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REPORTAGENS / Iluminação

Fiat Ignis: Origens das Tecnologias e Criatividade na Iluminação Cênica

06/05/2020 - 16:19h
Atualizado em 30/07/2020 - 09:13h

 

 

O processo de desenvolvimento da atmosfera multissensorial que envolve a iluminação cênica, do projeto, passando pelos processos e procedimentos, culminando na montagem, execução e desmontagem, iniciou-se em um período no qual ainda não existia palco, nem instrumentos de iluminação e a eletricidade somente era percebida pelas descargas elétricas através dos raios luminosos. Nesta conversa, a iluminação cênica será abordada a partir de pressupostos históricos, míticos e místicos iniciados no Paleolítico e culminando no Renascimento Italiano. Uma evolução que ocorreu com as melhores tecnologias de cada tempo e muita criatividade.

 

A evolução tecnológica da iluminação cênica normalmente está associada e relatada - por meio de documentos, publicações e evidências materiais - aos acontecimentos e o desenvolvimento de diversas aplicabilidades que tiveram sua gênese há aproximadamente quinhentos anos. Pela manutenção do conceito original, muitas daquelas soluções ainda se aplicam aos dias atuais, mas com uma releitura contemporânea e contextualizada.

 

Mas para a compreensão das ideias aqui apresentadas, mesmo o conceito de tecnologia não pode ser associado apenas ao dispositivo, instrumento, equipamento, técnica, estudo ou método. Por certo, a tecnologia pode ser entendida como a mais evidente e avançada descoberta para um determinado momento, mesmo sem métodos científicos comprovados (esses que surgiriam apenas no século XV), mas que trouxessem benefícios, melhorias, ganho e domínio de algo para o favorecimento de um grupo ou comunidade.

 

Nesse contexto, com as devidas proporções, a descoberta do fogo pode ter sido a primeira tecnologia aprendida e desenvolvida de maneira a proporcionar representações e encenações ritualísticas no período que compreendeu o Paleolítico (aproximadamente 2,5 milhões de anos a.C. a 10.000 a.C). Os antepassados caçadores-coletores possivelmente descobriram o fogo por acaso, mas conseguiram desenvolver técnicas para a produção do fogo e domínio desse recurso essencial para o seu aquecimento, preparação de alimentos, produção de utensílios e iluminação artificial. Com esse recurso, desenvolveram os primeiros agrupamentos comunitários e dividiram as primeiras relações sociais, No Brasil, como exemplo, pinturas rupestres encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara (no estado do Piauí, sendo considerado pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade) evidenciam os registros, datados com mais de 17.000 anos e que representam o cotidiano das comunidades de humanos naquele período.

 

Figura 1: Fogo e Pinturas Rupestres no Parque Nacional da Serra da Capivara. Fonte: Acrópole MG.


Já no Mesolítico (período entre 13.000 a.C. e 9.000 a.C.) há maior presença de povos nômades, o que também caracteriza o surgimento das primeiras luminárias que podiam transportar o fogo. Versões rudimentares de ‘lâmpadas’ a óleo foram encontradas no complexo de cavernas Lascaux (em Montignac, França). Primeiro em pedra e depois em cerâmica, essas lamparinas também proporcionavam condições para que possíveis manifestações ritualísticas – como teatro de sombras – emoldurassem personagens e contadores de estórias (afinal, esse período marcaria uma maior evolução da fala e da linguagem humana). O fogo continuava a ser o domínio mais soberano em avanços tecnológicos, mesmo que mais bem controlado e até manipulado com mais precisão.

 

As lamparinas ainda iriam adquirir formas, contornos e materiais diferentes – já sendo produzidas com metais -, e seriam integradas às sociedades gregas, chinesas, romanas, bizantinas e islâmicas, com melhor ou mais aprimorado acabamento, chegando a assumir caráter funcional e decorativo, sendo inclusive ornamentadas com motivos simbólicos e inscrições. Como combustíveis, diversos tipos de óleos – baleia, oliva ou mesmo nozes -, com ou sem pavio, aplicadas em alguns ambientes familiares ou palácios de maneira quase sutil. Para a iluminação artística e arquitetural, tochas eram recorrentes.

 

Figura 2: Lamparinas encontradas em Lucerna (Itália), datadas do século III a.C. Fonte: Siena Art.


As essas tecnologias de materiais, sempre esteve presente o fogo, como a mais primitiva tecnologia de iluminação, decisiva na produção de lamparinas de metal e condutor das demais escolhas. Deve-se destacar também outros aspectos dos elementos combustíveis, pois a própria aparência e intensidade da luz era decisiva como opção e seleção para o uso dessas luminárias primitivas. Óleos vegetais tendiam a ser mais aromaticamente agradáveis (ou aceitáveis) que outros, que produziam odores desagradáveis. Assim, a luz também proporcionava outras sensações pela combustão e queima de matérias-primas necessárias à geração da luz.

 

Já na Idade Média (do século V ao XV) o aprimoramento dessas luminárias esteve vinculado ao lado estético e funcional. O caráter estético propiciou também um refinamento a esses utensílios, que passaram a fazem parte das residências e integrar vários espaços e cômodos nas casas. As lamparinas ficaram ainda mais seguras com bicos mais consistentes, com válvulas e partes móveis. 

 

Figura 3: Lamparina de metal a óleo, encontrada no Irã, datada do século XII. Fonte: Wiki Imagens.


Deve-se também destacar que o fogo já fazia parte dos arsenais bélicos a partir do momento que o homem formou exércitos, inicialmente com flechas, catapultas e outros mecanismos e instrumentos voltados ao combate e às guerras. Mas com o acesso à pólvora – pela expansão dessa substância a partir do século XIII – o fogo atingiu a sua dimensão mais destruidora e cruel até então (mesmo que os incêndios já fossem comuns e até criminosos, tais como ocorreram os famosos incêndios em Troia, atualmente, Hisarlik, na Turquia, ou Roma, na Itália). 

 

Contudo, pesquisas históricas contemporâneas revelam que as primeiras “nuanças” de iluminação como recursos cênicos tiveram origem no Renascimento Italiano (século XVI). Mesmo com a monumental obra do genial arquiteto Andrea Palladio (e que merecerá uma matéria com suas obras e princípios aplicados à iluminação), foram o arquiteto Sebastiano Serlio e o dramaturgo Giuda Leone de' Sommi (Portaleone) os precursores que publicaram os primeiros registros sobre a iluminação cênica. Enquanto o primeiro descrevia a necessidade de uma luz geral com lustres para o público e atores, a exigência de uma Iluminação de Cenário e uma Iluminação Dramática, que deveria mudar de acordo com a ação, Leone eternizaria a produção do período com a obra "Quattro dialoghi in materia di rappresentazioni sceniche", ainda que com a utilização de recursos precários (naquele período, já haviam experimentado lamparinas de cerâmica ou metal como recursos de iluminação, além dos lustres).

 

Figura 4: Teatro Olympico, exuberante obra em Vicenza, do arquiteto Andrea Palladio. Fonte: Visit Italy.


Tochas ou velas (confeccionadas com sebo e gordura) fixadas em jarros, garrafas, garrafões e outros recipientes de vidro, com vinho ou água tingida, eram utilizados para provocarem efeitos, funcionando como prismas, difusores ou filtros para coloração da luz utilizada nas encenações teatrais. Como exemplo, Serlio ainda indicava os materiais a serem utilizados para as cores: vinho para o vermelho, açafrão (diluído em água) para o amarelo e cloreto de cobre (diluído em água) para o azul.

 

A dinâmica provocada pelo desenho de iluminação, primordialmente roteirizado naquele momento, já considerava o uso de candelabros para a plateia e para o palco. Ainda, considerava a interação dos atores com recursos de iluminação de forma isolada, na qual ocorria, quase que naturalmente, pela ação de acendimento das velas com a incursão nos cenários, o que também provocava diversos acidentes (queimaduras e mais incêndios).

 

Outros recursos, tais como espelhos, objetos e utensílios metálicos, para reflexão e dispersão, ou mesmo tecidos – como seda - também foram utilizados para a criação de texturas e a provocações de intenções com a iluminação.

 

Figura 5: Isqueiros e a manutenção do fogo na iluminação cênica. Fonte: Vocal Media.


O fogo ainda continua presente, com um papel menor em muitos contextos cênicos, mas ainda vivo, de alguma forma. Sendo decisivo seu papel na história da iluminação cênica, e com todos esses pressupostos, novas construções e narrativas históricas sobre o fogo e a luz surgem para ilustrar tão significativa evolução, que serão em breve abordadas em algum momento nesta coluna da Backstage.

 

Abraços virtuais e até a próxima conversa!!!

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