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SUMÁRIO / Sumário

O legado musical de Chick Corea, por Márcio Chagas

17/02/2021 - 15:17h
Atualizado em 18/02/2021 - 11:26h

 

Tem músicos que pensamos ser imortais. Foi assim que imaginei Chick Corea desde que comecei a acompanhar seu trabalho ainda nos anos 80, sempre com semblante calmo, atrás de seu piano ou teclados, tocando acordes clássicos e intrincados sem perder seu olhar plácido e o bom humor.

 

 

Mas infelizmente a vida é efêmera, e o músico nos deixou no início de fevereiro após descobrir um câncer raro e não identificado. Difícil processar uma perda tão grande, pois Corea foi um músico que influenciou a maioria dos músicos, liderando ou colaborando com as mais diversas formações e projetos. Chick utilizava o piano acústico e sintetizadores com a mesma desenvoltura, possuía uma técnica abrangente, utilizando elementos de musica clássica, latina e até mesmo andamentos característicos do rock. Sua percepção musical era única, e seu senso de melodia se adaptava a qualquer ambiente musical.

 

 

A trajetória do músico começou cedo, seu pai, trompetista amador, lhe apresentou o piano ainda aos tenros quatro anos de idade. Aos oito, aprendia música clássica com o mestre Salvatore Sullo. Passou pouco tempo na Columbia University e seis meses na Juilliard School, o estudo formal era lento para o dinamismo do jovem Corea, que já se apresentava em eventos e pubs de jazz.

 


Chick Corea em 1978

 

Mas foi somente nos anos 60 que o pianista começou sua carreira profissional integrando o combo do percussionista cubano Mongo Santamaria e de lendas como o saxofonista Stan Getz. Mas seria ao lado do mítico Miles Davis que Corea começou a ganhar notoriedade. Sua intimidade com piano elétrico e sintetizadores chamou a atenção do trompetista, sempre à procura de músicos à frente do seu tempo. Chick gravou álbuns antológicos ao lado de Miles, como Miles at Filmore e das sessões do seminal Bitches Brew, considerado o marco zero da fusão do jazz com o Rock.

 

 

Ao deixar a banda do trompetista, Corea investiu brevemente no jazz de vanguarda com o grupo “Circle” e em 72 fundou o seminal Return to Forever, um dos maiores combos de jazz rock dos anos 70, que ao lado do Weather Report e da Mahavishnu Orchestra, formavam a santíssima trindade dos grupos de fusion, responsáveis por influenciar uma geração inteira nas décadas seguintes.

 

 

O estilo do músico foi determinante para consolidação da sonoridade do grupo, que teve sua formação clássica com a entrada do baixista Stanley Clarke, o baterista Lenny White e o guitarrista Al Di Meola. Seus teclados e efeitos faziam um contraponto perfeito com a guitarra de Meola. Apesar de seu entusiasmo com novas tecnologias, Chick nunca deixava de encaixar o piano acústico em seus arranjos, conseguindo assim o equilíbrio perfeito entre novas sonoridades e as raízes jazzísticas.

 


Foto: Luciano Vitti / Getty

 

Na metade da década de 80, o pianista resolveu criar um novo projeto denominado Elektric Band e para a empreitada recrutou jovens músicos do porte de Dave Weckl, John Patitucci, Scott Henderson, Frank Gambale e Carlos Rios.

 

 

Os anos 80 foram difíceis  para o jazz e fusion em geral, com o nascimento de artistas e grupos pejorativos que levavam o nome do jazz para caminhos completamente diversos. Porém, a genialidade do pianista mais uma vez se sobressai como compositor e arranjador, utilizando novas sonoridades e instrumentos. Um bom exemplo é a cadenciada Cool Weasel Boogie, que tem seu ritmo marcado pelo baixo acústico. O projeto deu tão certo que o músico criou paralelamente sua Akoustic Band, reduzido a um trio com Patitucci e Weckl.

 

 

Os anos seguintes foram marcados por intensas gravações e  participações ao lado de grandes amigos. Corea fundou sua própria gravadora e teve a sonhada liberdade musical, colaborando com músicos como Bela Fleck, Christian McBride, Eddie Gómez, Jack DeJohnette, e os amigos John Mclaughlin e Gary Burton.

 

 

Além de gravações e turnês com colaboradores, Chick continuava a fomentar sua carreira solo, gravando álbuns em trios, quartetos e sextetos e até mesmo piano solo, além de eventuais retornos de sua Elektric / Akoustic band e do Return to Forever. Chick em sua longa e vitoriosa carreira ganhou 23 Grammys e foi indicado um total de 67 vezes. Ele ganhou mais Grammys de jazz do que qualquer outro músico, superando outras lendas como Miles Davis e John Mclaughlin.

 

 

Apesar de sua inquietude musical, o músico tinha personalidade reservada e tranquila, era casado com a pianista e tecladista Gayle Moran por quase cinquenta anos. Corea nos deixou em 09 de fevereiro aos 79 anos e sua mensagem póstuma nas redes sociais, incentivando novos talentos e agradecendo a todos que o acompanharam ao longo dos anos só demonstra o quanto era uma pessoa amável e completamente desprovida de ego, com uma personalidade a altura de seu talento.

 


Foto: Frederick M. Brown / Getty

 

“Quero agradecer a todos aqueles ao longo de minha jornada que ajudaram a manter o fogo da música aceso. É minha esperança que aqueles que têm uma ideia de tocar, escrever, atuar ou de outra forma, o façam. Se não por você, então pelo resto de nós. O mundo não precisa apenas de mais artistas, mas também de muita diversão.

 

 

E para meus incríveis amigos músicos, que são como uma família para mim desde que eu os conheço: foi uma bênção e uma honra aprender e tocar com todos vocês. Minha missão sempre foi levar a alegria de criar em qualquer lugar que eu pudesse, e ter feito isso com todos os artistas que eu admiro tanto - essa tem sido a riqueza da minha vida.” Chick Corea.

 

 

O homem se foi, infelizmente seremos privados de ver Chick Corea no palco com seu brilhantismo habitual. Mas permanece a lenda e principalmente sua extensa obra marcada por uma qualidade inigualável.

 

 

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