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COLUNISTAS

Cartas Portuguesas Nº 4: Em Portugal, Faça Como os Portugueses

13/12/2021 - 16:15h
Atualizado em 13/12/2021 - 16:51h

 

Sempre que viajo para outros países levo comigo uma espécie de ideia fixa: ser o menos turista possível. Não no sentido de deixar de visitar aqueles mesmos lugares obrigatórios que nossa curiosidade deixa em primeiro plano, mas sim numa ideia de conviver o máximo possível com o povo e os costumes da terra. Então, como ir a Paris sem subir à Torre Eiffel? Jura que você não vai lá no Empire State para ver Nova Iorque ao pôr do sol? Nem pensar no Parthenon em Atenas, no Coliseu em Roma, no Cristo Redentor no Rio? Me engana que eu gosto...

 

Mesmo que não domine o idioma local, vou arranhando e me fazendo entender de algum jeito. Se você fala – mesmo sem fluência - a língua do país, muitas portas vão se abrir para você. E se o plano for permanecer por algum tempo, trate de estudar não só a fala corrente mas também o que deve e o que não deve fazer.

 

Neste dezembro estou completando um ano de Portugal. E se você pensa que a língua é a mesma, sinto lhe informar – ou “informar-lhe”, porque aqui pratica-se próclise, mesóclise e ênclise - que está completamente enganado. O português do dia-a-dia, acrescido pela dificuldade de entendimento que o essencial uso da máscara pode adicionar, exige do ouvido uma atenciosa aclimatação. E, você sabe, em qualquer lugar do mundo a paciência dedicada a ouvir o próximo tem limites. Junte a isso o fato de que o expressar-se pessoal de cada povo tem sutis diferenças, só perceptíveis depois de uma longa e atenta convivência. Você tem que acabar por assumir o cuidado exigido a quem quer bem viver em outro meio social que não o seu de origem.

 

Por força do isolamento que tive que cumprir nesses tempos de pandemia, não consegui me dedicar a uma boa parte da inclusão social planejada para logo que as coisas voltassem ao “normal”. Não voltaram em 2021 e ameaçam ficar restritas em 2022. Ainda não pude ir a Lisboa visitar amigos brasileiros e portugueses. Não pude aliás ir a nenhuma outra cidade onde conheço gente que poderia me orientar sobre o modus vivendi da terra. Fiquei limitado a idas ao supermercado – que já me deram um adianto – e ao shopping próximo, que não é lugar para fazer amigos, ao contrário de uma fila de transporte coletivo ou de uma festa popular onde podem surgir conversas e interações, mesmo sendo o português naturalmente contido diante de estranhos. É um povo, como se diz, sério. Discretos, não fazem o gênero ôba-ôba e não se abrem com facilidade. Quando vim pela primeira vez a Portugal no verão de 99 ouvi de amigos que encontrei aqui alguns conselhos bem úteis: “não chame aqui de ‘terrinha’... não se espreguice em lugar público... não estenda a mão a quem não a estendeu antes... chame os mais velhos que você de ‘senhor’ e ‘senhora’, mesmo que tenha uma certa intimidade”... e por aí adiante. Ser bem recebido em um lugar estranho tem códigos. Se você acha isso incômodo, melhor ficar quieto na sua praia e não mexer na areia dos outros. Ou pagar o preço de ser mais um/a mala a fazer de sua presença uma desnecessidade. Como tem gente que acha isso “original”, cada um assume o risco que acha suportável. Na minha opinião, “originalidade” não tem nada a ver com “chatice”.

 

Outra boa maneira de entender o país onde você está é a televisão aberta. Mas cuidado para não se fixar num só canal: ele pode estar preso a um só lado dos muitos que a moeda do país pode ter, o que pode levar você a pensar que a razão está com aquela particular orientação política. Não me iludo com uma improvável “imparcialidade” de meios de comunicação, que ou têm dono ou são gerenciados pelo Estado. Ponha seu filtro para funcionar e seja você o imparcial. Exercite também uma atividade evitada por muitos, mas importante para a compreensão do que se passa em sua cidade ou região: converse com o taxista. Não conheço nenhum país habitado por taxistas – e aí incluo os Uber da vida – que não sejam altamente propensos a conversar sobre qualquer assunto que você levante. Pergunte sobre esportes. Especule sobre política. Uma corrida de quinze minutos vai te ensinar mais do que horas de Google.

 

Minha cidade tem mais de 30000 brasileiros, praticamente um quarto da população, o que tira de mim um importante percentual de rápida compreensão do ambiente verdadeiramente português, encontrado com mais frequência no Portugal profundo, nas aldeias do interior ou – em outro extremo – nos bairros de classe média alta das grandes cidades, habitados em esmagadora maioria por portugueses d.o.c., onde o imigrante tem uma parcela mínima de inserção. Ou seja: ainda estou longe (e culpo muito a pandemia por isso, já que tenho total interesse numa imersão cultural que me seja útil) de chegar a um entendimento preciso desse povo que nos deu origem. A plena noção do que nós, brasileiros, somos, não pode prescindir da compreensão da História de Portugal.

 

Vamos complicar mais um pouquinho: e os territórios ultramarinos? e Açores? e Madeira? Como são esses portugueses das ilhas? Passando várias férias com amigos em Florianópolis – a ilha de Santa Catarina foi colonizada por açorianos, presentes até hoje na cultura e no sotaque regionais – pude perceber a diversidade  e a riqueza que pode ser proporcionada por ilhas, territórios isolados e dependentes dos humores marítimos, onde mais do que em quaisquer outros lugares funciona o determinismo de Rousseau: o Meio determina o Homem. E ponto. Não há como escapar dessa realidade, provada exaustivamente por séculos e séculos.

 

Mas olha só... estamos numa revista de áudio, de música, e eu nem passei raspando pelo assunto. Vamos lá, então: é igualzinho ao Brasil, respeitadas as diferenças, entende? tem o brega, o chique, o jazz, o blues, o rock, a raiz, o portunejo, a MPP (Música Popular Portuguesa) tudo ao jeito bem próprio daqui. Mas isso é um assunto extenso para ser tratado em outra crônica.

 

Pra terminar: a saudade é visceral. Sonho com os shows que fiz, com o Brasil por onde tanto viajei, pela distância dos filhos, netos e amigos que ficaram aí... Mas posso falar que não me arrependo nem por um minuto pela decisão de deixar meu país por uns tempos. A experiência, como todo emigrante sabe, faz sofrer, faz crescer, enriquece e dói. Mas eu vim de avião. E aqueles que enfrentam mares ou assumem riscos fatais atravessando desertos à procura de uma vida com um mínimo de dignidade?

 

Quando estou em dúvida, penso neles. E os medos fúteis me abandonam.

 

Cartas Portuguesas Nº 4: Em Portugal, Faça Como os Portugueses
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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