No início da década de 1980 a cidade de Miami, nos Estados Unidos, era o epicentro da indústria global de hits e pôsto do mundo para dançar. Selos incríveis como Salsoul e TK Records revelaram artistas memoráveis com o KC & the Sunshine Band, Miami Sound Machine, Charo, Anita Ward, Betty Wright e o simples mente sensacional Jimi “Bo” Horne. Quem não curtiu You Get Me Hot e Dance Across The Floor? Conversamos com o cantor, compositor, produtor e gênio musical da Black Music no final de 2021.
Alexandre Algranti - É uma grande honra te entrevistar, espero que você curta tanto quanto eu… Quando você decidiu se tornar um artista musical? E as suas influências musicais? O seu cover de Sitting By The Dock Of The Bay é um indicativo?
Jimmy “Bo” Horne- Foi na época do colegial quando eu vi os Temptations e os Chanteers, esta última uma banda da região de Palm Beach. Minhas influências estão em Otis Redding, James Brown, Sam Cooke, Brook Benton e Jackie Wilson.
AA - Temos um verdadeiro panteão aqui… (risos). Comecei a curtir sua música aos 10 anos de idade. O clipe de You Get Me Hot passou no Fantástico, um show de variedades dominical, e na segunda eu - e creio que milhares - foram comprar o seu disco. Como a música produzida no sul da Flórida no final da década de 1970 e início da de 1980 conquistou o mundo?
JBH - Todos nós estávamos na gravadora TK Records de Miami. Todos tinham um feeling e um gosto diferente, além de excelentes produtores que entendiam muito bem o cenário musical da época. Eu sempre gostei de música que tinha metais, e o Harry Wayne Casey da banda KC & The Sunshine Band e o Rick Finch escreviam para mim e montaram a minha banda chamada The Ocean Liners. E o “Miami sound” veio do Ocean Liners.
AA - E quaisa spectos da produção tornoua quela música tãofantástica?
JBH - Naquela época a música não era sintetizada, eram todos músicos tocando ao vivo que traziam seus gostos e sentimentos com aquela bateria gorda, baixo, guitarra rítmica, teclados sensacionais. Era um tempo onde os músicos criaram aquele som que se tornou o som de Miami.
AA - Quem eram os músicos por trás do som do Jimmy “Bo” Horne?
JBH - Ron Lewis Smith, o trompetista da Ocean Liners Band e o Jerome Smith com sua guitarra “apimentada”. A música era boa porque tocamos juntos, e todos amavam o que estávamos fazendo. O Rod Smith escreveu o meu hit Spank e o KC escreveuYou Get Me Hot, Dance Across The Floor, Gimme Some e muitos outros hits. Todos nós íamos para o estúdio e não era só trabalho, nos divertimos muito. Às vezes as sessões iam da uma da tarde até uma da manhã e nós nunca ficamos cansados.
AA - A TK Records foi o selo original da disco music?
JBH - Não posso dizer que foi o original mas foi um deles. Você tinha o Chic e outras bandas gravando disco music. Nós começamos a gravar disco music em Miami porque chegamos a conclusão que uma nova tendência estava mudando a música. A disco music era uma música para esquecer os seus problemas, você não tinha que se preocupar com o amanhã. Era simplesmente uma música feliz. Causava um bom sentimento e as pessoas gostavam de dançar junto.
AA - Qual a maior revolução na tecnologia de produção musical?
JBH - A produção musical chegou ao ponto em que você não precisa mais de cinco ou seis músicos, um tecladista e um técnico de áudio conseguem soar como cinco ou seis deles. Mas é como cozinhar. Dá para dizer quando existe uma receita e quando uma coisa é feita a partir do zero. Quando você grava com músicos de verdade e ao vivo você chega na realidade do sentimento da música. A tecnologia significa que você consegu produzir mais rápido mas nada vai trazer o sentimento dos músicos originais. Você nunca vai gerar o mesmosentimento que você tem com uma orquestra quando comparado com um só músico fazendo tudo.
AA - O fazer “ao vivo” da disco music era um componente importante? Aquelas bandas com diversos músicos versus um DJ de hoje em dia…
JBH - Nada se compara aos músicos tocando ao vivo porque quando eles estão no palco não há limitações.
AA - Você tocou no Vale do Anhangabaú em São Paulo em 2014 durante o Dia da Consciência Negra, tipo o nosso Martin Luther King Day. Você se divertiu?
JBH - Diversão não é a palavra. Quando você vai aos lugares onde as pessoas amam a sua música, em um local onde as pessoas estão honrando um dia especial, e mesmo não falando a sua língua, é uma experiência única. Como a minha empresária sabe, o Brasil é o meu país favorito. Falo isso com toda a sinceridade. Eu amo o Brasil.
AA- E o Brasil definitivamente ama o Jimmy “Bo” Horne. Quando teremos a honra da sua próxima visita? Nós te amamos!
JBH - Aí tem que ver com a minha empresária. Mas eu estou pronto e com uma banda de músicos brasileiros chamada “The Spank Band”. Eles são os meus caras e eu os amo. São caras maravilhosos que conhecem a minha música. São a minha família brasileira. Espero que eles leiam esta matéria, eu os amo de verdade!
AA - Tem algum novo disco à vista?
JBH - Na verdade, estou pensando em uma música sobre o quanto eu amo o Brasil, além de uma nova versão de You Get Me Hot. Qual dos meus hits você recomenda que eu regrave ?
AA - Dance Across The Floor pela sua riqueza sonora. You Get Me Hot obviamente é um grande hino mas Dance Across The Floor tem uma complexidade artística, por assim dizer, que é linda, é envolvente, o som percussivo do Hammond com os metais. Até meus amigos que tocam thrash metal e tocam punk ficam de queixo caído… É a sua obra prima.
JBH - Obrigado…
AA - É como o Funkadelic, beira ao orquestral… (Risos). Daqui a cem anos vai ser considerado música clássica. É muito rica, complexa, é uma das minhas dez músicas favoritas. Você deveria vir a Salvador, e no Carnaval. É o epicentro da Black Music raíz no Brasil. Imagino você num trio elétrico, o nosso “Sound System” Jamaicano, puxando um bloco.
JBH - Seria incrível.
AA - Além da banda Spank, com quais outros artistas brasileiros você gostaria de colaborar?
JBH - Gostaria de colaborar com qualquer artista brasileiro que gostaria de colaborar comigo. Quero voltar ao Brasil com algo verdadeiramente espetacular.
AA - Quais as suasrecomendações para os jovens que querem começar a tocar e produzir?
JBH - Aprender ao máximo sobre como tocar e produzir e sobre o business também. Muitos artistas se focam mais na performance do que no negócio. É importante conhecer o impacto da edição musical, saber sobre a propriedade das masters, sobre como escrever, sobre como a música pode ser usada em comerciais, o marketing para vender produtos licenciados. Hoje temos um mercado realmente global, não estamos restritos ao país de origem. E outra coisa, ser perseverante, eu tenho um ditado, “ao invés de desejar algo, trabalhe para algo”.
AA - Você já licenciou alguma música para um comercial?
JBH - Minha versão de Sitting On The Dock Of The Bay foi usada em um comercial na França e, mesmo sem ter sido o autor, isto me ajudou muito a entender sobre o business da música. Hoje eu sou dono das minhas músicas e negocio o seu licenciamento diretamente.
AA - Como o streaming está afetando o business da música? Você vê um impacto positivo?
JBH - Sim, eu vejo. O streaming permite tocar a sua música ao redor do mundo. É uma nova plataforma muito positiva que não nos machuca. Inicialmente você não ganha tanto se tivesse vendido uma cópia física mas dá para ganhar no volume. E as pequenas lojas de disco não existem mais aqui…
AA - É uma pena…
JBH - As pessoas gastavam horas em lojas de música mas isto não existe mais…
AA - Qual é o legado do “Miami sound”?
JBH - Nós fomos pioneiros do “Miami sound” e da disco, onde os músicos tocavam ao vivo para criar um sentimento musical que era original e sem restrições, que trazia as pessoas junto no estúdio que aprendiam umas das outras.
AA - Você foi convidado a tocar em Marte e vai levar alguns meses para chegar lá. Quais cinco discos você levaria na mala?
JBH - Levaria discos do James Brown, Marvin Gaye, Earth Wind & Fire, Chuck Brown and the Soulsters, The Temptations, Jackie Wilson, talvez tenha mais que cinco…
AA - Todos pedem para levar mais de cinco… Você pode levar dez, pode levar quantos quiser.
JBH - Otis Redding, Ben E. King, The Platters, Barry White, Babyface e Funkadelic.