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COLUNISTAS

Discos da minha vida: Ao Vivo com a sinfônica de Americana

28/05/2020 - 10:18h
Atualizado em 04/06/2020 - 17:39h

 

Como os leitores habituais da coluna já sabem, venho contando em sequência a história dos discos da minha carreira. Depois de Passado, Presente, Futuro e do Terra - ambos do trio Sá, Rodrix & Guarabyra - e dos onze primeiros da dupla, gravamos, eu e Guarabyra, nosso décimo-segundo disco, e desta vez... AO VIVO - COM A SINFÔNICA DE AMERICANA

 

O Rio-Bahia, que considero um de nossos três melhores discos, simplesmente não aconteceu. Era brasileiro e acústico demais para a época, acho... Restou-nos pegar a banda e sair rodando mais uma vez Brasil afora. Ao desmaiar do século XX lá estávamos nós sem gravadora outra vez, visto que a Som Livre – e consequentemente a nossa RGE, sua subsidiária – resolveram desfazer-se do seu cast fixo. Recebemos então um convite para nos apresentarmos num espetáculo com a Orquestra Sinfônica de Americana, composta em grande parte por músicos da Sinfônica de Campinas e muito bem regida pelo jovem maestro Carlos Lima. 


Líber Gadelha, à época chefiando o Artístico da Indie Records, interessou-se pelo projeto e presto! Lá estávamos nós de novo no mercado e desta vez a bordo de uma sinfônica inteira. Em conversas telefônicas com o maestro fomos combinando os detalhes. Levaríamos nossa banda (Roberto Lazzarini, teclados; Betto Martins, guitarra; Pedrão Baldanza, baixo; Edson Ghillardi, bateria; e Edu Contreras, percussão) fazendo uma base “popular” para contrastar com o “erudito” da Sinfônica, com algumas orquestrações feitas pelos próprios músicos da orquestra e outras pelo nosso Lazzarini, que já havia feito um ótimo trabalho no Rio-Bahia. 


O espetáculo seria no Teatro Municipal de Americana, ressurgido das cinzas do velho Cine Brasil. Em 1988, quando da inauguração do recém-reformado Teatro, o palco viera abaixo com orquestra e tudo, quase transformando a festa em tragédia. Esse bizarro acontecimento pode ser visto no YouTube, link http://www.youtube.com/watch?v=sTjKuLhFbVg. Parece incrível que ninguém tenha morrido ali, mas nós, com nossa quedinha pelo humor negro, entramos no primeiro ensaio dando pulinhos, tipo experimentando a firmeza. O sorriso amarelo de alguns componentes da orquestra nos convenceu do pouco sucesso do nosso “perco o amigo mas não perco a piada”...


Tivemos apenas dois ensaios com a Sinfônica antes dos espetáculos. Com tudo escrito, era só ler, mas mesmo assim tivemos um pouco de trabalho para ajustar o rigor da orquestra à natural – e saudável – tendência da banda de base a seguir a nossa dinâmica. Isso sempre acontece em trabalhos do gênero, quando junta-se o “popular” ao “erudito”, termos que mantenho entre aspas por achar que tudo vem a ser música, áreas mantidas distantes apenas por preconceito, visto que o “erudito” de hoje era “popular” no século passado e o “popular” de hoje pode ser “erudito” no próximo século. Tudo é uma questão de enfoque: o músico de sinfônica é por necessidade de ofício mais disciplinado, o que traz tantas vantagens quantas aquelas trazidas pela aparente indisciplina do músico popular. A boa vontade de ambos em invadir ou ser invadido pelo terreno alheio só agrega valor ao que é feito, assim como a mistura das raças fortalece a Humanidade.
Assim como em centenas de outros registros similares, isso ficou patente nesse disco. Embora tecnicamente imperfeito pela exiguidade de tempo, o CD deixa transparecer a emoção com que foi construído: tocar e cantar com uma Sinfônica de base é outro barato. E o público, claro, sentiu isso. O povo de Americana compareceu em peso ao teatro e participou intensamente do que acontecia no palco. É gostoso, por exemplo, escutar Dona com uma intensa troca de solos entre o sax “erudito” da orquestra e a guitarra roqueira de Betto Martins. Ou ver um xote como Sobradinho pegar uma cara bem diferente com o esforço da orquestra pra suingar junto... É belo fazer surgir a ordem no caos, né não?

 


Pronto o disco, depois de uma primorosa finalização nos estúdios Mega – que eram “state of the art” na época - Guarabyra foi se tratar de sérios problemas de saúde que o haviam acometido desde antes. Ficamos então impossibilitados de tocar em frente o trabalho de mídia que normalmente cercaria o lançamento. Mesmo assim o CD superou de cara 50 mil cópias vendidas e foi em frente, só não chegando ao Disco de Ouro por nossas restrições de trabalho. Poucos meses depois do lançamento, reencontrei o Liber Gadelha, que chamou o disco de “coisa de sonho” por ter quase atingido as cem mil cópias sem nenhum trabalho de mídia. Mesmo com minhas argumentações, ele achou que os problemas de saúde de Guarabyra eram exagerados. Fazer o quê? Meu parceiro ainda penou quase um ano depois disso até finalmente conseguir de volta sua saúde plena.


Enfim, Sá & Guarabyra ao vivo com a Sinfônica de Americana foi um sucesso de vendas, apesar da correria, dos problemas e das limitações. Tem registros únicos, como meu solo para Capitão Meia Noite, o de Guarabyra para A Longa Noite, o Dupratiano arranjo de Lazzarini para Desenhos no Jornal e outras tantas versões inéditas por natureza, já que acompanhadas por uma Sinfônica. Teve pelo menos dois relançamentos pela Indie e suas herdeiras. E até hoje me pergunto por onde andarão os masters dessas gravações...


Pelo menos restam os registros de vídeo, que resolvi bancar pessoalmente com a direção do meu amigo Odorico Mendes. E vejam só o que é a natureza! Ontem mesmo recebi um e-mail de Odorico me perguntando se não queríamos jogar essas imagens no YouTube... 


A parte ruim da parada apareceu depois do lançamento. Os músicos da Sinfônica ficaram – com razão – furiosos com a omissão dos seus nomes na contracapa do CD. Só os arranjadores e o maestro tiveram seus nomes citados, enquanto nossa equipe de produção estava inteira lá. Como não tivemos muito acesso à parte gráfica do CD, éramos relativamente inocentes, o que explica, mas não justifica. Enfim, carregamos até hoje esse problema na consciência, já que a Indie, ao que me conste, desapareceu do mapa. Resta-me pedir aqui um perdão público em nome de um pecado que não tive. Mas o disco é muito bonito, e em grandissíssima parte graças a vocês, músicos da Orquestra Sinfônica de Americana, que escreveram esse importante capítulo de nossa carreira junto com a gente.

 

 

 

Discos da minha vida: Ao Vivo com a sinfônica de Americana
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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