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SUMÁRIO / Sumário

David Distler: pioneiro do som nas igrejas

13/09/2021 - 09:10h
Atualizado em 04/10/2021 - 11:59h

 

Quando começou a trabalhar com áudio profissional, aos 21 anos em 1982, David Distler lembra que a atividade estava em sua adolescência. Em um tempo no qual não havia internet, o engenheiro de som encontrou o endereço da Audio Engineering Society em uma revista e lhes escreveu uma carta. “Ela foi parar nas mãos de alguém com bom coração que respondeu ao meu pedido sobre como me aprofundar na área da sonorização numa carta com quatro páginas manuscritas. Entre as recomendações de fontes seguras de informações, estava a SynAudCon, e assinei a sua newsletter que me trazia, pelos correios, as informações do áudio profissional”, conta. E assim se iniciou uma trajetória vitoriosa e importante não só para o som nas igrejas como no áudio do Brasil em geral, sempre com entusiasmo e a preocupação da excelência na qualidade sonora para a evangelização.

 

Desde então, trabalhou em sonorização de congressos como os do Instituto Haggai do Brasil, Ministério Igreja em Células e da Agência Presbiteriana de Comunicação, serviu em igrejas como a Igreja Batista Fonte, Campinas (Infraestrutura), a Igreja Batista Boas Novas, SP  (projeto), a 2ª Igreja Batista em Barra do Piraí (Acústica), P.I.B. Vale da Eletrônica (instalações 1 e 2 com 15 anos de intervalo) e da Igrejas Adventista Da Promessa (projetos, consultoria e Workshops) entre muitas outras. Também trabalhou como interprete do ingês para o português em diversos eventos da AES, palestras e workshops como o SynAudCon (6 Workshops) e Buford Jones (AES), que trabalhou com  ZZ Top, David Bowie, Pink Floyd, Eric Clapton, Stevie Wonder e  Prince. Também trabalhou, ainda como interprete, em seminários com Ken “Pooch” Van Druten (Audio Seminars), que foi engenheiro de som de Jay-Z, Travis Scott, Justin Bieber, Iron Maiden, KISS, Guns & Roses e Linkin Park.

 

 

- Conte da sua trajetória geral com o áudio. Quando começou? Como se desenvolveu na carreira?

Comecei em 1981, aos 21 anos. O áudio profissional estava na sua adolescência.

- A Crown havia lançado seu amplificador DC300 (de 150 watts por canal em 8 ohms) em 1967.
- A primeira apresentação dos Beatles no Shea Stadium foi em 15/8/1965.
- O Monterrey Festival foi em 16-18/6/1967, com a participação de John Meyer.
- Bill Hanley havia comandado o som do Woodstock em 15–18/8/1969.
- E Dinky Dawson, engenheiro da banda Fleetwood Mac, usou pela primeira vez um multicabo (criado por Hanley) no Fillmore East de Nova Iorque em 21/11/1969 tirando a house do palco para ouvir o som que mixava na plateia.

Guardadas as devidas proporções, as dificuldades inerentes ao Brasil caracterizaram o início das minhas atividades no som pela mesma insatisfação com os recursos disponíveis que motivaram o Dinky Dawson e John Meyer. Fluente em inglês, encontrei o endereço da Audio Engineering Society em alguma revista e, naquela era décadas antes da Internet, lhes escrevi uma carta. Ela foi parar nas mãos de alguém com bom coração que respondeu ao meu pedido sobre como me aprofundar na área da sonorização numa carta com quatro páginas manuscritas. Entre as recomendações de fontes seguras de informações, estava a SynAudCon, e assinei a sua newsletter que me trazia, pelos correios, as informações do áudio profissional.

 

 

Material da SynAudCon – 1983

 

Na época em que informações de áudio profissional eram raras no Brasil, eu tive esta vantagem. Fiz curso técnico de eletrônica e, ainda antes do meu interesse pelo áudio, eu havia cursado 2 anos de desenho técnico. Eu assinava a revista Somtrês e ficava torcendo para que, entre os seus artigos de som residencial, surgisse uma matéria do Cláudio César Dias Baptista. Assinando suas matérias por CCDB, o engenheiro da banda Mutantes era uma referência brasileira em sonorização. Na impossibilidade de importações imposta pelo governo, ele montava seus amplificadores com válvulas para transmissão de rádio.

Pelas restrições da época, a minha primeira mesa de som foi uma clone da Crest, sem circuitos balanceados, com 8 canais, EQ nos grave e agudos, 2 auxiliares e um recurso customizado que enviava o sinal do um auxiliar de um canal para um direct out se conectasse um cabo nele.

 


36 Canais em 1983

 

 

- Como se tornou, especificamente, um projetista de som? Teve educação formal em áudio? Mesclou alguma outra formação com a experiência no dia a dia do áudio?

No final de 1988 mudei para os EUA onde gerenciei uma filial da empresa Bauer Southam, de locação de áudio e vídeo corporativo, e estudei produção de vídeo. Ao retornar para o Brasil em 1994, fui procurado por amigos de Vencedores por Cristo, com quem havia feito uma turnê em 1988 sonorizando os congressos em que tocavam. Os pastores congressistas ouviam a qualidade sonora que eu produzia e me procuravam por informações que, por vezes, resultavam em projetos.

 

 


Equipamento das turnês Vencedores por Cristo
com mesas de 16 canais em 1988/1998

 

Creio que uma das vantagens que me diferenciava como projetista na época era o fato de operar os sistemas e poder entender o raciocínio de um operador voluntário perante os sistemas que eu desenhava e instalava. Eu usava os conhecimentos do desenho técnico, e o que assimilei do clássico manual “Sound System Engineering” de Don Davis fundador da SynAudCon, editado em 1983.

 

 

- O que um projetista de sistemas de áudio precisa saber?

Já tem uns 20 anos que surgiu o termo integrador de sistemas. Hoje, a integração entre áudio, vídeo, projeção e ampliação de imagens, iluminação, TI e transmissão por internet é realidade, sem falar da atenção essencial necessária à qualidade elétrica e acústica. Com o avanço destas áreas e o desenvolvimento de produtos cada vez mais sofisticados, entendo que já se encerrou a época em que bastava ter apenas conhecimentos de áudio, por mais profundos que sejam.

A realidade atual tende para a multidisciplinariedade. Projetar requer dominar o conhecimento para enxergar quais dos recursos disponibilizados pela tecnologia atenderão melhor ao cliente dentro da melhora relação custo/benefício. Este sempre foi o caso, porém a pluralidade de tecnologias atualmente empregadas começa a alcançar um nível em que se faz coerente os projetos serem realizados por uma equipe de especialistas em cada área, com alto nível de comunicação entre si e com o cliente para prover o melhor resultado.

 

 

- Especificamente no caso da sonorização de templos, quais são as peculiaridades envolvidas?

Não se pode generalizar. Cada caso precisa ser abordado com a mente aberta às necessidades específicas da comunidade em questão. Embora as grandes instalações saltem aos olhos e nos inspirem por seus recursos e flexibilidade, a realidade nos mostrava que, antes da pandemia, cerca de 80% das igrejas nos EUA tinham frequência de 200 membros ou menos. Tanto ali, como aqui no Brasil, é comum as comunidades deste tamanho terem limitações significantes nos recursos destinados à técnica.

Quando se vai atender uma igreja, um dos elementos essenciais é a comunicação, aliada à experiência para processar informações recebidas de pessoas não técnicas e dos voluntários com níveis variados de experiência, para entender suas necessidades e filtrar as expectativas. Somente após este processo é que se deve começar a pensar em equipamentos.

Projetos genéricos no estilo “receita de bolo” não proporcionam a melhor relação custo-benefício da perspectiva das necessidades reais e interesses da igreja. Quando congressistas me procuram admirados com a qualidade sonora e potência das minha caixas de som, perguntando marca e modelo, eu lhes forneço e imediatamente acrescento: este meu tênis Nike tamanho 43 também é ótimo e confortável, mas será que ele ficaria bom no seu pé?

Por fim, existe a importante questão da elétrica e acústica. Raros são os casos em que estes itens essenciais à qualidade são considerados na construção e ainda menos na locação de um espaço para culto. Como os líderes de igrejas formais não recebem treinamento além do teológico, os elementos que impactam a qualidade técnica acabam muitas vezes sendo processados como adaptações, ao invés de receberem a priorização que deveriam ter para não incorrer em problemas para a comunidade. Cabe ao projetista responsável estar informado sobre estas questões e não apenas ser um fornecedor de lista de equipamentos.

 

 

- O Sr. percebe diferença na sonorização de igrejas entre quando começou a trabalhar com isso e hoje?

Além da tecnologia do áudio digital, creio que três fatores têm impactado esta área.

Primeiro: a disponibilidade de informações pela internet é a principal. Ela pode ser positiva, mas tem o seu lado negativo quando usadas por pessoas sem conhecimento para filtrar as informações seguras. Fui procurado muitas vezes para remendar sistemas em que um membro da igreja foi até uma loja e recebeu o “projeto” ou indicação de um equipamento que não atendeu às necessidades da igreja. Atualmente, não se faz nem necessário se deslocar até a loja. A internet está repleta de pseudo informações, mais caracterizadas por marketing de baixa qualidade, e isto requer muito cuidado para não resultar no desperdício dos recursos ofertados a Deus.

Em segundo lugar, a globalização de mercado com o fortíssimo influxo de produtos chineses que se estendem desde material precário até os bons e desconhecidos por aqui, e os de fabricantes renomados que produzem seu material por lá.

Em terceiro lugar, os projetistas profissionais associados a fabricantes. Creio que a imensa variedade de produtos no mercado, que dificulta uma pessoa conhecer a fundo os detalhes de diversas linhas de múltiplos fabricantes, tem resultado como resultado o fato de muitos profissionais se associarem a fabricantes.  Obviamente isto envolve, também, a motivação da estabilidade financeira. Mas no passado, a independência do projetista, com o conhecimento de múltiplos fabricantes que o permitia trafegar entre marcas, era um diferencial por indicar que as necessidades do cliente seriam atendidas sem estarem restritas a linha de produtos de determinado fabricante.

Vivemos numa sociedade caracterizada pelo imediatismo. Na minha experiência, projetos que atendem com qualidade as necessidades do cliente requerem a atenção a detalhes e o tempo em que exercer a criatividade para prover qualidade e flexibilidade com economia. Detalhes e criatividade não se processam de modo imediato.

 

 

- Como era um sistema no início?  Quais era, os equipamentos básicos envolvidos?
 

Comecei no som de uma igreja que tinha um mixer amplificado da marca Delta com apenas controle de “volume” de quatro canais e um grave e agudo global. Isto numa igreja com capacidade para 600 pessoas... Ele alimentava por linha de 70 volts uma série de falantes automotivos de 6 polegadas, instalados nas paredes laterais. Fica fácil entender a origem da frustração que me motivou a procurar algo melhor!

Contando com a confiança do pastor, logo tínhamos uma mesa de 12 canais com 2 bandas de equalização e 2 auxiliares, porém ainda sem circuitos balanceados. Suas saídas eram enviadas a um equalizador da marca CCE e a um amplificador A1 da Gradiente de 250 watts RMS. As caixas progrediram para colunas da empresa Quasar e, depois da copa de 1986, painéis BES da Bertagni Electroacoustic. Nos festivais eu levava equipamento próprio e enviávamos os instrumentos para caixas clones das “tobogã” JBL e os vocais para as minhas Electro-Voice S200. Recentemente esta divisão de vocais e instrumentos foi feita no Rock in Rio. Eu já a praticava em 1982.

 

Montagem de caixas para festival e
disposição das entradas no palco – 1982

 

 

- De que forma a consolidação da plataforma digital na sonorização mudou a sonorização da igreja?

A tecnologia digital atual é tudo de bom! Mixo em mesas digitais desde 1998. A qualidade do digital evoluiu bastante nestes anos assim como a capacidade de processamento. Considero que além de não trazer os ruídos que se acumulavam ao longo da cadeia de sinal analógica, o digital nos oferece características incomparáveis.

 

Mesas digital e analógica há 21 anos
dimensões iguais, mas 100+ “periféricos” na digital

 

Uma: no início da era digital, a qualidade do som podia não ser tão boa quanto a das boas mesas analógicas devido às limitações no processamento disponível na época. Mas as mesas digitais já se destacavam por eliminar os racks dos periféricos processadores de dinâmicos e efeitos. Imagine o custo de se comprar um módulo de processamento dinâmico por canal! Embora a funcionalidade dos periféricos se faz essencial a uma mixagem de qualidade, o custo envolvido fazia com que estes equipamentos nunca fossem vistos em quantidade na expressiva maioria das igrejas.

 


Racks de periféricos eram necessários, mesmo com mesas de primeira linha

 

Hoje, minha console digital simples de 16 canais oferece 4 bandas de equalização e filtro passa-altas, gate e compressão por canal; 4 subgrupos com compressão e EQ; 4 VCAs e EQ e compressão na saída Master e dois módulos de efeitos.

Descontada a questão da amplificação, a mesa digital DL32R da Mackie tem dimensões semelhantes ao mixer Delta de 4 canais em que comecei ela oferece 36 entradas 28/ saídas 4 módulos de efeitos e integração à rede Dante (e em questão apenas de tamanho, caberiam facilmente circuitos amplificadores digitais dentro dela).

Outro recurso importantíssimo oferecido pelo digital é o de memorizar shows, fazer backups e carregar snapshots. Não sei como vivíamos sem isto antes! Há apenas 10 anos, minha rotina antes da chegada da banda, podia levar 20 a 30 minutos para “flatear” e “presetar” os ajustes na mesa analógica Soundcraft Spirit LX7 32 na igreja onde servia. E isto apesar de termos padronizado os canais principais. Os recursos de salvar e carregar shows e cenas se faz imprescindível em festivais.

Os benefícios onboard das consoles digitais já são fantásticos, mas a tecnologia digital não para por aí. Ela ainda viabiliza todo o universo de áudio em rede local dando acesso ao imenso universo dos plugins e da gravação multipistas. Gravar em multipistas para estudar arranjos, diagnosticar problemas e fazer soundcheck virtual aumenta exponencialmente o nível de qualidade alcançável!

 


Com a tecnologia atual, verifico o som pelo auditório
podendo mixar pelo tablet

 

E tem ainda a integração do controle digital via Wi-Fi. Com ela veio a fantástica possibilidade de caminhar pelo auditório com um tablet ouvindo e ajustando como chega o som das minhas mix.

Partindo da rede local LAN, interna, para a rede WAN, de área ampla, o controle digital do áudio ganha a sua independência geográfica a custo quase zero comparado com a antiga dependência das Linhas T1. Hoje com equipamentos comuns, que não precisam sequer ser de última geração, é possível se mixar o som ao vivo à distância.

Dia 18 de outubro completarei um marco inédito nos meus 40 anos de carreira. Por questões de idade e saúde nesta pandemia, completarei um ano fazendo, da minha home office, as mix para os que assistem os cultos da minha igreja ao vivo e por streaming. Uma conexão estável de banda larga por fibra e um auxiliar local, que não precisa ter conhecimento extensivo de áudio, me permitem acessar e mixar na nossa Mackie DL1608. Preparei e estou colocando online o curso Mixagem Remota de Som ao Vivo com os aprendizados acumulados nas mais de 40 semanas, viabilizadas exclusivamente por este recurso da tecnologia digital! 

 


40+ Semanas mixando remotamente para PA e Streaming

 

Um importante aspecto final é que a tecnologia digital embarcada nas consoles digitais e caixas de som ativas simplificou muito a montagem de sistemas pela possibilidade de se produzir um som de qualidade com número bem menor de componentes. Mesmo sem mergulhar na tecnologia envolvida, basta considerar a redução na quantidade de cabos de conexão antes necessários e a flexibilidade em conexões internas via soft patch.  Este benefício é expressivo, quando se leva em conta que a falta de contato ou inversões por conexões malfeitas constituem uma das principais fontes de problemas nos sistemas de som.

Enfim, considero que somente uma pessoa sem discriminação auditiva ou a mínima compreensão técnica seria capaz de ignorar os benefícios oferecidos pelo equipamento digital atual.

 

 

- Há uma maior conscientização sobre a importância da boa qualidade sonora nas atividades de uma igreja?

Infelizmente, para os desprovidos de conhecimento técnico ou discernimento auditivo musical, a qualidade é um elemento subjetivo. Tende a prevalecer o conceito de que “ninguém repara no que funciona”. Como resultado, muitos líderes de igrejas se satisfazem com qualidade mediana ou inferior que não atende aos que ali servem ou congregam. Acabam ocorrendo situações em que, mesmo com baixa inteligibilidade, se o operador ou sistema não causa distrações no culto, a “qualidade” é aceitável.

Isto posto, acredito que ao longo dos últimos 20 anos, tem surgido uma percepção maior de que a melhor qualidade é desejável. Creio que ela resulte do maior acesso aos materiais com boas informações pela internet. Em paralelo, o avanço da tecnologia de áudio no mercado doméstico com sistemas de home theater, fones de ouvido para games e até mesmo a qualidade na saída de fones dos celulares e sistemas para automóveis proporcionou melhoras significantes. Daí, para alguém desligar um DVD com programa 5.1 para ir à igreja ouvindo som de qualidade no carro chegar na igreja para ouvir som ruim, é preciso estar bem desatento ou desinformado sobre a qualidade possível no som ao vivo.

É claro que, além da tecnologia do equipamento, a qualidade do som e imagem na igreja resulta do nível de conhecimento e técnica da equipe técnica e da comunicação entre todos os envolvidos na produção do culto, partindo da liderança da igreja e passando pelos músicos.

 

 

- O Sr. tem envolvimento com o ensino de áudio?

Além do novíssimo curso online que mencionei, já ministrei workshops a centenas de técnicos e músicos por vários cantos do Brasil, desde Boa Vista (RR) a Curitiba (PR) passando por Dourados (MS). Nos anos 2000, disponibilizei um extenso material online que embasou o conhecimento de muitos profissionais atuais e que chegou a ser indicado como leitura requerida por uma universidade federal.

 

 

Além do senso auditivo, possuo forte tendência visual. Assim, desde o meu primeiro workshop em 1996, faço uso extensivo do PowerPoint com diagramações e ilustrações animadas para tornar os conceitos invisíveis do áudio mais assimiláveis. Também fiquei feliz quando, interpretando os 6 seminários da SynAudCon no Brasil (a organização que fundamentou meu conhecimento inicial no áudio 18 anos antes), descobri que, guardadas as devidas proporções, a minha habilidade e raciocínio didático é semelhante à do mestre Pat Brown.

Precisei suspender os workshops devido à carga de trabalho quando servi como diretor técnico numa igreja, e mais recentemente devido à pandemia. Mas pretendo prosseguir online e presencialmente quando possível.

 

 

- Qual o perfil do operador de áudio do som de uma igreja? Acha que mudou no decorrer dos anos?

Quando comecei, a ausência de instrumentos amplificados em muitas igrejas permitia que o operador ligasse um amplificador para um ou dois microfones e acertasse o seu nível para o conforto dos ouvintes. A demanda atual é bem maior devido à multidisciplinariedade nas equipes técnicas que comentei.

Além da essencial capacidade auditiva, considero que são importantes a disposição de servir ao próximo; a humildade para aprender e enxergar habilidade superior nos outros e a disposição de compreender ao próximo para se comunicar bem.

Estes continuam sendo os principais requisitos. Eles não são técnicos. Porém, havendo estes três elementos, a parte técnica se aprende e se pratica com resultados superiores a alguém que domina toda a técnica mas gera estresse por não conseguir trabalhar em equipe.

Não faz muito tempo, servi cinco anos como diretor técnico numa igreja em que passavam cerca de duas mil pessoas por semana. Como responsável pelo som, gravação de vídeo, projeção, iluminação, transmissão, sistemas de avisos, digital signage e cenografia, em instalações que somavam mais de 30 salas e auditórios, liderei mais de 60 pessoas entre staff e voluntários.

Esta experiência me fez enxergar um processo interessante, que corre na contramão da tendência atual em que muitas pessoas se isolam focadas em consumir o conteúdo sob demanda do seu interesse. Inclusive. Creio que esta seja uma dádiva de Deus para as Suas igrejas que a praticarem.

Alcançar qualidade de nível superior só é possível quando os membros da equipe técnica estendem o seu interesse além das suas reponsabilidades imediatas e se preocupam dar melhor suporte ao serviço dos seus colegas na equipe. Isto requer comunicação, convivência, respeito e sujeição mútua e conhecer as necessidades do próximo. Embora esta característica resulte da integração das áreas técnicas atualmente empregadas na produção dos cultos, vale observar que este comportamento foi prescrito no texto bíblico há dois mil anos:

 

“Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar que Cristo Jesus tinha: Ele tinha a natureza de Deus, mas não tentou ficar igual a Deus. Pelo contrário, ele abriu mão de tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos...”
Filipenses 2.5-8

“Sujeitem-se uns aos outros por temor a Cristo”
Efésios 5.21

 


A cooperação é essencial para a qualidade da produção
nas equipes multidisciplinares

 

 

-Como o integrante de uma igreja interessado em cuidar do áudio pode se aprimorar?

Ninguém nasce sabendo. Porém, cada um de nós recebeu uma porção de habilidades e talentos que somos responsáveis por desenvolver, pois prestaremos contas do uso que fizemos, ou não, deles a Deus. Na minha experiência no cargo de liderança que acabo de mencionar, fui surpreendido quando, ao tentar resolver a ausência de elementos cenográficos que agregariam valor naquela igreja, descobri que havia esta habilidade latente dentro de mim.

Juntando as habilidades de desenho técnico, organização e cálculos de materiais desenvolvido nos projetos de som, com o meu senso visual, descobri que Deus havia me dado também, esta habilidade. É importante observar que, se eu não tivesse me disposto a tentar ser útil nesta área, achando que as demais responsabilidades já ocupavam demais do meu tempo, esta capacidade permaneceria soterrada dentro de mim.

 

 


Cenografias agregando a comunicação visual ao palco

 

Então é preciso haver disposição para servir, humildade para perguntar o que não se sabe, vontade de aprender e pesquisar e a capacidade de filtrar a imensidão de informações disponíveis na internet para reter o que é de qualidade confiável.

 

 

-E na parte acústica, quais são as preocupações?

Nos primeiros 10 a 20 anos da minha atividade, o versículo bíblico que me motivava era

Portanto, a fé vem por ouvir a mensagem, e a mensagem vem por meio da pregação a respeito de Cristo.
Romanos 10.17

É até desnecessário dizer, mas não basta apenas ouvir um som, é necessário que ele chegue aos ouvidos com qualidade que permite a sua compreensão. Embora nas igrejas sérias existe a grande e importante preocupação com o conteúdo e a forma da sua apresentação, às vezes o elo mais fraco da corrente, que impossibilita ou dificulta a compreensão e assimilação deste conteúdo é justamente a acústica. O cérebro trabalha com o nosso sistema auditivo tentando filtrar o sentido das palavras em ambientes ruidosos ou reverberantes. Porém isto consome energia e acaba nos cansando. Esgotado o tempo de concentração neste processo, a mente fica a vagar. Ter um auditório com condições impróprias a uma boa comunicação lotado de pessoas pode iludir a muitos líderes fazendo com que imaginem estar cumprindo o seu papel de comunicar.

Os exemplos de deficiência acústica não se limitam ao conforto acústico para quem está no salão principal. Se estendem a questões como os vazamentos sonoros para áreas residências próximas e até mesmo entre os ambientes internos da igreja no caso de salas adjacentes do departamento infantil, por exemplo, em que não foi contemplado um isolamento acústico adequado.

 

 

- O Sr. sente alguma mudança na acústica das igrejas no decorrer dos anos?

Quando iniciei, as igrejas existentes haviam sido construídas nas décadas em que instrumentos amplificados não faziam parte da prática dos cultos.  Questões de ventilação, iluminação e temperatura normalmente ditavam a escolha de ambientes com materiais lisos e refletivos.

Mesmo nas construções mais recentes desenhados por arquitetos, a escassez de informação acústica em sua formação ou falta de compreensão da funcionalidade do espaço, se evidencia no desempenho acústico dos salões altamente reverberantes. Diversas das igrejas que atendi possuíam formas prejudiciais, como conchas e outras superfícies, que concentram o som em um ponto ao invés de promover a distribuição uniforme que deveria caracterizar o espaço acústico destinado às práticas de uma igreja. E equipamentos eletrônicos não resolvem problemas acústicos. Podem, no máximo evitar de exacerbá-los.

 


Superfícies côncavas focam a energia sonora ao invés de distribuí-la

 

A estética também gera circunstâncias que impedem uma boa sonorização. Sempre prezei pela estética, pois um dos meus valores é que

São os detalhes que diferenciam os projetos regulares e os de excelência.

Porém para que resulte a excelência, é preciso que sejam atendidas as questões prioritárias e há situações em que a estética tem que ceder à física.

Creio que houve, sim, avanços nestas questões, mas eles têm ocorrido muito lentamente e infelizmente os benefícios providos por projetos competentes ainda estão restritos a uma pequena porcentagem das igrejas. Mencionei, acima, a importância da multidisciplinariedade entre tecnologias nos projetos, e creio que estender a inclusão para o campo da acústica arquitetônica seja essencial para uma igreja que deseja ter um ambiente que atenda os seus membros com qualidade.

 

 

- Algo mais que gostaria de comentar?

Deixo uma palavra final aos membros das equipes técnicas das igrejas e seus líderes. Uma retrospectiva, dos meus 40 anos de serviço nessa área, aliada ao que presenciei e ao que ouvi de técnicos por todo esse Brasil nos meus workshops, projetos, eventos e, inclusive, o que leio de operadores no exterior, em grupos de internet, me leva a afirmar o seguinte:

Por mais que você estude, se habilite e desenvolva as suas capacidades, a sua atuação dentro do contexto de uma igreja será ou potencializada ou limitada por aqueles que a lideram. O apóstolo Paulo nos apresenta a analogia perfeita da igreja como um corpo.

 

“Pois bem, vocês são o corpo de Cristo, e cada um é uma parte desse corpo. Na Igreja, Deus pôs tudo no lugar certo [...] A cada um de nós, porém, ele concedeu uma dádiva, [...] Foi ele quem “deu dons às pessoas”. Ele escolheu alguns para serem apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e ainda outros para pastores e mestres da Igreja. Ele fez isso para preparar o povo de Deus para o serviço cristão, a fim de construir o corpo de Cristo.”
1Coríntios 12.27-28a / Efésios 4.7,11-12 (meu destaque)

 

Permitam-me repetir o conceito para destacar a sua importância:

Deus deu dons às pessoas para que elas os apliquem ativamente como membros da igreja-corpo. É Ele que coloca cada membro no lugar certo. Entre estes dons, Ele escolheu alguns para liderarem – para preparar o povo de Deus para o serviço cristão. Entendo que isto envolve muito mais que conhecimento teológico, para que a igreja-corpo cresça e se desenvolva, realizando os propósitos de Deus na terra.

Se você serve num contexto em que percebe estar apenas cobrindo uma escala. Se não existe este interesse da liderança no seu desenvolvimento para prepará-lo para o serviço cristão. Se não há um esforço intencional para que as suas habilidades e dons, e as dos demais membros que servem (tanto voluntários quanto staff) sejam desenvolvidos – para o bem da igreja-corpo. Se você percebe estar sempre praticando a sujeição e que não existe a reciprocidade ou mutualidade implícita no “uns aos outros (allelon no texto original grego),” a saúde da igreja-corpo em que você serve requer atenção. Imagine alguém que insiste em praticar corrida apesar de seu joelho estar lesado... O desgaste contínuo no meio da igreja não é saudável e nem plano de Deus.

Além do não desenvolvimento, existe a situação em que decisões são tomadas sem envolver o conhecimento que Deus concede aos membros que Ele enviou para servir em determinada área. Esta atitude, também infelizmente comum, resulta em que:

Os voluntários precisam trabalhar mais
para conseguir resultados inferiores
em seu serviço a Deus.

Como disse no início desta resposta, estas situações não são exceções. Minha recomendação para quem se percebe em conjunturas com estas é que você leve a questão a Deus em oração e procure levantar a questão em tom pacífico com sua liderança. Caso não observe resultados, indague de Deus se esta não seria uma indicação para buscar outra igreja-corpo mais saudável, porque você também é responsável perante Ele pelo desenvolvimento dos seus talentos e habilidades.

 

 

 

Há exatos 15 anos (na sua edição nº 142 de 9/2006) a revista Backstage encartou o conteúdo de uma palestra minha, no livreto intitulado “Coerência e Qualidade Técnica na Comunicação do Evangelho”. Até hoje, muitos técnicos, engenheiros e operadores de som me procuram para dizer como aquele material impactou a sua perspectiva no trabalho técnico para a igreja.

Estas considerações finais que faço aqui, integram um livro que me senti motivado a escrever ao longo destes anos. Os conceitos, fundamentados extensivamente em princípios bíblicos, vieram a se alinhar neste ano em que completei 40 anos de serviço técnico para a igreja.

O título é “Muito Além da Técnica – Sabedoria milenar que eleva o serviço técnico na igreja ao seu máximo potencial”. Espero lançá-lo até o final do ano, com a esperança de que seu impacto seja ainda maior que o do livreto de 15 anos atrás.

Agradeço ao Nelson Cardoso e ao Miguel Sá pela oportunidade desta entrevista. Considero sempre um privilégio poder compartilhar o que trago no coração!

 

 

Para entrar em contato com David Distler, mande e-mail para db@dbdistler.com

 

Obs. Fotografias e capa da apostila pertencentes ao acervo particular de David Distler é vedada a sua reprodução.

 

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