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COLUNISTAS

Discos da minha vida: Cartas, canções e palavras

15/05/2020 - 17:24h
Atualizado em 15/05/2020 - 18:06h

 

Como os leitores habituais da coluna já sabem, venho contando em sequência a história dos discos da minha carreira. Depois de Passado, Presente, Futuro e do Terra - ambos do trio Sá, Rodrix & Guarabyra - e dos sete primeiros da dupla, chego ao oitavo de Sá & Guarabyra, o... CARTAS, CANÇÕES E PALAVRAS.

 

Chegamos adiantados. Eu e Ralf Ramos, dublê de amigo e empresário, estávamos especialmente interessados naquela reunião com o diretor artístico da então RCA-Ariola, Miguel Plopschi. Saídos um ano antes do estrondoso sucesso nacional da novela Roque Santeiro – onde a dupla emplacara três músicas (Roque Santeiro, Verdades e Mentiras, compostos e cantados por nós, e Dona, nossa, gravada pelo Roupa Nova) – estávamos acreditando que aquele 1986 seria a afirmação do nosso sucesso popular. Tentávamos, eu e Guarabyra, equilibrar-nos naquela tênue linha que divide qualidade e comércio puro e simples. Acreditávamos, e estávamos certos nisso, que nunca estivéramos tão perto do nosso objetivo, comum aliás a muitos outros artistas da nossa geração: alcançar a massa com música que traduzisse autenticamente aquilo que pensávamos, vender discos que expusessem nossos propósitos pessoais de vida, nossos valores, nossas ideias. Mal sabia eu que naquela mesma reunião entenderia quão ingênuos e furados eram esses ideais diante da crua realidade do mercado.


Depois de certa espera, coisa que a maioria dos diretores artísticos de então gostavam de aplicar sobre os artistas contratados, como uma tentativa de afirmar um suposto mando (é, eles tinham um problema de afirmação, eliminado hoje pelo poder dos Youtubes da vida!), Miguel me chamou. Para minha perplexidade, ele pediu que Ralf esperasse na antessala, o que jamais havia acontecido antes. Já entrei ali com a pulga atrás da orelha. Miguel lançou-me o seu melhor sorriso melífluo (aqueles em dúvida, procurem “melífluo” no dicionário dos diretores artísticos, de marketing etc.) e atacou:


- E aí, vamos pro próximo?
- Só se for agora – respondi. Tínhamos, eu e Guarabyra, uma antiga e frutífera relação com Miguel, que inclusive, no auge de nossas vacas magras, encarregara-nos de algumas versões para os Fevers para livrar-nos da miséria total. Daquelas só me lembro de uma chamada Lady Banana – acreditem! – que assináramos com o pseudônimo de Fioravante Pennedo, não sei porque com dois “nn”! 

 


Em tempo: nunca fomos preconceituosos contra certas atitudes mais, digamos assim, populares, em termos de gravação. Fomos e ainda somos gravados por intérpretes das mais diversas gerações e tendências, de Milton Nascimento aos Fevers, de Gilberto Gil a Joanna, dos Golden Boys a Elis, dos esotéricos aos cult, dos românticos aos experimentais. Nunca negamos a ninguém, amadores ou profissionais, o direito de gravar nossas músicas, mesmo tendo que ouvir algumas vezes, para nosso desgosto, assassinatos impiedosos daquilo que fizéramos de coração aberto. Para o bem ou para o mal, essas são as regras do nosso jogo. Mas apesar disso, a próxima frase de

Miguel me pegaria de surpresa:
- Acho que está na hora de vocês gravarem Sullivan e Massadas!
Às gerações presentes que desconhecem nomes, armações de marketing e outros baratos e afins, esclareço o significado de Michael Sullivan e Paulo Massadas, dupla de compositores que era sinônimo mercadológico de megassucesso na década de 80. Como possuidores de um toque de Midas, eles transformavam em hits retumbantes tudo o que faziam, como Um Dia de Domingo, com Gal Costa; Me Dê Motivo, com Tim Maia; Estranha Loucura, com Alcione e dezenas de outras do gênero, que aliás, faça-se justiça, parecem obras de Mozart ou Beethoven diante do lixo que rola hoje nas rádios popularescas – não confundam “popularesco” com “popular”: “popular” é o que atinge a massa por identificação, “popularesco” é aquilo que é enfiado goela da massa abaixo.


Mas ocorre é que estávamos, Sá & Guarabyra, numa perigosa encruzilhada: partidos de um público majoritariamente “alternativo”, fôramos injetados na veia do povão por Roque Santeiro, o que provocara em nossos fãs egressos da ripilândia uma sucessão de ranger de dentes e torcer de narizes. Aparecendo em programas como Cassino do Chacrinha e Fantástico, estávamos sendo abandonados por uns e aceitos por outros, uns e outros esses diametralmente opostos em termos de opinião e preferências. Miguel, que irônica e paternalmente nos acusava de “universitários” – termo hoje adotado para nomear uma suposta elite melhor produzida que se destaca das centenas de duplas vocais melo-românticas indevidamente denominadas “sertanejas” – queria que esquecêssemos esse nosso suposto-por-ele-lado classe-média-zona-sul e nos atirássemos de cabeça naquele mesmo poço onde Robert Livi atirara Zé Rodrix com Soy Latino Americano – sucesso nacional, grana a curto prazo e carreira indefinível, já que a casca não combinaria nunca com a polpa da fruta, sabe como é...


Eu poderia ter contemporizado, ou até quem sabe conseguido enrolar o espertíssimo e vividérrimo Miguel, mas minha vocação por sinceridade nas horas erradas berrou mais alto e eu berrei alguma coisa junto que não me lembro bem o quê, só me lembro do Miguel saindo da sala, chamando o Ralf e me acusando de qualquer coisa tipo tentativa de agressão. Do mal parado que rolou disso aí, saiu nosso Cartas, Canções e Palavras, disco anódino, na minha opinião, e que teria passado em branco na nossa carreira não fosse a inclusão de Tabuleiro na trilha da novela Fera Radical. Percebendo o pouco impacto do que conseguíramos no estúdio tentamos ainda com Parar de Correr e Cartas, Canções e Palavras, que acabou por titular o disco, resolver o problema que não se nos apresentara antes: a execução em rádio. Mas o que não sabíamos é que tínhamos sido já marcados para a demissão por Miguel: o apoio da gravadora virou zero e quando chegamos em Canela para a 1ª Festa da Música não achamos mais nosso nome na relação de artistas da RCA-Ariola na recepção. Descobrimos mais tarde que a nossa inclusão independente na festa havia sido uma barra forçada por nossos amigos divulgadores da RCA, revoltados pela canetada do Miguel, que – passando por cima do fato de sermos um dos principais vendedores em potencial do elenco da gravadora – nos deletara sumariamente do cast sem sequer nos informar disso. A carta de demissão da RCA chegou em minha casa quase dois meses depois da Festa de Canela.


Nossa vingança foi a sobrevivência. Estamos aqui vivos, cantando, compondo e viajando, quase quarenta anos depois desse furdunço. Enquanto isso, muitos dos que preferiram ouvir o canto da sereia da grana fácil foram varridos pro lixo da música, cada dia mais cheio.

 

 

Discos da minha vida: Cartas, canções e palavras
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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