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COLUNISTAS

Discos da minha vida: Passado, Presente e Futuro

22/04/2020 - 17:21h
Atualizado em 14/05/2020 - 17:00h

Em princípios de 1970 retomei contato com Zé Rodrix, que eu conhecera anos antes como integrante do grupo vocal MomentoQuatro, do qual fizeram parte também Maurício Maestro, David Tygel e Ricardo Villas. Depois, Zé passara pelo Som Imaginário e acabara então de deixar o grupo.

 

Num encontro no Sachinha’s, um bar do Leme que era o grande reduto de jovens músicos de nossa geração, decidimos formar de fato a parceria que nos prometêramos tempos antes. Rodrix já tinha um grupo formado para acompanhálo, o Faya, e começamos a ensaiar algumas músicas que  havíamos feito em seu apartamento, um quarto e sala na Prudente de Morais, em Ipanema. Compúnhamos como água, músicas de todos os gêneros e tipos. Lá pelas seis da tarde eu - que morava ali perto, no Leblon - já batia ponto no apê do Zé, onde Lizzie Bravo, sua mulher - grávida de Marya - nos supria de sandubas e  cerveja. Sem hora pra terminar o sarau, não era raro recebermos visitas musicais e teatrais, universos onde Zé gravitava à vontade. Já eu vinha de outra galáxia, a jornalística, onde me fixara como editor e crítico musical, por achar que minha carreira de cantor/compositor não daria caldo, ligado que eu era ao grupo dito de “protesto”, duramente censurado pela repressão da ditadura então em vigor.

 

Juntando as virtudes de um e outro, acabamos por situar-nos no universo pop da época. Nossas músicas então acabaram entrando nos discos de outros artistas: os Golden Boys gravaram Copo de Leite, Elza Soares pegou Saltei de Banda, o Quarteto em Cy registrou Underground, Célia cantou  Vida de Artista e acabamos por nos tornar uma dupla de compositores bastante solicitada por produtores e gravadoras. Lá também erigimos os alicerces do chamado “rock rural” compondo Primeira Canção da Estrada, Ama Teu Vizinho, Viajante e outras levadas que misturavam minha tendência regionalista bem brasuca vinda das canções politizadas de “protesto”, posteriormente influenciada pelo country rock de James Taylor, Crosby, Stills & Nash, Carole King, Simon & Garfunkel, Dylan e que tais com a pegada mais pesada e progressiva do Zé.

 

No mesmo ano, porém, uma série de acontecimentos entortou nossos destinos: Zé venceu o Festival de Juiz de Fora com uma parceria dele com Tavito, a Casa no Campo. E eu fui “redescoberto” e contratado pela Odeon, o que nos colocaria em posições-solo, um ramal divergente de nossos planos de dupla. Em consequência da minha contratação, tomei uma posição radical e abandonei meus dois empregos-tampão,  como programador musical da rádio JB e editor do caderno de música “Plug”, que saía no Correio da Manhã. Não por isso, mas ao mesmo tempo, meu casamento naufragou total, e eu me vi na contingência de sair de casa para... Casa da mãe?! 

 

 

Naquele dia dramático da minha separação, essa era  minha melhor perspectiva, uma marcha-a-ré desoladora rumo às origens, uma derrota. A desaprovação materna que vagava sobre minhas pretensões artísticas como uma nuvem
negra teria afinal a chance de soltar seus raios e trovões sobre mim. Tudo o que me restara era um jipinho Gurgel e o baixo-catre de uma bicama. Saí do Leblon meio sem rumo e acabei estacionando na Praça Nossa Senhora da Paz pra comer um sanduíche de queijo com salaminho com os centavos que me sobravam. De repente, ouvi uma voz me chamando: - Sá! Ô Sá!

 

Virei-me. Lá do outro lado da rua me acenava o Gutt. O Guarabyra, pra vocês. Éramos amigos desde um tempo antes, quando fôramos apresentados pelo poeta e pesquisador musical Nelson Lins de Barros. Depois, Guarabyra vencera o Festival Internacional da Canção e a vida nos havia afastado, mas a amizade permanecia. Ele atravessou a rua. Sentamo-nos no Gurgel. Eu desfiei minhas desgraças, ele riu muito delas e depois não me lembro se tomamos umas cervejas junto com algum sanduíche, mas aquele encontro culminou num convite: - Estou morando com uns amigos aqui pertinho na Alberto de Campos. Por que você não fica lá um tempo com a gente?

 

Resmunguei uma meia dúzia de negativas ralas pra esconder meu entusiasmo em poder permanecer na zona sul, longe do blábláblá da minha santa mãezinha e aceitei quase que imediatamente o convite. Rumamos pra casa dele. Meu catre foi recebido com sonoras gargalhadas por parte do Toninho Neves e do José
Trajano, dois jornalistas que rachavam com Gutt o espaçoso apartamento 1 do número 111 da Alberto de Campos, números que me soaram quase místicos. Na sala, um par de caixas de concreto recheadas com whoofers e médios Wharfdale vomitavam os sons da nossa era: Cat Stevens, Leon Russell, James Taylor, Crosby, Stills, Nash, Young, Hendrix, Janis, Beatles, Stones, Small Faces e o diabo. “Estou em casa” - pensei - “aqui é o meu lar”. 

 

Nesse entretempo, com o nascimento de Marya Bravo Rodrix, nossos ensaios na casa do Zé tiveram seus dias contados. Marya não conseguia dormir com a algazarra musical e acabamos por mudar a sede da dupla para a Alberto de Campos. Claro que o Gutt não conseguiu ficar impassível diante de tamanha verbomusicorréia e - parceiro do Zé que já era - começou a juntar-se a nós. Uma bela noite, Mariozinho Rocha - nosso produtor na então Odeon - e Júlio Hungria, crítico musical do Jornal do Brasil, ouvindo nossas músicas e harmonias, decretaram: - Vocês são um trio! 

 

Por uma dessas estranhas manobras do destino, éramos os três contratados da Odeon, sob a supervisão de Milton Miranda. Era só juntar e fazer o disco. E assim fizemos. Entramos leves como três plumas no estúdio e lá fizemos o que fazíamos em casa, juntando amigos preciosos como Amarílio e Heleninha Gastal,
Augusto Pinheiro, Waltercio Caldas, Nelsinho Ângelo, Lindolpho Gaya, Fernando Leporace, Pedrinho Poeta, Paulinho Braga, Luiz Carlos Abolição, Tavito, Zé Nery, Milton, Mariozinho, Júlio e toda aquela galera de jovens atrizes, atores, músicos e poetas que frequentavam a Alberto, parimos um ótimo disco, uma coisa diferente, cheia de experiências melódicas recheadas com os ainda hoje atuais arranjos do Zé. Um reflexo real do ambiente libertário que nos cercava, numa época em que descobríamos caminhos inteiramente novos para a vida e para o pensamento musical. E daí veio o título: queríamos que todos aqueles que ouvissem o disco entendessem que respeitávamos o Passado, vivíamos o Presente e mirávamos o Futuro.

 

 

Discos da minha vida: Passado, Presente e Futuro
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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