Já parou para pensar que o resultado de uma gravação vai muito além de ser “fiel” ao som que será captado? Ou o quanto a mixagem pode influenciar na compreensão de um arranjo? Qual é afinal a participação do engenheiro de áudio em uma obra musical? Estas perguntas podem ser respondidas lendo o livro Arte no áudio: gravação e mixagem, escrito por Rodrigo de Castro Lopes, que tem prefácios do compositor Francis Hime e do jornalista da Revista Backstage Miguel Sá. Além de ter formação de bacharel em música pela Universidade de Brasília (UnB) e engenharia de áudio e produção musical pela Berklee, nos EUA, Rodrigo tem 30 anos de experiência profissional em alto nível no áudio e no ensino de produção musical.
Entre os trabalhos com indicações e premiações a prêmios como o Grammy latino e Prêmio TIM estão Cenas Brasileiras (Wagner Tiso, 2003), Todos os Pianos (João Carlos Assis Brasil, 2004), Carioca (Chico Buarque, 2005), Tango (Bibi Ferreira e Miguel Proença, 2006) e Carioca – Ao Vivo. Trabalhou também no álbum Made in Brazil, de Eliane Elias, ganhador do Grammy 2016 na categoria “Best Latin Jazz Album”. Ainda com Eliane Elias, ganhou um Grammy Latino, em 2017, no trabalho Dance of Time. Teve ainda mais treze indicações na premiação latina do Grammy.
Após trinta anos de carreira, Rodrigo escreve um livro que dá um passo à frente das explicações técnicas sobre uso de microfones, equalizadores, compressores e todas as ferramentas de gravação e mixagem. Além das explicações didáticas sobre estas ferramentas, o produtor musical e professor na faculdade de música Souza Lima, em São Paulo, explica como ressaltar a música como linguagem, potencializando as intenções artísticas da obra gravada e indicando as trilhas para entender que a arte e a técnica não são coisas diferentes. Rodrigo de Castro Lopes explica, para a Revista Backstage qual o caminho trilhado para chegar ao livro nesta entrevista.
O engenheiro de som também inicia uma parceria com a Revista Backstage disponibilizando o vídeo da masterclass que fará em dezembro com o guitarrista e arranjador Nelson Faria. Os dois deram entrevista à Backstage falando sobre o projeto.
Entrevista com Rodrigo de Castro Lopes
Quando e como começou a sua relação com a música?
Começou quando eu tinha nove anos de idade. No mesmo ano comecei a estudar piano. Eu queria ser um concertista de piano erudito. Me preparei e treinei para isso. Eu tive a sorte de encontrar, no trajeto, a Nise Obino. Ela me deu o treinamento para ser um músico de alta performance, que é uma pessoa que consegue pegar uma partitura e, muito rapidamente, preparar ela para apresentação. Isso implica não só o treinamento muscular, mas também perceber as relações que estão na partitura para digerir o discurso, processá-lo e apresentar de uma forma convincente. Ela sistematizou isso.
E como aconteceu sua transição para a área técnica?
Eu tinha uma impressão um pouco errada quando eu me formei na faculdade. Fiz um treinamento para ser um concertista e tinha aquela ideia, né? Se você não for um dos cinco melhores você não vai conseguir, e não é bem assim. Vamos aprendendo que a profissão funciona de outra maneira, mas quando se é jovem não tem muito esses conhecimentos, e eu percebi que eu não ia ser um dos cinco melhores do mundo. Comecei, então, a procurar alternativas ao instrumento, mas eu tocava numa banda em Brasília na época. Gravamos algumas faixas pela CBS e participamos de uma coletânea chamada Os Intocáveis. No estúdio, fomos gravados por várias pessoas, mas teve um dia que o técnico principal não pode ir e o Carlão (Carlos de Andrade) gravou. Na hora deu para sentir que ele tinha uma metodologia diferenciada comparada com os outros técnicos, apesar de todos serem excelentes. Quando eu pensei em fazer um curso fora a primeira coisa que eu fiz foi conversar com o Carlão e levar para ele os folhetos de alguns cursos. O da Berklee foi o que mais me bateu. Ele falou que era ótimo e me disse para procurá-lo quando voltasse do curso. Consegui uma bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) - na época eles tinham uma bolsa de especialização - de um ano renovável por mais um ano em Berklee. Eu fui e fiquei lá em 1989, 1990 e voltei em 91 pro Brasil.
O curso lá te ajudou a mudar a visão sobre produção musical?
Eu tinha passado por excelentes professores no Brasil. Eu já era formado em música. Terminei o curso lá em dois anos. O curso tem quatro anos, mas eu consegui transferir um monte de créditos da UnB para lá na parte de estudo de música. Nas matérias optativas eu fiz curso de contraponto e tive de escrever em versão de duas vozes, fuga a três vozes, que são trabalhos de composição de música erudita que eles oferecem lá que aqui no Brasil eu não tive acesso, sendo que lá tem no curso de música popular né? então eu fiz fuga a quatro vozes, esse tipo de exercício, porque lá eles pedem esse tipo de composição para os alunos que fazem o curso de trilha sonora, porque se você pega um filme de época, por exemplo, você tem que saber escrever a linguagem da época. Então aproveitei para pegar essas informações que eu achei que me faltavam daqui - por causa de método mesmo - e também para sistematizar meu conhecimento de harmonia no método deles que não é o único, mas que funciona muito bem nesse contexto de música popular.
E aí você voltou para o Brasil depois de Berklee e foi procurar o Carlão?
Sim, e foi uma história engraçada, porque na época ainda não tinha telefone celular e eu demorei quase um ano para consegui falar com ele. Quando consegui ele trabalhava em um estúdio do Roberto Menescal e do Raimundo Bittencourt. O Carlão era o responsável pelo estúdio e me colocou como assistente. Então gravei Jerry Adriani, Zé Ramalho, Torquato Mariano... E depois disso o Carlão montou a Vison, que era um estúdio de masterização. Quando começou era o Carlão eu e a Ednéia de secretária. Ele arranjando os trabalhos, ela ligando para os clientes e eu fazendo as masterizações. Isso era 1993, 94. Foi quando as gravadoras começaram a passar o catálogo delas para formato digital. Então isso foi uma coisa que caiu no meu colo. Peguei as masters de todos os grandes discos do catálogo de MPB da Polygram em fita analógica e digitalizei. Peguei catálogo do Caetano, Jorge Benjor, Elba Ramalho...
Você ficou até quando na Vison?
Fiquei na Vison até 97 porque aí fui trabalhar na Polygram como assistente do Max Pierre. Não durou muito tempo. Eu era muito verde na época. Não entendia muito bem o que o meu cargo lá exigia, o que que eles esperavam de mim. A gente, quando é jovem, está muito focado no artístico e às vezes o que pessoal precisa é mais administrativo. Eu não era a pessoa correta para o cargo mas era muito legal porque todo o final de expediente a gente se reunia para avaliar as produções que estavam em andamento. O pessoal mandava pra lá, nos reuníamos com o Max e ouvíamos as mixagens todas. Aí eu comecei a confirmar que todas aquelas coisas que eu tinha entendido da construção do discurso musical para o piano se aplicavam na mixagem também, porque eu identificava as coisas e apontava para ele e ele concordava comigo.
Da assistência do Max Pierre foi para onde?
Dali fui para a Herbert Richers (estúdio no Rio de Janeiro que tinha a dublagem como atividade principal) como diretor técnico. O Sr. Herbert precisava de alguém para fazer o trabalho de gestão e também deu certo até um ponto porque o lado artístico também fala forte, né? (risos). Eu coordenava a equipe de manutenção, dava treinamento para os operadores, cuidava do departamento de revisão dos filmes, enfim, era um trabalho de gestão. Mas quando encontrei a Olivia Hime (diretora da gravadora Biscoito Fino) e ela perguntou quando iria trabalhar com eles na Biscoito Fino eu disse: “ligo amanhã”. Eles estavam precisando de uma pessoa e no dia seguinte pedi demissão da Herbert Richers e fui trabalhar na gravadora.
Na Biscoito Fino você teve essa experiência de um estúdio dedicado a uma gravadora, o que já não era uma coisa comum na época, e eu imagino que vocês tenham implantado certos padrões técnicos, como acontecia normalmente já nos outros estúdios de gravadora, não é?
Mais ou menos. Era um padrão mais estético do que técnico. Era interessante porque, quando você trabalha em um estúdio, está em lugar no qual as pessoas circulam. Antes eu trabalhava no estúdio de masterização e ia pouquíssima gente. Quando ia era o produtor, não o artista, e eu sempre quis trabalhar diretamente com produção e com música. A primeira chance que eu tive, depois desse tempo todo, foi quando eu cheguei na Biscoito Fino. E lá eu produzi alguns discos para o selo, porque estava em um estúdio onde as pessoas circulavam. Dava para interagir melhor. Era um ambiente que tinha a ver com o que eu gosto de fazer e com o caminho que eu sempre pensei que gostaria de fazer. Fiquei lá até 2007.
Foi nessa época que você começou a pensar em ir para ensino?
Quando eu voltei dos EUA lancei um livro que era o Manual para gravar fitas demo, que foi lançado pela editora Grifos. Isso nos anos 90 ainda. Foi o primeiro lançado em português, junto com um parceiro lá de Brasília, o Marcelo Carvalho. Por ser o primeiro em português, tem gente que até hoje me fala que tem. Tinha também uma escola no Rio, chamada Rio Música, que oferecia um curso de gravação coordenado pelo Fábio Henriques. Quando ele saiu, eu entrei como coordenador desse curso. Isso por volta de 1995. Eu trabalhava na Vison mas sempre estive envolvido com didática também.
E quando você saiu da Biscoito Fino você continuou como freelancer e trabalhando também nessa parte de didática?
Fiquei trabalhando como freelancer e fiz um mestrado profissional na Uni-Rio. Nesse tipo de mestrado você não escreve uma tese. O trabalho final é um produto. E eu apresentei como produto o que eu tinha pensado em organizar nessa didática para ensino de gravação e mixagem como prática musical interpretativa. Foi ótimo para terminar de amarrar a metodologia toda, sendo orientado por gente muito bem-preparada, com muito mais experiência do que eu no ensino com métodos mais consolidados que os que eu tinha, mas eu só consegui concretizar mesmo um produto que eu acho viável e que expressa o que o método tem para mostrar nesse livro agora.
O que você acha que, nesses anos recentes, te ajudou a dar esse acabamento no método?
A vivência com outros músicos nos trabalhos e com outros profissionais. Comecei a fazer algumas master classes já nesse formato de agora pouco depois que eu cheguei em São Paulo. Na vivência com esses músicos e esses técnicos (durante as aulas) vamos pegando informações. Por exemplo esse negócio que eu falo de região de atenção, adaptei a partir de uma ideia que um aluno me passou que o pessoal usa em P.A., mas que eles chamam de frequência de atenção. Então pensei, frequência de atenção... É legal esse conceito. Só que não é de frequência que estou falando. Então a gente vai adaptando. A maioria desses termos que eu estou usando no livro são coisas que eu peguei de outros contextos e adaptei para usar na mixagem.
E lá em São Paulo, trabalhou também na FATEC de Tatuí?
Isso. Trabalhei lá dois anos porque eles têm o curso de produção fonográfica. O Zé Carlos (Zé Carlos Pires, que publicou coluna sobre produção musical na Backstage), na época, era o coordenador do curso e eu o convidei para minha banca de Mestrado. Quando ele conheceu a minha proposta, a FATEC estava precisando de um professor substituto porque ele ia ser coordenador do curso e não conseguiria lecionar algumas matérias. Então eles abriram um concurso para alguém cobrir ele durante os dois anos em que iria ser coordenador. Aí eu fiz, passei e fiquei lá dois anos.
E daqui para frente quais são os seus planos?
Daqui para frente eu vou começar a fazer as master classes presenciais. Estou preparando também master classes online e tenho um curso que eu estou pensando com um ou dois anos de duração. Um programa passo a passo apresentando as ferramentas de análise. E aí é um curso pesado de música, com exercícios e tudo.
Oficina de gravação com Rodrigo de Castro Lopes e Nelson Faria
Nelson Faria
Já há algum tempo Rodrigo de Castro Lopes promove workshops de gravação. Eles acontecem de forma presencial e também online. O próximo evento, gravando composições de Nelson Faria terá aulas teóricas nos dias 9 e 10 de dezembro e as práticas nos dias 16 e 17 de dezembro no Estúdio Orbis, em Brasilia. As inscrições ficam abertas a partir de 6 de novembro.
Rodrigo de Castro Lopes e Nelson Faria já se conheciam desde os anos 1980, quando foram contemporâneos no curso de música da Universidade de Brasilia (UnB) assistindo as aulas de harmonia de Marco Pereira. Durante os anos de carreira, ambos tiveram experiências em universidades de música fora do Brasil e sempre se dedicaram à didática de suas atividades. Agora Nelson e Rodrigo juntam as forças nesta parceria musical e educacional. O guitarrista e arranjador, que tem também uma plataforma de ensino de música, a Fica a dica premium, se entusiasma com a parceria e as possibilidades de difusão do conhecimento sobre música e gravação. “Nessa parceria eu entro com as músicas e o Rodrigo com o estúdio e a gravação. Nós pensamos em variar (a instrumentação), mas não muito, porque é pouco tempo. Ainda assim teremos muitos exemplos para dar. É muito bacana as pessoas poderem assistir e entender como é esse processo de gravar um violino, um clarinete, acordeom... Ficaremos dois dias imersos no estúdio da manhã até o final da tarde”, detalha. “Teremos 10 vagas presenciais e também vagas online especiais nas quais as pessoas podem falar comigo durante a gravação e solicitar modificações, solicitar para experimentar equipamento e interferir no processo monitorando da casa delas”, completa Rodrigo.
Estúdio Orbis
Rodrigo de Castro Lopes fez uma parceria com a Revista Backstage para este evento na qual disponibilizará vídeos de 15 minutos no site da Revista mostrando um resumo por tópicos. Também serão disponibilizados os áudios para que os leitores baixem os arquivos e estudem o áudio em casa.
Todos os eventos são montados com a preocupação da qualidade musical, com músicos e arranjos em alto nível, para que ele e os alunos possam se concentrar exclusivamente em questões do áudio. “Eu pego ou artistas conhecidos ou formações de certos estilos e faço um curso completo que vai desde a gravação até a mixagem do trabalho. O primeiro projeto que eu fiz foi com um trio de choro. Depois eu já fiz isso duas vezes com quarteto de cordas, sendo que a última foi com uma música composta especialmente para o projeto pelo Rodrigo Lessa, do Rio de Janeiro, arranjada pelo Luiz Cláudio Ramos e tocada por um quarteto de músicos que era da Orquestra Municipal de São Paulo. Depois fiz, no ano passado, em Brasília, no estúdio do Felipe Seabra (componente da banda Plebe Rude) gravando um artista de Brasília, o Paulo Veríssimo. A partir de janeiro do ano que vem vou disponibilizar estas aulas online”, completa Rodrigo.
Durante o processo, Rodrigo demonstra diferentes processos de gravação e microfonação ao vivo, mostrando as mudanças que acontecem. “Eu gravo não só com um tipo microfonação. Faço várias microfonações de cada coisa e disponibilizo isso para que os alunos possam comparar a sonoridade das diferentes técnicas no estúdio deles. Isso em tempo real. Posso transmitir, na hora, o som do equipamento. Por exemplo, no caso do quarteto de cordas, gravei com par espaçado, par coincidente, microfone de cápsula grande e microfone de cápsula pequena”, detalha. Depois ele entrega o material gravado para que o músico possa lançar.
A parte prática do próximo evento será feita a partir de três composições de Nelson Faria. Duas das composições vão ser com a formação de guitarra, violão bateria, baixo, piano e fluguel ou acordeom. A terceira composição terá formação de orquestra de câmara, com cordas, flauta e clarinete.