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SUMÁRIO / Sumário

As tendências da tecnologia: David Distler

17/01/2022 - 09:55h
Atualizado em 17/01/2022 - 17:28h

 

David Distler começou a trabalhar com áudio, aos 21 anos em 1982. Na época não havia internet na forma que conhecemos hoje, mas o engenheiro de som encontrou o endereço da Audio Engineering Society em uma revista e lhes escreveu uma carta. A carreira dele começou no momento em que responderam ao pedido dele sobre como se aprofundar na área da sonorização. Em um tempo no qual a Internet não estava difundida na forma como é hoje, teve acesso a fontes seguras de informações, como  a SynAudCon, e assinou a newsletter que me trazia, pelos correios, as informações do áudio profissional.

 

No final de 1988 mudou para os EUA onde gerenciou uma filial da empresa Bauer Southam, de locação de áudio e vídeo corporativo, e estudou produção de vídeo. Ao retornar para o Brasil, em 1994, começou a ser procurado para projetos e sonorização de congressos e igrejas, sendo essas as suas principais áreas de atuação.

 

O projetista – que escreve uma coluna para a Revista Backstage dedicada ao som das igrejas -  defende que a integração entre áudio, vídeo, projeção e ampliação de imagens, iluminação, TI e transmissão por internet provoca uma realidade multidisciplinar no áudio, e que é preciso ter domínio dos recursos tecnológicos para saber quais atendem melhor ao cliente.  

 

 

Qual sua área de atuação hoje no áudio?

Como a pandemia, interrompeu a minha área de atuação principal de sonorização de congressos,o que mais tenho feito é mixar os cultos da minha igreja e investi um tempo na criação do curso de mixagem remota.

 

 

Pode destacar momentos chave que identifica na evolução da tecnologia do áudio na sua área de atuação?

O advento da tecnologia digital fez uma diferença irrefutável para quem trabalha em situações de recursos financeiros limitados, como é a realidade da maioria das igrejas. Antes, era preciso avaliar qual via ou instrumento mais seria beneficiado na mixcom um canal de compressão.Hoje somos abençoados por contar com compressores em todos os canais, subgrupos e auxiliares além das saídas master. Isto certamente facilitou o nosso trabalho, permitindo maior controle e qualidade nos sinais que estamos mixando.

 

 

De que forma estes momentos mudaram a sua atuação?  Teve de mudar a forma de trabalho? Facilitou ou dificultou?

Pessoalmente, a maior mudança que fiz foi na transição para consoles digitais com controle por telas touch em vez de faders e knobs físicos. Avaliei os prós e contras e, como o custo reduzido de hardware nestas consoles permitia um aumento expressivo de canais e números de saídas além das opções de soft patch, a relação custo/ benefício não deixava dúvida.Fui em frente e não me arrependo, pois posso prover um som de melhor qualidade para os meus clientes.

 

 

É possível dizer que já foi concluída a transição da tecnologia analógica para a digital no áudio?

São quase inexistentes as bandas de ponta que ainda trabalham com equipamentos analógicos. Enquanto as consoles digitais de médio e baixo custo podem não oferecer toda a qualidade sonora das grandes mesas analógicas do passado, os recursos de controle sonoro que as digitais oferecem, acabam superando eventuais deficiências por permitir que um operador competente produza uma mix mais bem controlada. Para mim, em ambientes sem tratamento acústico, vale muito mais eu ter controle sobre elementos da mix com recursos como gates e equalização paramétrica do que dispor de um excelente timbre no pré, que mal seria percebido pelos ouvintes presenciais.

 

 

Ainda tem algum momento do trabalho no qual o equipamento analógico, mais que uma opção de ferramenta, é realmente necessário?

Excetuando-se os microfones cabeados analógicos, na minha realidade eu diria que não. Imagino que em estúdios "high end" possa haver uma preferência por analógicos de grife, como um módulo clássico do Rupert Neve, por exemplo.Mas a relação custo / benefício dos equipamentos digitais, aliada à sua praticidade é inquestionavelmente superior.

 

 

Qual a diferença entre projetar um sistema há 20, 30 anos e hoje? Há mais ferramentas para conseguir a qualidade necessária?

As ferramentas de software proliferaram desde então. Quanto aos equipamentos, há 20 ou 30 anos, a tecnologia digital ainda estava em sua infância. Lembro de artigos na revista gringa EQ que mostravam ogrande engenheiro Roger Nichols usando duas 02R para fazer som ao vivo. Em 1998, adquiri a minha +03D e enveredei por este caminho, com uma 02R anos depois.Hoje, além de vastos avanços na tecnologia das consoles digitais, os sistemas de processamento e projeto das caixas acústicas nos oferecem caixas com qualidade semelhante à dos monitores de estúdio e com ajustes para cobrir a plateia com maior uniformidade, permitindo que os engenheiros de som que têm esse equipamento à sua disposição forneçam um som de qualidade extremamente alta aos seus ouvintes.

 

 

Áudio em 3D, com dolby Atmos ou outra ferramenta, é algo que influencia ou pode vir a influenciar na sua área de atuação?

Acredito ser difícil que estas tecnologias venham a influenciar a sonorização de igrejas, pelo menos a expressiva maioria delas. Também em 1998, eu fiz um workshop na região de Denver em que a igreja tinha instalado um sistema de som com canais surround. Porém ela raramente chegava a usar o sistema nesta configuração devido à necessidade de maior preparo para mixar neste esquema. Tomando isto como exemplo, acredito que as tecnologias mencionadas sejam interessantes para teatros de ponta, mas não para o meio em que eu atuo, pelo menos não nos próximos 10 a 20 anos. Mesmo nos concertos top de linha, é como disse um amigo engenheiro que mixa show internacionais, você descreve as possibilidades artísticas para o produtor e ele se interessa – até o momento que contabiliza que isto irá requerer mais caminhões de caixas e amplificação, aí ele faz uma cara com olhar distante e diz apenas “não.”

 

 

Com toda a disponibilidade de possibilidades flexíveis de trabalho, recall e até mesmo simulações de alto nível de equipamentos analógicos, ainda há algo que se possa buscar em termo de facilidade e flexibilidade de operação, seja no ao vivo, estúdio ou broadcast?

Acredito que a maior barreira para muitos operadores seja a questão do custo destes equipamentos.A disponibilidade da tecnologia é alta, desde que você tenha os recursos para adquiri-la. Aqui no Brasil, isto ainda bastante restrito no meio das igrejas.

Olhando a realidade de outra perspectiva, questões mais básicas, como a acústica e a própria comunicação em tempo hábil para se processar os detalhes que produzem uma mix de alta qualidade acabam sendo elementos a se buscar antes dos recursos do áudio digital. Num contexto em que usufruir de todos os recursos digitais atualmente disponíveis é uma utopia,conseguirmos elementos mais simples e práticos já melhorariam em muito a realidade do som das igrejas.

E vale dizer que mesmo com recursos top em mãos, problemas como acústica, falta de comunicação e entendimento entre a equipe de produção ainda causarão problemas de qualidade. Comprar equipamento melhor onde existem falhas em questões mais essenciais não resolverá os problemas de qualidade, pode, no máximo, acelerar um pouco a resolução de imprevistos.

 

 

Operação remota de equipamento é ou pode vir a ser uma realidade na sua área de atuação? Ainda há algum tipo de limitação para isto?

Tenho mixado remotamente as lives e cultos presenciais da minha igreja em praticamente todos os finais de semana desde outubro de 2020. Embora o som acústico do local possa influenciar a mix percebida pelos ouvintes presenciais, a realidade no nosso caso é que um sistema bem equalizado com a banda monitorando por fones em personal mixers,o nosso guitarrista usando um simulador de amplificador, e o meu auxiliar local monitorando a pressão sonora de elementos como a bateria, fazem com que a diferença entre a mix ouvida remotamente e a presencial seja muito pequena. No meu caso, devido à minha idade e a pandemia, esta forma de trabalho se apresentou como ideal.

 

 

Da transmissão de arquivos em alta qualidade até operação de equipamentos a distância, você faz uso de algum tipo de operação remota?

Como disse,venho mixando remotamente há mais de 14 meses.A tecnologia para isto já está bastante robusta, desde que se possua uma conexão estável de internet em banda larga e boas interfaces de áudio. O passo a passo do acesso remoto requer atenção a detalhes e seguir passos ordenados para levantar a conexão e acesso para esse controle remoto, porém, feito isto, as interrupções são mínimas. Para os que desejam agregar este conhecimento àssuas ferramentas de áudio profissional, criei o curso online Mixagem Remota de Som ao Vivo em que descrevo desde os equipamentos usados, as conexões rotina de inicialização e técnicas para comunicação com o auxiliar local e músicos no palco.

 

 

Acha que o desenvolvimento da tecnologia, I.A, etc., pode fazer com que o profissional de áudio se torne dispensável?

Acredito que a inteligência artificial pode servir como ferramenta para automatizar funções e até avaliar detalhes que não são prontamente audíveis em casos de mascaramento por outros elementos de uma mixagem, por exemplo. Porém,dali até o ponto de dispensar o operador humano, creio que exista uma grande distância. Especialmente porque a arte requer um feeling que algoritmos dificilmente conseguirão reproduzir. A inteligência artificial pode até produzir materiais com alguma qualidade, porém emulando o que já existe e não criando a partir do nada.

Uma analogia seria a de um engenheiro de som passar mal na hora do show e precisar ser substituído. Mesmo o seu substituto usando a mesa previamente programada com todas as automações, presets e plugins, o som da mix ficará diferente por ser um outro humano por trás dos faders. Se esta diferença ocorre entre humanos, imagine entre humanos e máquinas.

 

 

Em termos de equipamento, que tipo te chama atenção hoje? O que há de novo?

O que mais me chama atenção são os recursos oferecidos pelo áudio em rede, permitindo que o engenheiro de som tenha acesso a plugins virtualmente ilimitados, queviabilizam chegar no som que ele deseja e automatizar o controle de elementos impossíveis de controlar manualmente.

 

 

O que você percebe no horizonte do áudio e da produção musical em termos da tecnologia e do uso dela?

Recentemente conversando com amigos que compartilham de décadas de experiência comigo, comentávamos que nunca houve tantos recursos e facilidades na nossa área.Porém isto não tem necessariamente causado uma melhora na qualidade da música que ouvimos. Permanece a realidade de que ferramentas são valiosas e importantes, mas não passam de ferramentas, e ferramentas podem ser mal-empregadas. Quem produz a qualidade será o engenheiro com base na sua fundamentação técnica, conhecimento e experiência.

 

 

Algo mais que gostaria de destacar?

Não quero parecer contra a tecnologia. Mesmo após 40 anos de estrada, ela consegue fazer meus batimentos cardíacos acelerarem. Porém, a vasta quantidade de opções e recursos que ela coloca à nossa disposição podem acabar se tornando contraproducentes. É preciso conhecer bem os fundamentos do áudio, e com base neles, avaliar se algum recurso tecnológico irá agregar valor ao som da mix ou não. Especialmente na pressão e correria que acabam envolvendo o som ao vivo, querer usar muitos recursos pode tirar o foco. Um engenheiro de primeira linha que interpretei relatou uma vez que passou uns 5 minutos ajustando curvas de equalização no canal de uma console até que finalmente se deu conta de que a EQ estava desativada. É muito legal ter os recursos à mão, mas o nosso foco precisa estar no principal.

 

 

 

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