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SUMÁRIO / Sumário

Daniel Figueiredo entrevista Michel Camilo

08/12/2021 - 15:03h
Atualizado em 22/12/2021 - 10:53h

 

Fotos: reprodução michelcamilo.com

 

Nascido em Santo Domingo, capital da República Dominicana, com 13 anos de estudo no Conservatório Nacional ganhando o grau de Professora de Música. Aos 16 anos tornou-se o membro mais jovem da Orquestra Sinfónica Nacional da República Dominicana. Se mudou para Nova York em 1979 para continuar seus estudos na Mannes e na Juilliard School of Music. Ganhador de prêmios Grammy -  tanto o geral como o latino – e Emmy, o pianista fala com Daniel Figueiredo, em entrevista que teve também a colaboração de Marcio Chagas, sobre música erudita, jazz, piano, música sem barreiras, a carreira e a convivência com os grandes nomes do jazz.

 

 

Por que o piano?

Escolhi o piano porquê... Bom, eu venho de uma família com duas gerações de músicos. Tanto da área popular com clássica. Eu não tinha um piano em casa quando comecei. Quando eu tinha uns quatro anos meus pais me deram um acordeom e comecei a aprender por mim mesmo de ouvido. A primeira música foi  Noite Feliz, porque o acordeon era um presente de natal, e a segunda foi o Parabéns pra Você. Meus tios e tias, alguns tocam piano, outros violão, outros percussão. Alguns são compositores de música popular. Eles fazem boleros, merengues, coisas assim. Uma das minhas tias era pianista clássica e professora de piano. Até minha irmã é pianista clássica, mas ela não se apresenta, ela leciona em Nova York.

 

A música sempre marcou minha família, mas tem um dos meus tios que eu sempre quis ser como ele. Não lia uma nota. Ele tinha um ouvido e uma técnica incríveis. Aprendeu a tocar vendo a irmã dele. Ele via ela estudando e depois tocava de memória. Nós éramos próximos e eu prestava atenção nele, mas eu não tinha um piano. O piano era nos meus avós. Eles tinham um piano e eu costumava ir lá tirar um som. Quando fiz nove anos, falei para meus pais que eu queria aprender a tocar piano. Aí eles me mandaram para o conservatório nacional, onde comecei a aprender piano clássico. Estudei todo o repertório clássico durante 13 anos de estudos e me formei no conservatório. Mas o que aconteceu é que eu progredi muito rápido, porque eu tinha meus ouvidos abertos.

 

 

 

 

E como se tornou também compositor?

Compus minha primeira melodia quando eu tinha seis anos. Eu não podia escrever a música, mas meus parentes eram músicos profissionais e me chamaram para ditar a música. Quando eu tinha sete anos já tinha 73 melodias próprias. Progredi rápido no conservatório. Foi bem rápido e meus professores viram que eu tinha facilidade. Então, quando eu tinha 16 anos, meu professor de composição – eu também estudei composição no conservatório – que era maestro da sinfônica nacional, me indicou para ser membro da orquestra como o membro mais jovem tocando na sessão de percussão.

 

 

Como chegou na percussão?

Isso foi menos pela minha origem latina e mais por causa da minha prática na orquestra sinfônica, porque eu tinha que estudar bastante para, por exemplo, tocar uma sinfonia de Bernstein na percussão, Stravinsky, Bela Bartok... Eu não sabia que isso m serviria mas tarde na minha carreira para falar com meus bateristas e entender aquela linguagem. Isso serviu muito para criar uma comunicação com meus bateristas e para arranjar a percussão na minha música.

 

 

Então você estava sempre com a música latina em volta, mas sempre tocando o clássico?

Nessa época principalmente o clássico. Eu descobri o jazz quando estava com 14 anos. E a razão disso é que eu tinha um primo que era DJ em uma rádio, e ele era um colecionador de discos de jazz. Toda segunda à tarde ele tinha um programa de duas horas onde tocava a coleção dele, e ele era muito ligado ao jazz tradicional. O mais moderno que ele tocava naquela época era o McCoy Tiner. Era isso. Ele não ia além disso. Charlie Parker, Dizzie Guillespe, bebop... Bastante bebop e swing. E foi assim que conheci o jazz, ouvindo o programa dele e ele me emprestando alguns de seus discos. Então eu comecei a transcrever e a tentar pegar aqueles sons e aprender alguns solos de gente como Sonny Clark, Bud Powell e, eventualmente, Bill Evans e, claro, Oscar Peterson. Era o que estava no meu horizonte como influências. E o que aconteceu foi realmente incrível, porque foi uma coincidência. Quando eu estava na sinfônica, o Teatro Nacional foi construido e inaugurado. Após isso, eles fizeram um grande festival de música. E a sinfônica – digo a sinfônica nacional – trouxe de Nova York, para reforçar a orquestra, músicos americanos. Então eu pude tocar um pouco de jazz. Durante os ensaios, em uma das pausas, sentei no piano e comecei a tocar um pouco de blues, alguns  standards de jazz, e aí um dos americanos veio para o piano e perguntou: “o que você está tocando? Jazz?”  Sim eu toco jazz, respndi. “O que está fazendo aqui então? Por que não vai para Nova York?”.

 

Eu tinha por volta de 17 anos. Um dos músicos americanos que, especificamente, era percussionista, o qual o nome era Gordon Gottlieb, era um dos melhores percussionistas de música clássica naquela época em Nova York. Ele costumava tocar bastante como freelancer, mas também tocava como músico de reforço da Filarmônica de Nova York, e tocava também com Leonard  Bernstein algumas vezes. Ele foi quem me convidou para ir à Nova York pela primeira vez. Então eu fui por duas semanas para visitá-lo e ele me levou a todos os clubs de jazz e, algumas vezes, até mesmo a jam sessions. Algumas vezes eu sentava e começava a tocar e alguém perguntava pelo meu cartão de contato. Mas eu na tinha. Eu dizia: “eu não moro aqui, estou visitando” (risos). E todos então me respondiam: “e quando vai vir?”. “Eu não sei, só estou dando uma olhada por aqui”. Foi uma visita muito boa por esse lado.

 

Por outro lado, foi o momento em que Herbie Hancock, Chick Corea e Keith Jarret começavam a se projetar como o “novo som” em Nova York. Então eu fui em lojas de discos e comprei meu jazz tradicional, Oscar Peterson, McCoy Tiner, e todo esse pessoal, mas me falavam: “leva esses caras também”. Eu voltei com todos esses novos sons e comecei a escutar esse outro lado da música que não tínhamos lá, porque éramos bastante tradicionais. De toda forma, a República Dominicana era bastante afortunada porque tínhamos as influências do norte e também tínhamos as influencias do sul. Então muito da música brasileira chegava para nós também. Estávamos expostos a isto. E também tínhamos rádios e DJs que tocavam apenas música brasileira nos seus programas. Eu combinava essas influências do norte e do sul. Eventualmente também era exposto à música de outros países da América do Sul, como Peru, Venezuela, Argentina,  e mais  tudo o que vem do Caribe, o vem de Cuba, todos os sons novos, o que vinha de Porto Rico, o Zouk, a Soca. Eu fui influenciado por todos os lados antes de vir para Nova York.

 

Em 79, me casei com Sandra, a minha esposa, e eu falei para ela da gente vir e ver o que dava em Nova York. O Gordon me escrevia cartas dizendo “quando você vem? Não perca tempo, não fique velho. Você pertence a nova York!”. Algumas coisas aconteceram. Encontrei outros caras, outros músicos americanos, e eles sempre diziam: você deveria estar em Nova York. Isso não era claro pra mim porque, naquela época, meu lado clássico estava bem forte. Se eu pensasse como um músico de jazz, eu poderia dizer, claro, por que não? Mas como músico clássico, com um treino clássico forte, eu fui para Nova York fazer uma pós-graduação na área de música clássica. E nessa época fiquei exposto ao jazz que adoro. Então, quando vim, fui para as duas escolas, Julliard e Mannes. Quando fui a Nova York não fui para trabalhar, fui para estudar.

 

 

 

 

 

E fez duas escolas de uma vez?

Sim. Fui para Julliard por causa do piano, e Mannes para a composição. Então eu cheguei em Nova York, e estava indo para estudar lá, mas também, nas segundas à noite, comecei a ir sempre em jam sessions e percebei que o único musico dominicano que estava em nova York era um saxofonista lendário para nós , Mario Rivera. E ele era bastante original para nós, porque ele era membro do George Coleman octeto, mas também tocava, às vezes, na segunda a noite com a Thad Jones/Mel Lewis Big Band. E também tocava com a orquestra de Eddie Palmieri, La Perfecta. Mas ele era um saxofonista tenor muito bom, com bastante influência do John Coltrane. Em algum lugar da internet deve ter uma foto dele com Thelonious Monk. Eles se conheciam. Quando ele finalmente achou outro dominicano que tocava jazz, me adotou como um protegido dele e organizou jam sessions toda segunda a noite, em Manhattan. Eu costumava ir. A jam começava as 11 da noite e ia até quatro ou cinco da manhã, e foi lá onde fiz toda a minha rede de amizades: Steve Turre, Gonzales Brothers, Jorge Dalto, que tocava com George Benson... ali eu comecei a ficar amigo de todos esses caras. Eventualmente chegavam caras novos vindos de cuba, como Ignacio Berroa, Daniel Ponce... Então eu estava lá quando isso aconteceu. E a conexão deu certo, porque Ignacio estava vindo tocar com Dizzie Guillespe, assim como Daniel Ponce, e costumávamos ter centros de encontro naquela época em Manhatatan. A gente encontrava em um lugar que se chamava Soundscape. E o soundscape era importante porque  era uma dona era  etnomusicologa. O nome dela era Verna Gillis. Ela foi que ajudou, no início, o Bob McFerrin por exemplo. Ela foi tipo empresária dele no início da carreira, quando ele era desconhecido. Esse era o lugar no qual a música era feita. Digo, a música experimental naquele momento.  Costumávamos ir lá nos domingos à noite para tocarmos juntos, todos nós, e nas segundas íamos nas jams sessions.

 

A questão é que, a partir dessas relações, tudo se abriu. Porque eu conheci muita gente naquelas jam sessions. A minha primeira tour internacional veio daí, porque quando conheci Jorge Dalto, ele me recomendou para uma gig que ele não pode fazer, e ele tocava em duas gigs na época. Uma era com o George Benson. Ele não pode fazer um show, em 1984, no Montreal Jazz Festival, com Tito Puentes, e me recomendou. O Tito Puentes não sabia quem eu era e nunca tinha me ouvido, e eu fui tocar sem nenhum ensaio. Só tinha ouvido um K7 gravado ao vivo. Aprendi a minha parte dali. Eu subi no palco, o Tito me deu um grande abraço e disse: confie em mim. Só me siga. Não vai haver problema nenhum. Nós ensaiamos as melodias na passagem de som e o resto foi  tudo lá. Esse show está em um DVD. Tito Puente em Montreal, sou eu lá.

 

 

 

 

Meu Deus, você sabia que estava sendo gravado?

Não, eu não sabia! Eu cheguei no concerto e foi lá também que conheci Paquito de Rivera, que estava na plateia. Ele veio no backstage logo depois do show e ele perguntou: quem é você? De onde veio? E tinha um pessoal em volta de mim que disse, ele é o pianista. Então ele falou: na próxima semana nós vamos sair em turnê. Porque o pianista dele era o Carlos Francetti, que era argentino. Grande compositor, grande arranjador, que estava ocupado com o quinteto dele. Então o Paquito precisava de um pianista, me viu tocando e achou que esse cara que ele precisava estava bem ali. Então ele disse que a gente ia partir em uma tour de 10 dias pela Europa. Eu disse, ok, vamos.

 

Fui com ele, e fizemos alguns grandes festivais europeus, e isso foi o começo dessa coisa. O Paquito ouviu a música que eu tinha, eu estava, ao mesmo tempo, trabalhando como músico de banda em Nova York. Havia uma banda americana chamada French Toast. Essa banda era bastante popular em Manhattan naquela época e costumávamos tocar em um club que já não existe mais. Mas era um lugar muito famoso porque havia muita mistura lá. Era conhecido, principalmente, como um club de R&B, mas também tinha muito jazz. E era chamado Nykell’s . Era o lugar onde acontecíamos novos sons experimentais aconteciam também naquela época e eu estava tocando com essa banda lá. Foi quando conheci Antony Jackson e Dave Weckl. Isso porque éramos membros dessa banda, que era um septeto, e o Gordon Gottlieb era o percussionista da banda e o Jerry Dodgion famoso saxofonista alto, tocava conosco. O líder era um trompetista francês, Peter Gordon, e por isso era chamada French Toast. Escrevi algumas músicas para essa banda, e uma delas foi Why Not? Essa música se torou um grande sucesso em Nova York. Paquito Rivera ouviu, gostou dessa minha música e, no primeiro álbum que gravei com ele, ele gravou a minha música Why Not? Fizemos um ensaio em duo, com saxofone e piano.

 

Na banda de Paquito foi também onde encontrei músicos brasileiros, porque Claudio Roditi tocava com Paquito e Portinho estava na bateria, e eu estava nos céus tocando os beats brasileiros com eles. Mas também nas sessions havia Lincoln Goines no baixo e, nessa época, ele também tocava com Tania Maria, a pianista e cantora brasileira. A Tania costumava ir ver a gente toda hora e nos tornamos muito amigos. Ela começou a me ajudar na minha carreira. Ela e o manager dela falaram com o manager do Blue Note, em NY, e o convenceram a me dar uma segunda à noite para tocar lá com meu trio. E também ela me convidou... Na época ela ia tocar no Carnengie Hall, como abertura, e eu estava em grande forma com meu sexteto, que era muito parecido com o FrechToast mas sem  o trompetista francês. O Sax era com Cris Hunter, que era britânico e tinha acabado de chegar a nova York e tocava em uma big band do Gil Evans naquela época. Eu ia levar meu próprio sexteto, mas ela falou que queria tocar comigo em trio. Eu nunca tinha tocado em trio. Sempre tocava com um monte de gente. Ela “não, eu quero tocar em quarteto e esse quarto músico sou eu”, então tá...(risos).

 

Escolhi quatro músicas. Ia ser um número de abertura bem rápido. Quarenta minutos. Eu fui com Anthony Jackson (baixo) e Dave Weckl (bateria), e as pessoas foram à loucura. Esse foi o começo da minha tour e foi como descobrimos o som do trio. Foi um grande sucesso e, por isso, escrevi uma música para ela. Foi Pra Você. Ela catapultou minha presença para um outro nível. E também uma outra coisa diferente aconteceu em 1983: quando eu tocava com o meu sexteto, nós costumávamos tocar em um jazz club, o Seventh Avenue South, que era dos Brecker Brothers, Michael e Randy Brecker. Era um lugar bastante famoso na época e comecei a tocar por lá. Então, por coincidência, em uma noite, quando eu estava tocando Why Not, Janis Siegel, uma das cantoras do Manhattan Transfer, veio do outro lado da rua dar uma olhada na gente. Não por minha causa, mas eu estava tocando essa música e ela adorou. Então ela me perguntou: “isso tem letra?” Eu disse: não, mas você pode ter, você pode escrever. E ela disse. “Ok. Se você tiver uma demo eu apresento para o grupo e nós vamos gravar”. Eu disse, ótimo! E fiz a demo, e eles gravaram e ganharam um Grammy. Nessa época eu também dei um impulso na minha carreira como compositor de forma imediata, porque eles gravaram no  álbum Bodys and Souls Eles eram bem famosos. Era um grande prestigio pra mim ter Why Not naquele disco. Todas essas coisas estavam acontecendo ao mesmo tempo na minha carreira em Nova York.

 

 

 

 

E as turnês próprias e shows em festivais? Quando começaram?

O que aconteceu é que eu estava tocando no Soundscape, onde conheci o promoter do Berlin Jazz Festival, George Gruntz, que costumava vir a Nova York para ver caras novas e novos sons. Ele me encontrou lá, adorou o que eu estava tocando e me convidou para o festival de jazz em Berlim. Essa foi a minha primeiríssima tour como o músico principal. Então eu peguei meu sexteto, com o Mario Rivera como convidado especial, e fizemos um grande show no festival em Berlim. Após esse concerto eu já tinha uma tour para o ano seguinte. E tudo porque o cara foi dar uma olhada nos novos músicos do jazz, a partir de um único show. Ele era realmente incrível. Então, quando chegou o ano seguinte, ao invés de ir com o sexteto eu fui com o trio.

 

Depois eu estava em NY, mais com o trio, no Nykell’s principalmente, e então o que aconteceu é que os japoneses produtores estavam indo em NY também para dar uma olhada nos novos talentos. Isso porque, naquele momento, o jazz em NY estava um pouco em crise. Os selos não estavam assinando com novos talentos. Mas os selos japoneses vinham para NY e assinavam com os novos talentos. É por isso que meus primeiros álbuns, antes de Michel Camilo, um chamado Why Not e o outro chamado Suntan, os dois vieram do japão. Eu gravei  eles para a Tim Records, no Japão. Os dois álbuns foram lançados na Europa antes de serem lançados nos EUA. Foi por isso que minha carreira decolou primeiro na Europa. A partir da Alemanha eles lançaram esses dois álbuns e eu comecei uma tour muito antes lá. Ao lado disso, por causa da Tania Maria, eu comecei a ficar mais sólido na Blue Note.

 

 

O Blue Note é o mais respeitado Jazz Club naquela época. Não?

O lendário fica no Village, porque foi onde o Coltrane e Miles Davis e todo mudo costumavam tocar. O outro é Blue Note também. No Nikell’s, acredite ou não, Art Blake estava tocando com os Jazz Messengers. Também tinha o Wynton Masrsallis e Brandford Marsallys na banda naquela época, que tinham acabado de chegar em NY. O Nikell’s era muito de vanguarda. Encontrei Chaka Kan lá, encontrei George Benson... Steve Gad costumava tocar com sua banda, o Stuff. Muitas fusões acontecam lá. Todos nós eramos músicos jovens. O Art costumava chamar os jovens músicos para tocar com ele. Eu toquei com Art Blakey lá. Ele era muito criativo. O que aconteceu é que comecei a tocar mais no Blue Note e, uma noite, o grande empresário do jazz na época George Wein , o criador do Newport jazz, ouviu sobre mim e veio dar uma olhada no Blue Note. Foi uma noite em que o famoso baterista Lionel Hampton veio também me ver e os dois sentaram juntos. Eles vieram ao meu camarim depois de me ver e perguntaram, “o que você está fazendo? Tem contrato com algum selo?”. Respondi que  não, que tinha dois álbuns gravados no Japão, e eles, “não, você deveria gravar nos EUA. Você tem repertório?” E eu disse: vocês ouviram. (risos)e eles, “ok, na próxima semana você estará gravando um álbum”. George disse que pagaria por isso.

 

 

Meu Deus! E há quanto tempo você estava em NY nessa época?

Isso era 1988... 89. Eu tinha chegado em NY há dez anos e lembre que eu não fui trabalhar, fui estudar. Cheguei em dezembro de 1979. Então isso foi em algum momento de 1988. George me levou para o estúdio e eu gravei o álbum chamado Michel Camilo. Então ele pegou o tape, levou para a Columbia Records e disse: contratem esse cara! Então eu lancei o álbum, que entrou no ranking da Billboard, e foi louco! Dez semanas como número um. Foram mais de seis meses como um dos top jazz álbuns, nos EUA. (risos), isso foi incrível. Claro, fiquei mais conhecido internacionalmente e saí em tour.

 

 

 

E como escolheu os músicos para essa gravação?

Eu estava interagindo com todo esse pessoal. Naquela época Marc Johnson, era porque eu adoro Bill Evans e ele era um dos últimos baixistas que haviam tocado com Bill Evans. Foi por isso que chamei ele. Eu era bastante influenciado por essa música. Tinha meu próprio estilo, mas eu amo essa música, e ele ama minha música, então começamos a tocar e também chamei ele ´para tocar comigo. David Weckl é tinhamos cinco anos juntos tocando. Eu não chamei Antony Jackson porque ele tinha se mudado para Los Angeles naquela época e chamei Steve Ferroni porque ele vinha tocando com a gente. Eu também não quis usar baixo elétrico naquela sessão porque tinha usado baixo elétrico nos meus dois primeiros álbuns feitos no japão. Eu quis mais um som de trio com baixo acústico. O Lincoln Goines, que tinha tocado só elétrico comigo no Paquito Rivera, eu cheguei e perguntei se ele tocava acústico e ele falou: “claro! Mas ninguém me chama para tocar acústico”. Então ele tocou acústico comigo neste álbum. E o Joel Rosenblatt era companheiro de quarto do David Weckl. Joel estava sempre no Nikell’s. Sempre tocávamos juntos e ele conhecia as músicas. E quando David foi tocar com Chick Corea, ele me deixou com Joel Rosemblatt.

 

O Chick sempre estava entrando no Nikell’s. O que acontecia era que tinha um circulo fechado, um mundo pequeno em Nova York de músicos que se conheciam, e a banda tinha uma rotatividade. Steve Gad não gravou conosco, mas ele sentava com a gente o tempo todo. Muitos músicos estiveram na banda, não gravaram com a gente mas somos todos amigos. Nós criamos juntos. O que aconteceu é que depois do trio gravar o álbum veio o disco On Fire. Eu ainda toquei com Marc Johnson no On Fire. Ele já estava com Chick, mas voltou só pra gravar o álbum comigo. Ele era mesmo incrível, mas seguimos caminhos musicais diferentes, e eu coloquei de novo o trio original em turnê, com o qual eu tinha gravado o álbum Rendezvous. Fizemos uma grande turnê por todos os festivais de jazz europeus durante um ano, porque naquele tempo ele havia deixado a banda de Chick e nós estávamos juntos de novo e foi um álbum muito criativo. Estava voltando aos meus dias de fusion e eEu sabia que eles poderiam dar conta daquele música. Havia muito desafio. E depois de tudo isso, eu estava de novo com o Paquito, passamos uns cinco ou seis anos em tour juntos. Parei de tocar com Paquito quando me tornei, de novo, musico principal.

 

 

A maioria de seus álbuns são com músicas autorais

A maioria são com musicas minhas, então achei uma boa ideia fazer um álbum de standards e gravei o Thru My Eyes. Uma musica que gravei lá foi Night in Tunisia. Primeiro porque eu sou um grande fã do Dizzy Guilespie, e também toquei com ele nos anos 80. Ele foi tipo um padrinho de um festival o qual dirigi na República Dominicana. Também fui um bom amigo de Horace Silver. Gravei Song For My Father. Ele amou a versão que gravei e me ligou de Los Angeles para dizer o quanto amou a minha versão, que é diferente da dele. Também a versão de Oye Como Va, de Tito Puente, é radicalmente diferente (da original), e ele amou. São muitas coisas diferentes dos originais. Com um ponto de vista diferente. Eu sempre amei o Calypso. Amo a música da Jamaica. A musica de Trinidad, Curaçao... E está tudo representado neste álbum.

 

 

 

 

E como a parte sinfônica de sua carreira decolou?

Quando eu gravei o primeiro álbum, o Michel Camilo, a Columbia Records era da Sony Music naquela época. Teve um grande showcase em uma convenção de mídia em Nice, na França (Jazz at Midem, em 1990). Eles queriam quatro bandas para tocar nesse showcase. Um deles era John McLaughting. O outro era John Faddis, que tocou com seu quarteto e o outro era um duo de piano clássico. As Labeque Sisters (Katia e Marielle Labeque), da Sony Classical, e o outro era eu e meu trio. Quando as Labeque Sisters, um dos mais famosos duos clássicos, viram que tinha um outro pianista quiseram dar uma conferida no meu som, e elas ficaram chocadas: “você é pianista clássico!” Eu dizia não...(risos) eu era pianista clássico, e elas diziam: “não, você é pianista clássico! Podemos ouvir isso no seu toque. O jeito como toca o piano é o de pianista clássico”. Eu disse, bem, a minha vida me levou para o jazz... “Ah não... você tem que voltar ao clássico”. E então elas me convidaram para fazer uma tour com elas em três pianos. Tocando de tudo. De Stravinsky a Barthok, Prokofiev a Michel Camilo...(risos) e chamaram de “música do século XX”. Elas diziam “você toca muito bem Gershwin, com esse seu toque percussivo, e tem esse fraseado de jazz que o Gershwin se inspirava nele”. Eu toquei vários Gershwins com elas... Os prelúdios na versão em três pianos. E tocamos várias músicas em três pianos naquela tour. Elas me conectaram com o trabalho clássico delas.

 

Quando voltei para tocar no Blue Note em NY, em trio, uma noite, e o grande maestro Leonard Slatkin bateu na minha porta. Ele era um multiganhador de Grammy nas categorias de musica clássica e estava , na época, regendo a filarmônica de NY. Ele conheceu meu nome e veio me escutar porque era um grande fã de jazz. Veio para o segundo set, amou as músicas e perguntou o que poderiamos fazer juntos. Eu respondi que tinha meu treinamento clássico e perguntei o que ele gostaria de tocar: Bethooven? Ravel? Ele falou: , “não, quero uma de suas composições. Você pode escrever um concerto para piano?” Eu disse, claro! Eu estudei composição, orquestração e sei escrever para orquestra. Naquela época, esqueci de te dizer, havia sido chamado para escrever para dois pianos e orquestra sinfônica. E seria tocado em Londres, com a orquestra filarmônica. Eu disse, só me dê um tempo, estou em turnê, Ele sabia disso e me falou, “você pode me escrever em um ano. Vou te encontrar no Kennedy Center”. Eu disse, claro! É uma grande honra. E esse foi meu concerto para piano que eu gravei com ele em Londres, com a orquestra sinfônica da BBC. Foi um grande sucesso e toquei ela 117 vezes. Em todos os lugares com todas as grandes orquestras sinfônicas.

 

Finalmente, no álbum Rapsody in Blues... Já me convidaram para  todo o tipo de repertorio. Mas eu nunca tinha tocado Rapsody in Blues. Acredite ou não. E foi muito legal, porque foi uma versão com orquestra. O que aconteceu foi que, na Gershwin Foundation, quando souberam que eu estava tocando a música dele, me mandaram o manuscrito da versão original ,com as anotações dele. Ele escreveu bem “jazzy”, com swing. Quando abri isso, falei: quero gravar. Agora eu sei o que ele queria. Então resgatei a direção que ele deu. Toquei isso muitas e muitas vezes. É muito bom transitar entre esses mundos. Uma vez perguntei a Oscar Peterson porque ele não gravava algo clássico, porque ele poderia. Ele começou nisso também. Ele disse... não. É muito tarde pra mim. Eu poderia, mas não quero me estressar... Não vou fazer. Mas ele tinha a técnica para fazer isso.

 

 

Quando o vi tocar era como se ele estivesse dirigindo... Era muito natural

Sem esforço. Ele foi um dos meus grandes ídolos. Art Tatum e Oscar Peterson. Costumavamos nos ver nos festivais ou até no Blue Note, porque ele costumava tocar muito lá. Ele foi muito receptivo a mim, era bem aberto e muito amigável. Era uma inspiração bem ali na frente.

 

 

É difícil esse transito entre o clássico e o popular?

Eu acho que por causa da minha formação nunca tive isso de clássico e popular. Duke Ellington  disse só só tem dois tipos de música: boa música e uma música não tão boa assim (risos). Na orquestra Sinfônica (na Republica Dominicana) fui o membro mais jovem, tipo mascote. Naquela época, no meio daqueles caras mais velhos, eles me deram apoio. Nunca me disseram “você é novo demais”. Pelo contrário. Era “que bom ter você aqui”. Eles sempre falavam: “você é tão talentoso, faça isso, fala aquilo” e eu me sentia bem-vindo pelos meus professores, pelos meus colegas.  Nunca me senti intimidado. Eu sempre ia para o palco como se fosse minha casa. No fim, a música é a linguagem da alma, e é uma linguagem Internacional. Eu não falo muitas línguas. Não falo japonês ou português. Falo espanhol, inglês, um pouco de italiano... Mas eu me comunico pelas minhas emoções, pela minha música. Para mim, é a linguagem universal da alma, que faz as pessoas chorarem, rirem, faz lembrar a família e de momentos da vida.

 

 

 

 

E quantas horas estuda por dia?  Você separa um tempo para isso?

Eu estudo pelo menos quatro horas por dia.  É pouco! Quando comecei a ir para a escola de música,  estudava dez horas por dia. Eu acordava, comia alguma coisa e ia para o piano. Atualmente, quatro horas é suficiente para mim.  Eu faço essas quatro horas renderem como dez horas. porque eu me desafio muito. É importante nunca achar que você já tem tudo, que sempre dá para ficar melhor. Isso é uma coisa importante.

 

 

E como é para escrever arranjos para big band?

Amo escrever para big band. Há muito no Count Basie de uma big band funcionando como uma unidade. Há um mistério em como os sopros funcionam com a sessão ritmica. É uma química e um estilo. Se você vai ouvir um álbum de big band, tem que prestar atenção no que acontece entre os sopros e a sessão rítmica. O que faz funcionar é uma tradução da minha música de trio para uma música orquestral. E essa motivação me foi dada pela Danish Radio Big Band, que é uma das maiores big bands de jazz do mundo. Eles me convidaram, e me desafiaram, porque eu tinha muitos fãs em Copenhagen, eu ia muito lá. Eles me perguntaram: “pode escrever um concerto especial para nós?” E eu disse que sim. O que vocês querem? Eles pediram minha musica de trio. E eu disse, quando eu toco piano eu escuto a sessão de sopros. Porque eu escuto os trompetes ao um lado, Eu escuto os trombones no centro! eu faço a orquestração com os meus dez dedos. Os grandes acordes, as grandes vozes. E eu disse, tá bom, eu escrevo! E quando voltei para nova York... Em nova York eu estava trabalhando também como músico de estúdio, tocando todo o tipo de música, o que foi muito bom para mim. Toquei também em musicais e também fui maestro de musicais na Broadway. Então há vários diferentes estilos em minha formação como músico. E eu fiz todos eles, e fui exposto a todo tipo de influências. Este foi o caminho para continuar crescendo. E ter trabalhado como músico de estúdio também me preparou para quando me tornei um músico artista que gravava seus próprios trabalhos ´para me sentir em casa no estúdio de gravação.

 

 

Toda experiência conta se você está aberta para elas...

É assim que quero ser lembrado sempre. Um cara de mente aberta. Todo o tipo de música, desde que seja honesta e sincera, não tem problema se é uma música “primária” na medida em que tenha significado, que tenha a qualidade artística que eu procuro. Eu fui um bom amigo do Dr. Billy Taylor, que foi o pupilo de um dos meus grandes ídolos: Art Tatum. Então eu perguntava muito a ele sobre Art Tatum, porque eles costumavam estar sempre juntos, e ele me falava que o Art Tatum, depois que terminava de tocar nos clubs de jazz, eles iam ver outros pianistas em clubs menos votados, e tinha uns qualquer nota, e era uma tortura para ele ouvir. E Taylor perguntava, como você consegue ouvir isso? E Tatun dizia: você não está escutando com cuidado. Sempre tem algo para tirar daquele pianista. Escute entre os erros! Ele reconhecia que sempre havia algo para aprender. O meu amigo Michael Brecker, por exemplo, com quem toquei em Nova York, tem uma performance que coloquei no meu Facebook com o Anthony Jackson e Horacio “el negro” Hernandez na bateria, no filme Calle 54. É uma performance do North Sea Jazz festival. Acredite ou não, Brecker estava no lado do palco, ouvindo a gente, e ele tinha tocado logo antes da gente. Essa é a beleza da música. Estamos sempre vendo uns aos outros. Nos festivais, várias vezes fui escutar outros músicos incógnito. Na ultima vez que toquei no Umbria Jazz Festival, John Scofield e Jack DeJonette estavam conferindo a gente. E eu estava com o Tomatito nesse.

 

 


Michel Camilo e Tomatito

 

 

 

E  a sua relação com o Flamenco?

Eu sempre fui um grande fã da musica flamenca. Com paquito de rivera, em 1983, 84, depois de Montreal, ele me levou para a espanha para tocar no Madrid Jazz festival, que na época era bem importante. Ele estava com 10 mil pessoas no público. Tocamos lá e, na época, naquele festival de jazz, se pedia que cada banda fizesse uma pequena jam session no final com algum músico de flamenco. Um tipo de experimento de flamenco com o jazz. Eles colocaram um violonista chamado Paco Cepero. Ele é um guitarrista flamenco e cantor também. Foi uma experiencia muito boa e a plateia foi à loucura, e vi que aquilo trazia muitas possibilidades. Sempre que fui para a Espanha e procurei comprar discos de musicos de flamenco. Eventualmente eles se conectavam comigo.

 

Havia um grupo de “nuevo flamenco” que era uma musica mais elétrica, levemente “jazzy”, mas flamenco, chamado ketama, e era bem popular entre os jovens. Eles me chamaram para co-produzir e arranjar um álbum deles. Tomatito era parente de um deles. Era compadre. Ele não tocou no álbum, mas costumava ir ao estúdio para nos ver trabalhando. Ficamos amigos. Nunca falamos de tocar juntos. Ele estava tocando com Camaron de la Isla, o cantor mais famoso de todos no flamenco. Anos depois, no Barcelona Jazz Festival, eles me convidaram para fazer algo. O pianista Tete Monteliu tinha acabado de morrer. Ele era um grande pianista de bebbop e eles perguntaram se eu poderia fazer algo com Tomatito. Eu falei que conhecia ele e que eramos amigos. Eles falaram, “vocês não precisam tocar juntos. Voce toca solo e ele solo”, e eu falei, certo, mas estaremos lá e podemos fazer umas duas músicas como uma surpresa para o público. Nós ensaiamos duas musicas: uma era Spain, do Chick Corea, e a outra Bessame Mucho. Tocamos rimeiro psolo e depois esses dois números. A plateia foi totalmente à loucura. Havia imprensa lá e começaram a falar sobre isto e pensei: uau, fizemos isso bem. Havia um empresário que nos convidou para ir na Suíça juntos, e fizemos dois anos de tour sem um álbum, antes do Spain. Isso foi uma coisa nova, tocar em duo.  Depois de dois anos em turnê, na segunda vez que fomos ao Japão, pedimos ao engenheiro de som para fazer umas gravações de lembrança. Ele fez uma para Tomatito e outra para mim e voltamos para casa  com aquele DAT. Coloquei para escutar na minha casa e... meu Deus, isso tá bom! Liguei para Tomatito e perguntei se ele tinha ouvido o dele. Ele ouviu, gostou também e eu disse: acho qe podemos gravar isso. Se tornou o álbum Spain. Falamos com o diretor Fernando Trueba, que fez o Calle 54, grande amigo e um grande fã de jazz, e ele fez o label para gravar nosso primeiro álbum, que foi disco de platina.

 

Demorou seis anos para gravar o segundo álbum, Spain Again, porque fizemos várias turnês. Estamos em turnê há 20 anos. Ganhamos um Grammy latino com Spain. Ganhei também um Grammy com o  Live at Blue Note, o único álbum duplo da minha carreira. Ganhei quatro Grammys latinos e um Emmy porque escrevi musica para televisão, no Godwill Games, um tipo de evento olímpico que aconteceu na Russia (nos anos 1990). Fiz uma grande sinfonia de abertura para transmissão mundial. Fiz muita musica para TV. Fiz musicas para ABC, CNN... as pessoas não conhecem.

 

Voltando ao Flamenco, no terceiro álbum com Tomatito, já havíamos feito a parte de virtuoso nos dois álbuns anteriores. No terceiro, sabe de uma coisa? Vamos surpreender todos. Somos mais maduros e fizemos um álbum romântico. Estamos fazendo turnês há vinte anos e também temos um coração romântico. Agora queremos dividir isso com todos, e podemos tocar bonito, não só virtuoso. Temos a técnica, mas a técnica não é só tocar rápido. É também a qualidade do som, o toque, as nuances, as cores, o espaço entre as frases, como respiramos juntos, tudo isso faz um virtuoso. Não é sobre ser rápido. É sobre música. Emoção e sentimento.

 

 

E quais são os projetos para o futuro?

Meus projetos são gravar um repertorio sinfônico e compartilhar com meus amigos e quebrar barreiras para as novas gerações de músicos, para que elas não tenham nenhum bloqueio. Essa é minha filosofia na música e minha atitude na vida. É só dizer pra não fazer algo e eu vou lá e faço. Essa é a mminha abordagem. “Por que não”? A fama pode ser transitória, temos que fazer as coisas para se olhar no espelho.

 

 

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