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O som do Kraftwerk

24/03/2020 - 16:30h
Atualizado em 30/07/2020 - 09:11h

Este ano, por conta do coronavírus, a Musikmesse + Pro Light & Sound foi cancelada. Mas em 2019 a Revista Backstage foi convidada a visitar as feiras. Publicamos matéria a respeito na edição 294, de maio de 2019. No entanto, algum material ficou de fora por conta de espaço na revista impressa.  Agora, em formato virtual, publicamos essa entrevista inédita com o sound designer Serge Gräfe, feita na ocasião de uma palestra dele na Pro Light & Sound. O engenheiro de som trabalha com a banda Kraftwerk, que é peça fundamental na fundação da música eletrônica. 

 

 

 

Repórter: MIguel Sá | Fotos: divulgação

 

O engenheiro de som e sound designer conta as ferramentas que usa para criar o som especial do Kraftwerk: banda alemã pioneira da música eletrônica

 

Kraftwerk é uma das bandas que mais influenciou a música contemporânea. Com Ralf Hütter e Florian Schneider, Wolfgang Flür e Karl Bartos em sua formação clássica, foram os fundadores da chamada música eletrônica ainda nos anos 70. A banda desenvolveu, nos mais de 40 anos de atividades, diversas técnicas e equipamentos. Em 2018 finalmente receberam um prêmio Grammy na categoria de melhór album de dance music ou música eletrônica. 

 

 

Desde 2005 Serge Gräfe trabalha com a banda. Primeiro como técnico de monitor. Depois no P.A, a partir de 2009. A estreia foi abrindo um show do Radiohead, no Sambódromo, Rio de Janeiro. Inicialmente, Serge trabalhou com o Kraftwerk usando uma configuração de som quadrafônica mais convencional. Nesta fase, o sound designer usava o Cubase para configurar os pans no Sistema quadrafônico. Mas o Kraftwerk não abre mão da experimentação. Procurando formas de dar asas a isto, em 2012 Serge passa a usar uma ferramenta multitrack que possibilita ao engenheiro de áudio trabalhar a localização de cada elemento do som em relação a cada pessoa do público chamada Soundscape. Na última turnê da banda, Serge chegou a usar 57 caixas de som para conseguir o efeito surround procurado.

 

Após uma palestra na Pro Light & Sound em parceria com Ralf Zuleeg, o projetista da ferramenta que usa, Serge Gräfe deu uma entrevista exclusiva à Revista Backstage

 

Revista Backstage - Como foi o começo com o Kraftwerk?
Serge Gräfe - Entre 2005 e 2009, eu era responsável apenas pelo sistema e pelo monitor. Comecei a fazer o P.A. em 2009. O sistema era quadrafônico. Montávamos duas caixas também na parte de trás e tocávamos músicas como Cars e Autobahn (clássicos do repertório da banda). Essa foi a primeira vez que eu fiz mixagem quadrafônica. Minha primeira turnê operando o P.A. foi na América do Sul, com o primeiro show no Rio de Janeiro. Fizemos essa turnê como convidados do Radiohead. Foi incrível da parte deles ter nos convidado. Depois eles (Kraftwerk) me disseram: “ok, mas agora nós queremos que você faça surround”. Então eu usei minha workstation digital, que era o Cubase da Steinberg. Configurei as entradas e enderecei as entradas mono paras a saída quadrafônica, controlando o pan quadrafônico no cubase via MIDI. Isso foi o começo, em 2012. Então fui apresentado ao Ralf, que estava começando a experimentar com o Soundscape.     

 

RB - O que esta ferramenta te permite fazer?
SG -
É um imenso parque de diversões. Pela ótica da música eletrônica, você pode realmente potencializar o impacto emocional da música porque, quando você coloca algo no lado esquerdo, aquilo fica do lado esquerdo para todo mundo. Se pensar em shows grandes, eles não são em estéreo, porque se eu jogar o pan do chimbal para a direita num sistema estéreo, as pessoas do lado esquerdo não vão escutar. Então você deve ter muito cuidado com o estéreo em shows de grande porte. A maioria dos shows de arena são em mono. Isso é um fato. Se fossem em estéreo você perderia um solo de guitarra por estar do lado errado do P.A. Para mim um ponto importante é a espacialidade para todos do público, pois todos vão escutar aquele chimbal na mesma posição (com o Soundscape).   

 

 

RB – Quando você faz as turnês com o Kraftwerk, sabe com antecedência como são os locais de show?
SG –
Sim. Conversamos com a banda e sempre conversamos com a d&b (fabricante do Soundscape), pois eles nos ajudam bastante. Às vezes eles conhecem o técnico da casa ou onde podemos conseguir o sistema que precisamos. Há um suporte da d&b para isso. É claro que temos que ir lá e muitas vezes checar nosso orçamento, pois eu sempre acabo fazendo um redimensionamento e é um número enorme de amplificadores quando se trabalha com surround.

 

RB – Você muda o número de caixas de som de acordo com o local?
SG –
Sim, nós temos um setup padrão de onde partimos, mas muitas vezes é preciso verificar os espaços onde há pontos possíveis de fixação, ver onde eu consigo colocar todas aquelas caixas de surround, se eu tenho pontos de fixação suficientes, onde ficam as saídas de emergência... Algo assim sempre acontece. Temos que estar em comunicação constante com a produção local ou da casa, desvendando soluções juntos. Não dá para chegar chegar dizendo “eu sou o Kraftwerk, vamos fazer assim!” isso não funciona. Você tem que envolvê-los no processo e trabalhar em equipe pois sem os outros você está perdido. 

 

 

RB – Durante a palestra você mostrou um teatro onde usou os suportes de equipamentos de iluminação para as caixas de som
SG -
Sim, foi uma ideia da equipe da casa. Eles disseram: “temos as luzes mas não estão na posição que você planejou. Será que vai funcionar?”. E eu disse “é claro que vai funcionar, vamos fazer funcionar, é só tirar umas lâmpadas ali e colocar os as caixas de som neles e teremos as primeiras posições”. Então há uma versão ideal do que você pode fazer, mas quando ela não está funcionando, vale a pena tentar de um modo diferente. Nunca tivemos um resultado ruim então tentamos um monte de coisas e dá bastante trabalho, mas sempre vale a pena.

 

 

RB – Como trabalha os tempos de delay?
SG -
O sistema faz o delay sozinho. O único delay que fazemos é entre as caixas principais e o front fill. O resto é calculado pelo processador. Nós colocamos cada caixa aonde elas devem ir e o sistema reconhece os locais, e aí quando eu mudo a fonte sonora... é um pan de delays e não de nível de sinal. Por isso funciona para todo mundo (no público, da mesma forma). O processador sabe porque reconhece as distâncias e pode calcular todo o delay que eu precisar para fazer a imagem sonora do objeto de som na posição desejada. O sistema pode calcular automaticamente.

 

RB – Você viaja com o próprio equipamento? Consoles, etc.
SG -
Sim, com o Kraftwerk, quando vamos de avião, levamos os teclados e os robôs, é claro. Não temos uma mesa de monitor, que é uma coisa muito especial que construímos com controle MIDI. 

 

RB – Eles usam in-ears?
SG -
Eles pararam de usar in-ears. Eles também usam monitores pois dá uma sensação diferente. Você consegue ouvir o ambiente. Eles agora estão usando uma combinação de in-ears e side-fills então nós levamos nosso sistema de monitor conosco e a minha mesa para o P.A.

 

RB – Que console usa?
SG -
É um sistema LV-1 da Waves com interfaces da DirecOut Technologies e também algumas saídas analógicas com conversores da DirectOut.

 

RB – Você trabalha com outros artistas?
SG -
Sim, também faço Kiko King and Creativemaze. Eles estão trabalhando em seu segundo álbum e tive que dar uma parada nos projetos para prepará-los para o Soundscape, pois você tem que contar para o músico que o estéreo não é bom para o Soundscape. Você faz a gravação dos vocais no estúdio e no Kiko King and Creativemaze, que é um artista eletrônico, há um vocalista no palco e talvez um convidado, mas tem todos aqueles vocalises adicionais que se você mixar em estéreo e jogar no equipamento que eu uso vai precisar de um sistema muito caro e fiel para simular aquele estéreo. Então eles me mandam um projeto aberto e eu decido qual parte vai em qual mandada mono, preparo isso e renderizo tudo. A canção de cinco minutos de duração que apresentei mais cedo (na palestra) tinha 140 tracks e eu passei a tarde de ontem colocando elas nas pastas certas e endereçando para as saídas corretas. Deve ter sido umas três horas apenas separando essas tracks.  

 

RB – Um trabalho duro…
SG –
Sim. Mas se você realmente quer canções que soem bem...  Artistas como o Radiohead ensaiam por duas semanas para seu engenheiro de som ajustar os níveis de sinal da parte eletrônica, timbrar os instrumentos, programar todos os reverbs... Sempre há muito trabalho a fazer. O que descobrimos também é que você não precisa mais equalizar tanto porque não há mais o problema de mascaramento. Se você pensar numa orquestra para mixar em estéreo, vai ter sempre aquele problema de “eu tenho que cortar um pouco das altas no celo e um pouco das baixas no violino para que eu possa escutar os dois instrumentos na faixa, porque se eu não fizer isso vai ficar tudo uma bagunça e não vou conseguir identificar os instrumentos na mixagem”. No Soundscape você tem uma posição fixa das coisas, e como o cérebro humano interpreta primeiro a posição e depois o conteúdo você pode deixar o instrumento soar como é na realidade, e isso é uma grande vantagem quando falamos de música clássica. Gostaria muito de fazer um concerto ou uma orquestra.  

 

 

RB – Ainda não fez trabalho com orquestras?
SG -
Ainda não. Apenas para as apresentações, quando gravamos a orquestra no estúdio e soltamos ela nos shows ao vivo. Fiz gravações captando os instrumentos com os microfones próximos e, no programa, colocamos cada fonte sonora da maneira que estavam localizados no estúdio. É o mesmo que trabalhar com uma orquestra no palco: você pega os microfones que captou próximo e põe na exata posição no software do sistema e põe no modo full distance. Aí ele calcula o delay entre os microfones. Se você colocar o zero no lugar do maestro em ambientes estéreo você teria que compensar a velocidade que o som de alguns instrumentos chega. Os trombones e as trompas que ficam no fundo, por exemplo, chegariam um pouco mais rápido para soarem em sincronia para o maestro. Quando você capta instrumentos de orquestra com microfones próximos você destrói a sincronia da orquestra se não compensar aquele delay no canal, e se você faz no Soundscape, você apenas mede as distâncias com um laser ou algo assim, digita os dados no software e não precisa mais se preocupar com os delays. Sua equalização também se torna mais fácil. Talvez você apenas tenha que fazer um corte nas baixas frequencias, mas se você estiver usando bons microfones, nem com isso você precisa se preocupar.

 

 

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