Ninguém nota o que funciona 6: lidando com o tempo

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Hoje peço permissão para tomar o seu tempo focando justamente neste elemento essencial às produções chamado de tempo. Não tratarei dos milissegundos das latências, mas da aplicação dos diversos espaços do tempo para que as equipes de produção alcancem sua melhor qualidade. Devido à sua importância, esta abordagem tomará um tempo um pouco maior que o dos temas anteriores.

Entre as coisas que as pessoas raramente se dão conta quando chegam e assistem um evento bem-produzido, está o tempo dedicado à sua preparação. Nos temas anteriores, já comentei a importância de se trabalhar com antecedência adequada, justamente para haver tempo em que o processo criativo possa fluir. Agora detalharei um pouco mais do percebo estar envolvido nesta questão.

Primeiramente, surge a batida desculpa “não tenho tempo para isto.” Todos recebemos as mesmas 24 horas diárias sem um segundo a mais ou a menos. Se há quem realize menos nesse mesmo espaço de tempo, a questão não é a falta de tempo, mas como se organiza o tempo, priorizando e separando, ou não, o tempo necessário para atividades prioritárias. Logo, ao invés de achar que não temos tempo, a questão tem mais a ver com não darmos importância suficiente a uma atividade para lhe atribuir o tempo devido. Isto envolve a disciplina de dizer “não” a outras atividades que consumiriam o tempo a ser aproveitado nas atividades mais importantes.

Ser bem-sucedido em bloquear o tempo para uma atividade requer ter o conhecimento suficiente da atividade ou, pelo menos, alguma experiência nela para estimar o tempo necessário. Nem sempre acertamos, mas aprendemos errando, portanto, o importante é dar o primeiro passo, pois sem ele, nem mesmo aprenderemos pelo erro!

Na área técnica, podemos destacar várias atividades essenciais que exigem tempo:

- Pesquisar e buscar informações para nos inteirarmos dosdesenvolvimentos da nossa área
- Aprendizado e estudo da funcionalidade de equipamentos
- Ajuste/programação dos sistemas para obter o seu máximo desempenho
- Planejamento de execução (mapa de palco, Input Lists, Set Lists)
- Comunicação com áreas envolvidas (banda, iluminação, coreografia, projeção etc.)
- Montagem e checagem (Line Check)
- Ensaios
- Passagem de som
- Ensaio/s Geral/is
 

Pesquisa e informação

Vivemos bombardeados por informações. Com os smartphones, temos praticamente qualquer informação na palma da mão, se soubermos fazer a pergunta correta. Nestes tempos em que tantos vivem em função de produzir conteúdo para atrair tráfego aos seus perfis, é importante ter uma base sólida nos fundamentos do áudio para poder diferenciar entre conteúdo de qualidade e aquilo que não passa de “encheção de linguiça.” Saber separar uma informação técnica confiável dos textos de marketing duvidoso é uma habilidade indispensável para não perder tempo ou ser iludido!

Aprendizado e estudo do equipamento

A tecnologia digital nos disponibiliza recursos quase ilimitados, se tivermos orçamentos compatíveis. Porém, mesmo os equipamentos digitais que não estão entre os top de linha oferecem tanta funcionalidade e recursos que poucos usuários dominam todas as suas funções. Isto se aplica até mesmo aos equipamentos de uso diário, como celulares. Será um erro? Não creio que seja. Antes, serve mais como uma indicação daquilo que se prioriza.Ou seja, se for importante que eu domine todos os recursos do celular, dedicarei mais tempo a assimilá-los. Vale o mesmo para a sua console, você acabará aprendendo mais ou menos daquilo que ela lhe oferece conforme a importância que você atribuir a estudá-la. E, indo além do estudo teórico ou prático, a velocidade de execução só será alcançada através das repetições, em que treinamos realizar as sequencias de movimentos no menor tempo possível, otimizando o nosso fluxo de trabalho.

Ajustes e Programação

Mesmo tendo um conhecimento mais profundo dos recursos de um equipamento, este conhecimento só será útil se houver tempo para escolher e aplicar quais destes recursos são interessantes à produção em questão. É preciso tempo para pesar os prós e contras de uma configuração ou outra e o tempo necessário para programar o equipamento na configuração desejada. Embora seja possível fazer algumas alterações no “ao vivo” isto raramente é recomendável, sendo mais prudente fazer com antecedência suficiente para testar e ajustar nos ensaios e passagem de som.

Antes de embarcarem nas turnês, as grandes bandas bloqueiam vários dias de tempo para ensaios, não apenas para acertarem detalhes das músicas, mas para que seus engenheiros possam chegar no som desejado. – E como produzir o som de uma banda envolve uma quase infinidade de detalhes, a sonoridade, tipicamente, ainda vai sendo aprimorada ao longo do tempo dos primeiros shows em uma turnê.

Planejamento da Execução

Os recursos oferecidos pelos equipamentos são como ferramentas, que podem ser bem ou mal aproveitadas. Para se alcançar o resultado desejado de uma ferramenta é importante saber usá-la corretamente.

Na igreja, as ferramentas técnicas devem ser usadas para proporcionar inteligibilidade e qualidade às pessoas que assistem presencial e remotamente, aos músicos e outros colegas que participam conosco da produção. Lembrando que, para quem assiste sem ter conhecimento técnico, uma falha na qualidade será percebida apenas como falha, independente da área em que ela tenha se originado. Daí, vemos a importância de tempo para nos debruçarmos sobre mapas de palco, Input Lists e outras fontes de informação sobre o que produziremos, para escolher e configurar os sistemas para melhor atender à produção.

Assim como em projetos de instalações, uma “receita de bolo” padrão, pré-configurada, dificilmente atenderá todas as necessidades práticas e criativas de uma produção. É necessário tempo para customização, em que alinhamos os recursos oferecidos pelo sistema às necessidades de quem está no palco e na plateia.

Comunicação com Áreas Envolvidas

Para alcançar a sua melhor qualidade, esta customização não deve se limitar apenas às ideias e informações que temos na nossa cabeça. É importante dedicar tempo para captar ideias e informações de todas as partes envolvidas, pois isto expandirá o nosso foco aos outros detalhes que impactam a qualidade da produção. Pouco adianta alguém entender tudo de áudio se não se comunicar com a banda para entender as suas expectativas sobre aquilo que ela deseja comunicar na apresentação e, assim, configurar o sistema e mixar de acordo com esse propósito.Um exemplo simples, seria cabear todo o palco para atender uma Input List sem consultar o mapa de palco, para então descobrir que a banda prefere outra disposição.Terá se perdido este tempo que poderia ser mais bem aplicado em outra coisa! Comunicar custa pouco e pode economizar muito!

Montagem e Checagem (Line Check)

Uma das grandes vantagens de se planejar, pré-configurar e programar é que a montagem dos sistemas pode ser realizada em tempo mínimo, sem interrupções, seguindo as planilhas e diagramas já preparados.Com este preparo anterior, basta apenas conectar o que já foi planejado, sem precisar parar de montar para pensar em como atender às necessidades. Elas já foram consideradas anteriormente com amplo tempo e tranquilidade.

Na verdade, conhecendo à dinâmica que envolve as produções, não é raro surgirem mudanças e imprevistos. Portanto, nada melhor do que já ter todo o resto do sistema pensado e pré-configurado pois isto nos permite ter tempo para focar na alteração em questão.

Creio que não sou o único a preferir iniciar um trabalho em um dia, tendo tempo para retornar ao mesmo no dia seguinte com a cabeça descansada para perceber aspectos dele que podem ser aprimorados. Como sempre digo, a excelência se revela por meio dos detalhes, porém, passar horas focados em detalhes pode dificultar a nossa percepção do geral. Por isto, poder processar um projeto em etapas, com intervalos em que podemos “resetar” o foco é sempre preferível. Perceba que tanto o processar dos detalhes quanto os intervalos entre estas fases de processo são compostos de: tempo! A ausência de tempo para estes períodos de foco intensivo e intervalos, normalmente resultará em projetos de qualidade inferior, sem nem pensar no estresse e desperdiço da correria. Entre os apotegmas de Erasmus de 1542 já constava: “A pressa leva ao desperdiço”. E isto inclui desperdiçar tempo!

Uma vez montados os sistemas, o tempo para Line Check é essencial para confirmar conexões, funcionalidade dos equipamentos e poupar a banda de perder tempo esperando que sejam resolvidas questões técnicas. Como digo, emprestando um termo da área da informática, o alvo deve ser proporcionar uma experiência “Plug and Play” em que os músicos plugam seu instrumento, desmutamos a entrada e eles já tem o seu som no retorno precisando apenas de ajustes finos.

Ensaios

A rigor, ensaios se referem ao tempo em que a banda aprende as músicas e acerta as partes a serem tocadas pelos seus integrantes. Com a facilidade atual de se compartilhar arquivos e das conexões remotas de baixa latência, que permitem ensaios descentralizados, nunca foi tão fácil a banda chegar com as músicas já acertadas para a passagem de som, mesmo que seus integrantes não tenham tempo para se deslocarem até o local de ensaios presenciais antes da passagem de som.

Passagem de Som

Quando os ensaios foram bem conduzidos, a banda chega preparada e a equipe técnica já montou, configurou e fez o Line Check, possibilitando a experiência “Plug and Play,” a passagem de som fica simples e leve.O tempo será corretamente aproveitado para pequenos acertos de nível ou equalização e principalmente, para o operador de som se familiarizar com as músicas e a forma em que serão tocadas. Por outro lado, se a banda ainda precisar ensaiar, tomando o tempo para parar e voltar diversas vezes até acertar partes de uma música, e já pulando para outra na sequência, o operador não terá a possibilidade de sentir a música como um todo. Isto dificultará o seu trabalho, especialmente se ele não tiver embasamento para leitura de partituras ou cifras. A chance de ele assimilar a música como um todo estará perdida, limitando a possibilidade de ele mixar com a melhor qualidade ao seu alcance.

Ensaio/s Geral/is

Embora os cultos se beneficiariam de uma passagem geral, mesmo que simplificada, para acerto e compreensão das transiçõesde um momento para outro, isto raramente acontece devido à tal “falta de tempo.”  Porém, é erro grave se esperar que em produções maiores todos os elementos se encaixarão magicamente sem haver, no mínimo,um ensaio geral!

Assim como na passagem de som, ao se iniciar um ensaio geral, as partes executadas por bandas, coral e orquestras já precisariam estar dominadas pelos músicos para que o ensaio não siga aos trancos, parando e tomando o tempo para acertos nesta área pois isto prejudica as áreas do som, vídeo, iluminação e transmissão. Obviamente uma parada ou outra acabarão ocorrendo, mas devem ser exceção e não regra, como em muitos casos.

A necessidade é que as equipes técnicas consigam visualizar o fluir da apresentação do início ao fim, para entender as transições necessárias no som, imagem e iluminação. Assim como as transições entre partes de uma música requerem a compreensão e ensaio dos músicos, as transições técnicas requerem preparo e compreensão antecipados, para serem bem-feitas e executadas sem atrasos ou imprevistos. Quando um ensaio geral for continuamente interrompido por questões da música, o tempo dos membros da equipe técnica no ensaio acaba sendo praticamente desperdiçado, por não conseguirem experimentar o fluir da programação e poderem se compreender e preparar adequadamente as transições de som, luz e imagem. Neste sentido, faz se importante o papel de um diretor de programação que possa processar previamente com o diretor técnico as necessidades das transições para que a equipe já inicie o ensaio geral com um programa mais detalhado.

Tendo já participado de muitos eventos com coral, orquestra, banda, e equipes de coreografia e dramatização compostas por voluntários, compreendo perfeitamente que é quase impossível estas partes estarem integradas a ponto de não precisar realizar ajustes em vários ensaios gerais.Também entendo o desafio e custo de reunir todas estas pessoas para os ensaios. Porém fica a pergunta: Se chegamos ao ponto de realizar um ensaio geral ao custo de milhares de horas homem, não se justifica o esforço coletivo para realizar um segundo ou terceiro ensaio geral, mesmo que seja na tarde antes da apresentação?

Se todo o esforço acumulado ao longo de meses visa uma apresentação única, os membros das equipes técnicas também têm o direito de um tempo em que se preparar da melhor forma possível. Isto envolve um ensaio em que a programação corra sem interrupções por questões musicais, ou outras, para que as técnicas possam se alinhar e acertar. Difícil é ouvir, depois das milhares de horas homem investidos em ensaios separados, que “não há tempo” para mais de um ensaio geral.

Lembrando, novamente, que para quem assistirá a apresentação, sem conhecimento técnico, uma falha, proveniente de qualquer área que for, irá causar distração e quebrar o fluir da mensagem que se busca apresentar. Assim, se ocorrer uma falha técnica por não ter havido um ensaio geral sem interrupções, de pouco valem os elementos musicais terem sido apresentados com perfeição!

Conclusão

Uma frase que li há uns 15 anos se faz bastante apropriada nesta consideração:

A melhor forma de se desmotivar um voluntário é obrigando-o a desperdiçar o seu tempo!

Creio que a maioria dos que disponibilizam o seu tempo para servir querem produzir a melhor qualidade ao seu alcance. Não apenas por estarem deixando de realizar outras atividades ou de estar com as suas famílias, mas por estarem prestando um culto a Deus.

Muitas vezes me vem a percepção de que, indo além da sua essencialidade primária, o serviço técnico e voluntário na igreja apresentam uma das comprovações mais práticas de seguirmos, ou não, os princípios básicos da fé cristã.

O conceito que chamo de “Plug and Play” por exemplo, nada mais é do que servir ao próximo, indo à frente com o nosso conhecimento com o propósito de preparar o caminho para que os músicos consigam alcançar o seu melhor desempenho e a congregação adore a Deus sem distrações. Aqui existe, também, uma faceta de liderança, pois liderar é ir à frente usando do seu conhecimento para conduzir pessoas a uma condição melhor. Isto requer aumentar a abrangência da nossa atenção para estarmos sensíveis às necessidades do próximo, cumprindo também este princípio bíblico que já mencionamos.

Quando estas características bíblicas ocorrem naturalmente entre os membros de uma equipe de produção, o nível de qualidade poderá se estender muito além daquele alcançado apenas pelo conhecimento e competência técnica. Mas é claro que isto requer tempo.

Qual a sua prioridade de tempo nesta questão, meu amigo técnico, músico ou líder? 

Até a próxima!