquanto não ser assaltado no Brasil é uma sorte. Se você, consumidor, reclama, alguém vai escutá-lo, e acredite: os prestadores de serviços aqui têm que tomar cuidado com o que fazem e dizem ao cliente. E na maioria esmagadora das vezes a Justiça vai funcionar, seja a seu favor ou contra você. Enfim, morar aqui é livrar-se de uma boa carga do peso que carregamos  aí, pelo menos no presente e amargo momento que assola nosso país.

 

Ontem, comparando preços de supermercado de lá e cá, confirmei minhas suspeitas: está ficando mais barato o dia a dia português que o brasileiro. Claro que a gangorra do real é fator de total importância nessa conta, mas este é um risco calculado que só ameaça a quem não tem nenhuma renda em euros. Na minha cidade, nove entre dez motoristas de Uber que me transportaram eram brasileiros. Cada “eurotostão” vale para a sobrevivência do imigrante. Emigrar, seja de onde para onde, não é para amadores: ou você tem muito dinheiro, ou você tem nervos de aço.

 

Faça sua escolha.

 

 

Cartas Portuguesas 7: o aventureiro bipolar
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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