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COLUNISTAS

Discos da minha vida: Terra

22/04/2020 - 16:50h
Atualizado em 14/05/2020 - 17:01h

Sá, Rodrix & Guarabyra gravaram e lançaram o Terra, segundo LP do trio, em 1973. A pressão sobre nós era grande: o primeiro disco, Passado, Presente, Futuro fora um estrondoso sucesso de público e crítica e todos aguardavam ansiosos o que deveria ser nossa próxima overdose de novidades.

 

 

Acontece, porém, que já chegávamos agora ao estúdio desgastados por uma série de acontecidos em nossas vidas particulares e artísticas. Nossa primeira “caída na estrada” fora uma sucessão de trapalhadas das produções locais, o que ocasionara um racha entre nós quanto a continuar ou não com a firma que então nos empresariava. Estávamos ainda de mudança para São Paulo, a convite do maestro Rogério Duprat, onde trabalharíamos com publicidade, coisa que por si só me horrorizava. Apesar da vontade de estar por perto de Rogério, meu ídolo musical desde sempre, eu não conseguia me imaginar longe do Rio. Mas aceitei  democraticamente o mando da maioria e estava quase conseguindo me convencer de que a mudança seria positiva.

 

Entre um disco e outro, Guarabyra me levara a conhecer o São Francisco. A “descoberta” desse outro Brasil e a exposição à rica tradição cultural do povo do rio marcaram profundamente meus rumos de vida e música. Essa era uma viagem  que deveríamos ter feito a três, mas – não me lembro por que – Zé acabou não indo, e isso nos desgarrou ainda mais: chegamos cheios de sertões e cerrados diante de um Rodrix já paulicéia pura...

 

 

Mal entramos no estúdio e já tínhamos graves divergências com o repertório. A diversidade de caminhos era gritante. Resolvemos parcialmente a coisa combinando que todas as músicas seriam assinadas pelo trio, numa tréplica a Lennon-McCartney e Roberto-Erasmo. Se dava certo com eles, porque não com a gente?? Mas tocamos em frente e a coisa começou a ficar divertida...Conseguimos viajar pelo menos na metade da maionese que viajáramos no primeiro disco, usando e abusando da liberdade plena que a Odeon e nosso produtor – de novo Mariozinho Rocha – nos davam. Para a capa reconvocamos nossos amigos Waltercio Caldas Jr. no design e Miguel Rio Branco nas fotos, que fizeram uma verdadeira obra gráfica de capa dupla, fora o encarte genial. Não sem razão eles são hoje figuras de ponta em suas especialidades. No estúdio, nossos fiéis escudeiros e companheiros de estrada, Sérgio Magrão no baixo e Luiz Moreno na bateria. Zé fez lindos arranjos de cordas e metais. Com esse simples quinteto fizemos o disco inteiro, adicionando em apenas uma faixa o solo de harmônica de Cezinha de Mercês. Foram dois rápidos e frenéticos meses de estúdio.

 

Mesmo com preciosidades pontuais, o Terra está longe de ser um dos meus trabalhos preferidos. Certo, ele tem Mestre Jonas, O Pó da Estrada, Blue Riviera e Brilho das Pedras, músicas emblemáticas em nossa carreira. Tem uma capa poderosamente criativa e um encarte que eu gostaria de estampar num cobertor para dormir com ele todas as noites da minha vida. Mas é também um símbolo de separação, de esgarçamento do sonho de três rapazes, um tubo escuro e fundo que nos atirou no rumo da vida real, do “show business”, do jingle, das coisas que julgávamos distantes, mas que acabaram por revelar-se perigosamente próximas.

 

 

Você tem ele aí ao seu lado? Não? Que pena! É bonito de ver. Na capa, um outdoor com um violão que tem em seu braço as cordas sustentadas por postes, como nas estradas. As cores são duras, a impressão, precária, afinal estamos em 73, lembra? Prestando atenção, você verá que aparecemos a meio-corpo abaixo do outdoor. Aí, você abre a capa dupla e surgem fotos que nos revelam em nossa vida carioca, ora no apê de Guarabyra em Ipanema (para os curiosos detalhistas, era na Barão entre a Teixeira e a Farme), ora no tugúrio do Zé no então novinho condomínio do Tambá... Nós na janela, Gut jogando sinuca, eu afinando, Magrão pensando a bordo do baixo, Morenão fumando na bateria forrada de colchas pra não aporrinhar os vizinhos, os três na escada pro segundo andar, a linda escadaria anos 40 de mármore salpicado de pedriscos captada pelo olho implacável do Miguel que faz de tudo espantos e surpresas. De repente você  descobre que existe um encarte, uma coisa louca bolada pelo Waltercio, aquele caminhão de mudança içado aos ares por uma nuvem, deixando descuidadamente cair três violões que certamente vão se estatelar ao chão... E aí você chega finalmente na contracapa e dá de cara com nós três, cada um com seu figurino  bem particular, largado o Guarabyra, despojado eu, mais ripemente arrumado o Zé, éramos assim isso mesmo, estamos ali, calças boca-de-sino sem cintos, pés no mato que cresce atrás daquele outdoor que não me lembro mais onde era.


Menos de seis meses depois dessa foto não éramos mais nós, embora parecêssemos ser ainda. Fomos cada um pro seu lado, gravando discos solo e amargando uma separação que não sabíamos de onde viera, visto que estava tudo dando tão certo. Acabou que eu e Guarabyra seguimos juntos e Zé fez sua carreira solo. Vinte e seis anos depois disso nos reencontramos e comemos doze anos de estrada em trio até a inesperada partida de Zé Rodrix, que não pôde se dar ao luxo de uma despedida, tão de repente que foi. E agora, estou eu aqui, escrevendo isso e escutando o Terra e pensando até hoje se ele é bom ou ruim. Sei lá. Problema seu!

 

Mas aqui entre nós, eu gosto.

 

Os discos da minha vida: Terra
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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