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COLUNISTAS

Discos da minha vida: O paraíso agora

14/05/2020 - 15:54h
Atualizado em 14/05/2020 - 16:50h

Como os leitores habituais da coluna já sabem, venho contando em sequência a história dos discos da minha carreira. Depois de Passado, Presente, Futuro e do Terra - ambos do trio Sá, Rodrix & Guarabyra - e dos cinco primeiros da dupla, chego ao sexto de Sá & Guarabyra, O Paraíso Agora.

Com o Dez Anos Juntos vendendo que nem tomate na feira – o que o levaria a ser um dos melhores casos de custo-benefício da história da fonografia brasileira, já que custou uma merreca e ficou cerca de vinte anos em catálogo, vendendo pra lá de milhão de cópias – assinamos novo contrato com a RCA, que agora sorria de orelha a orelha... Partimos com gana e disposição para uma nova curva ascendente na carreira, via gravação de um novo disco. Guarabyra chegou com título e música prontos: O Paraíso Agora. Dado o momento que vivíamos, aprovei ambos prazerosamente. Como eu morava no Rio e as gravações iriam rolar em São Paulo, fui mudado provisoriamente para uma enorme cobertura no então pujante Lord Palace Hotel, onde a RCA costumava hospedar o cast alienígena, em pleno largo de Santa Cecília e a dois passos – largos! - do estúdio. 

 


Em 1983, Santa Cecília era um lugar interessantíssimo. Espero que o seja até hoje, já que faz tempo que não ando por aquelas bandas. Tinha uns botecos tradicionalérrimos, onde eu, Guarabyra, Johnny “B. Goode” Magalhães, Lyzandro “Liso” Antônio e o nosso então empresário Ralf Ramos costumávamos devorar um inacreditavelmente bom fígado de peru marinado de café da manhã e jogar sinuca à noite. Numa dessas madrugadas de tacos e bolas, a PM resolveu dar uma geral no boteco e veio exigir nossos documentos. Quase caímos de rir quando Guarabyra apresentou o que restava de sua carteira provisória de músico profissional que a OMB fornecia quase a contragosto, feita, diga-se de passagem, de um papelão meia-boca. O PM “bad guy” olhou praquilo com o desprezo estampado na testa:
 

- Que é que é isso aí, ô meu?
Era a minha deixa:
- Aí, ele está comigo.
E joguei minha vermelhinha da Ordem dos Advogados do Brasil na mesa. Jamais saía sem ela.
O PM “bad guy” ficou tão perplexo ao entender que eu - aquele hippie cabeludo de bata indiana e jeans desbotados – fazia de algum jeito parte do establishment da lei que perdeu o balanço, o que proporcionou ao outro PM, o “good guy”, um sorriso pacificador:
- Os cara são gente boa. Vamo nessa.

 

Eles saíram e nós mal conseguimos continuar o jogo, às gargalhadas, assistindo o Guarabyra tentar reconstituir o quebra-cabeça em que se transformara sua estraçalhada carteirinha. Até hoje não sei se ele pediu a 2ª via...

 


Mas voltando ao disco: o produtor, nosso amigo Guti Carvalho, morava no Rio e estava super ocupado, envolvido com vários projetos simultâneos, já que a RCA resolvera investir e crescer no mercado. Guti delegou então ao guitarrista Rick Ferreira a produção executiva. Rick, braço direito do nosso querido Erasmo Carlos, não estava habituado ao jeito Sá & Guarabyra de ser e ficou realmente bolado com a maneira de conduzirmos as gravações, pilotadas de fato pelo tecladista e arranjador Ruriá Duprat, sobrinho de Rogério, filho de Régis e nosso orgulho particular de co-descoberta. Naqueles princípios de 80, os MIDI reinavam: Ruriá comandava seus emulator, polysix e prophet 5 com prazer e eficiência. Com o tempo, Rick entrou no barato e fez belas intervenções em Cheiro Mineiro de Flor, Porta do Farol, Animais Domésticos e Fogo Pagô. Além disso tudo, estávamos estreando uma nova banda de apoio: Alaor Neves na batera, o inesquecível Sergio Kaffa no baixo, Marco Bosco na percussão, o próprio Ruriá nos teclados e Betto Martins na guitarra, este o último remanescente da banda Ponte Aérea, que nos acompanhara no Dez Anos Juntos. Na parte gráfica, ganhamos outro presente genial, convocando de novo a dupla Gernot Stiegler (layout) e Ella Durst (fotos). A foto de Ella no encarte captando nosso momentum de concentração nos Guild, guitarra e violão, é uma daquelas coisas que não se repetem. Reforçando esse encarte único, as maravilhosas ilustrações surrealistas de Renê (nossa, ninguém naquele tempo usava sobrenome?) plantavam mulheres em vasos de flores, seios em taças de milk-shake, rostos femininos em luas crescentes, olhos em cachoeiras, cachorros humanóides em salas de TV e o que mais sua imaginação enxergasse através de nossas músicas. Não satisfeitos com tudo isso, acrescentamos ao encarte letras cifradas e profusos agradecimentos a uma infinidade de amigos que nos apoiavam nas boas e más horas. Foi no Paraíso também que Gernot tentou mudar o logo da dupla. Para que pudéssemos comparar o novo logotipo com o antigo, ele colocou ambos na parte interna do encarte. Até hoje usamos o antigo, mas revendo a arte do novo, fico ainda na dúvida.


Outra coisa importante na história desse disco é o fato de que – por força de estarmos morando em cidades diferentes num tempo onde inexistia a internet – só Quando Provei Teu Doce, Fogo Caipira e Minha Companhia são parcerias reais. Embora tenhamos assinado as músicas em dupla, Guarabyra compareceu com A Longa Noite, Fogo Pagô e Paraíso Agora, e eu com Capitão Meia Noite, Cheiro Mineiro de Flor, A Porta do Farol e Animais Domésticos. Cheiro Mineiro de Flor veio a ser a preferida dos programadores de rádio e acabou se tornando naquele 1984, ano de lançamento do disco, uma das músicas mais executadas no eixo Rio-SP-BH, com o saudosíssimo Johnny “B.Goode” Magalhães comandando a aguerrida divulgação da RCA. Justamente quando nossas festas na cobertura do Lord Palace estavam ficando famosas, a gravação acabou e eu tive que voltar pro Rio, com um ótimo disco embaixo do braço. Apesar de emblematicamente de época, ou seja, eletrônico ao extremo - ou até mesmo por isso! - O Paraíso Agora nos pôs de volta ao centro do jogo, preparando-nos convenientemente para 1985, um de nossos melhores anos. 
 

Mas isso é assunto pro próximo post...

 

 


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Discos da minha vida: O paraíso agora
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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