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REPORTAGENS / Matérias Completas

#TBT Backstage com Phil Ramone

23/07/2020 - 08:50h
Atualizado em 30/07/2020 - 13:32h

Fotos: Ebet Roberts / Redferns / Divulgação / Arquivo Revista Backstage
Reportagem: Maurício Gargel e Rodolfo "Castor" Santana

 

A conferência da Art of Record Production, em Massachusstes, começou bem. Em uma entrevista especial feita por Maureen Droney (diretora executiva do NARAS) o produtor e engenheiro de áudio Phil Ramone, 67 anos, contou histórias marcantes, relembrou os velhos tempos e falou da atual situação do mercado de discos. Relembrou seus momentos como engenheiro de gravação quando subia em uma escada na tentativa de achar o melhor lugar para posicionar o microfone. No final, autografou cópias do livro Making Records - lançado há aproximadamente um ano atrás.

 

O evento reuniu cerca de 200 profissionais na Universidade de Massachussets. Caracterizou-se como um acontecimento acadêmico e ao mesmo tempo uma grande reunião de profissionais do mundo todo.

Uma lista resumida dos artistas que confiaram a Phil Ramone seus trabalhos: Frank Sinatra, Ray Charles, Paul McCartney, Bob Dylan, Paul Simon, Madonna, Tony Bennet entre outros.

Phil participou do primeiro disco comercializado em CD que foi “52nd Street”, de Billy Joel.

Além disso, Ramone trabalhou em televisão, teatro e cinema.

Ramone gravou Marilyn Monroe cantando “Happy Birthday, Mr President” para o presidente americano John Kennedy. “Eu era muito novo, uma criança na época”, diz.

Seu primeiro sucesso como técnico – e também o primeiro GRAMMY – foi em 1965, quando gravou “Garota de Ipanema”, com Stan Getz e João Gilberto na voz de Astrud Gilberto. “Seis meses depois”, disse Phil, “a música era um sucesso e todos os brasileiros vieram para Nova York”. Na noite do evento Phil Ramone contou várias histórias (muitas que estão no livro) e ressaltou que a idéia de seu trabalho é “servir o artista”. “Raiva e autoritarismo não funcionam. Extrair lentamente aquilo que o artista tem de melhor funciona.”

 



Em 1993, Phil Ramone propôs a gravação do projeto DUETS para Frank Sinatra. Nove anos após a última gravação de Sinatra, o disco foi um sucesso de vendas.

Em uma rápida entrevista no lobby do DoubleTree Hotel, em Lowell, Phil Ramone, muito receptivo, falou um pouco de seu livro “Making Records” e sobre seu trabalho como produtor. Ele falava calmamente e demonstrou todo o amor que sente pela música ao responder às perguntas com sua voz marcante e grandiosa.

 


Maurício Gargel e Phil Ramone

 

Backstage: Então você começou como um engenheiro e depois se tornou um produtor?
Phil Ramone: 
Sim. Isso mesmo

 

Backstage: Como foi essa transição?
Phil Ramone: 
Foi uma transição lenta. Porque você deve ter uma reputação como engenheiro, e eu me desafiei a ser o melhor, e criei essa reputação. Toda vez que eu dizia que adoraria produzir um disco, me falavam “Adoramos você como engenheiro, fique longe de produção”. Então um cara chamado John Barry reservou o estúdio para fazer um filme chamado Midnight Cowboy, e ele era um desses caras muito generosos e disse “ Porque você não produz essa trilha sonora?”. Ela foi um sucesso, e então eu ainda fui o engenheiro de muita gente e um monte de artistas, mas esse foi o divisor de águas.

 

Backstage: Quanto tempo antes do primeiro trabalho de produção?
Phil Ramone:
 
O primeiro trabalho de produção realmente foi por volta de 1969 ou 1970, mas eu vinha trabalhando tecnicamente há 10 anos. Isso era naquele tempo porque hoje você pode dizer “gravado e produzido por…”, se você fez ambos.
O bom dos grammys é que você tem que provar que realmente participou do disco. Muitas pessoas eram colocadas no projeto para ajudar a dar o próximo passo, e isso não é comum hoje. Ter o nome no disco atualmente parece não ter o mesmo sentido de antigamente.

 

 

Backstage: Era difícil na época?
Phil Ramone: 
Sim. Com certeza. Produtores de renome eram escolhidos para produzirem a próxima jovem estrela a ser lançada, o que era um problema. Mas, uma vez realizado o trabalho estávamos iniciados... Foi bem difícil nos primeiros anos, mas continuei insistindo como engenheiro o tempo todo.

 

Backstage: Então, podemos dizer que você escolheu fazer discos, mas porque decidiu escrever o livro “Making Records”?
Phil Ramone: 
Ao longo dos anos as pessoas me perguntavam porque eu não havia escrito um livro, e - de maneira egoísta - eu não queria escrever um livro sensacionalista. Eu não queria escrever essas lendas sobre os bastidores. Não é uma coisa legal de se fazer. Minha proposta era uma coisa mais informativa, que te colocasse em contato com o trabalho que era realizado. Isso é que faz “Making Records” parecer um titulo simples, direto. Uma espécie de bastidores sem dizer que fulano usava drogas ou ciclano fez sexo na sala…nada disso tem importância. Não para o artista.

 

Backstage: Qual é o público alvo desse livro?
Phil Ramone:
 
Eu pensei mais em um público que não sabe nada sobre o assunto. Pessoas “normais”. O livro nunca foi rotulado como um livro sobre os bastidores. Tem muita coisa no livro que ninguém sabe e, apesar disso, não é um livro de fofoca. Eu gostaria de ter feito um livro DVD, com imagens e sons dos bastidores, pois considero realmente importante que as pessoas aprendam o que é fazer discos.

 

Backstage: Primeiro o LP, depois o CD e agora a distribuição da música está sendo redefinida novamente, com a internet. Você acha que essas mudanças alteram a sua maneira de trabalhar?
Phil Ramone:
 
Não. O que me importa é “como está soando no começo de tudo”. Eu tenho o objetivo de fazer um tour por colégios, não faculdades..... quero pessoas novas....para montar bons sistemas de som de modo que os mais jovens possam ter uma experiência sonora. Algo que eles nunca ouviram antes, porque o próximo estágio é o MP3, e isso é bom e ruim ao mesmo tempo. É como ir ao cinema. Ver TV em casa é uma experiência diferente de estar num ambiente onde há um público.
Antigamente havia gravações ao vivo que não tinham muito êxito porque o ouvinte não estava “lá”, ele nunca ouviu aquilo. Não tínhamos o “full surround”….. e isso é triste, porque você não se sentia lá. A única maneira de educar é dar exemplos e falar sobre o assunto. Eu escrevo no huffington post que é totalmente distribuído pela internet, é basicamente um jornal que não é impresso. Lá nós falamos sobre álbuns que você talvez não lembre e coisas lançadas que você pode não ter escutado.

 

 

Backstage: Você considera o surround uma forma de dar essa experiência?
Phil Ramone:
 
Sim. Com certeza.
Um amigo meu – Elliot Scheiner - desenvolveu o sistema surround para carros, da ELS Series. Nós levamos carros a alguns lugares com o sistema montado e havia uma fila para ficar no carro por cinco mintos e foi realmente impressionante, muito bom.

 

Backstage: É outra experiência não é? Muito melhor.
Phil Ramone:
 Completamente, é como ir ao cinema em vez de assistir em uma tela de 30.



Backstage: Bom o que você pensa ser essencial em um estúdio para fazer um bom disco? Tecnicamente ou mesmo emocionalmente? E, ao mesmo tempo, o que é totalmente desnecessário?
Phil Ramone:
 
Bom, o pro tools guiou o caminho. Steinberg é incrível, ele criou um equipamento caseiro mas muito profissional. Então você precisa praticar, trabalhar de graça para as pessoas e praticar, fazendo trabalhos ao vivo, por exemplo. Quando você vai para o estúdio precisa saber onde posicionar os seus microfones, saber o que está fazendo.
Pro tools não custa muito. “ Eu não deveria ter dito isso . Agora eles vão aumentar o preço” ( risos ). A coisa mais importante é saber bem o que está fazendo, eu ainda acredito em captar o momento. Se as coisas estão acontecendo agarre-as, elas podem não acontecer outra vez. O posicionamento dos microfones e um bom preamp são muito importantes, provavelmente mais importantes que a qualidade do microfone. Um bom preamp pode fazer um microfone de preço mediano soar muito bem. O posicionamento do mic é decisivo e também saber lidar com os vazamentos.

 

Backstage: Você falou sobre posicionamento, e eu ouvi falar sobre você procurar o “sweet spot”, esse “pedaço de ar” que você pode captar usando um microfone e fazendo coisas malucas no ar a procura dele. O que você tem em mente quando quer ouvir esse pequeno “pedaço de ar”? O que você pensa nesse exato momento?
Phil Ramone:
 
É o detalhe. Detalhe significa ouvir tudo no nível daquilo que está sendo tocado. Se é um show de rock ao vivo, ele será bem alto, então o que você escolhe para ser captado? Muitas bandas não gravam mais ao vivo, talvez baixo e bateria, depois guitarra e teclado separado.

 

Backstage: Esse microfone é para ser usado somado aos outros canais, ou para funcionar sozinho?
Phil Ramone:
 
Ele pode funcionar sozinho se você tiver uma sala decente.
Se você estiver em um estúdio comum.... eu diria que existem “vários” estúdios comuns.



Backstage: Ele possui parte do som ou você tenta captar todo o som?
Phil Ramone:
 
Eu gosto de saber qual a intenção da banda. Se você está gravando um instrumento de cada vez, quando o músico senta no piano para tocar uma demo, você tem que estar consciente que está captando aquilo. Em um momento desses a pessoa canta sem pensar, tocando forte o piano e cantando forte, mas isso é o que Billy Joel faz, nenhum de seus vocais são overdub. Quando ele canta no microfone com essa proximidade, o piano é protegido com cobertores e é microfonado por baixo deles razoavelmente perto. Tem um truque quando o piano é mono, que é colocar um pequeno microfone omnidirecional no segundo buraco do piano. Se você olha do ponto de vista do pianista existem 3 buracos dentro do piano. O primeiro fica à direita dele e o segundo no meio perto da tábua. Quando você coloca um microfone omnidirecional no segundo buraco, você tem um sinal mono com todo o som do piano.

 


Foto: Larry Busacca/Getty Images for Songwriter's Hall of Fame

 

Backstage: Mas você usa esse sinal junto com uma microfonação estéreo?
Phil Ramone:
 Sim, um microfone estéreo ou dois microfones em estéreo. Pode ser perigoso por causa do cancelamento de fase por estar usando vários microfones. Com esse microfone não tem espaço para problemas com fase. Isso te ajuda a pensar.
Bom, a pior coisa a se fazer é tentar gravar um bom piano direito. É impossível... Se considerar um Bosendorfer ele faz um monte de barulho quando usa os pedais e você não consegue eliminar esse barulho…terá que simplesmente captar o som e o ruído virá junto.

 

Backstage: Quais os instrumentos mais desafiadores para gravar?
Phil Ramone:
 Voz e piano.

 

Backstage: E considerando a sala, por exemplo, em microfonações de média distância. Qual o instrumento mais desafiador?
Phil Ramone:
 Ainda considero o piano o mais difícil porque quando tocado forte há a questão da distorção. Se a cantora canta como Aretha ou Ray Charles....eles cantavam perto do microfone, Aretha também mas quando ela começava a gritar, o que acontecia bastante, você não queria distorção, não podia pedir para fazer o take outra vez, eles nunca queriam fazer o take novamente. E se ela estava se sentindo confortável e queria ficar perto do piano, e daí? Você não pode mudar isso...

 

Backstage: Voltando às questões de produção, o que é um produtor musical hoje em dia? Quais as características de um produtor de sucesso?
Phil Ramone:
 Produtores e engenheiros precisam de características similares. Engenheiros normalmente não levam muito o crédito, mas merecem. Comigo, ele tem que estar pronto na hora em que eu disser gravando. Isso significa que ele precisa ser rápido, precisa ser objetivo. E a parte mais importante é estar preparado para evitar possíveis distorções. E não pare para se desculpar, não adianta (risos).



Backstage: Hoje em dia nós vemos artistas que compõem, produzem, gravam, masterizam e distribuem o próprio trabalho. Talvez sejam duas perguntas em uma, mas as relações mudaram completamente. Como é o relacionamento do artista com o produtor e também do produtor com o engenheiro?
Phil Ramone:
 
Ter alguém que é realmente competente com o pro tools é bom, mas se eles não usam os faders, eu geralmente não trabalho com eles, porque se eles usam apenas o mouse, e ajustam tudo com o máximo ganho no compressor eu digo: “a única coisa que estou ouvindo é compressão, e eu não gosto disso”. Ou ao contrário, se o cantor é afinado ou não, sempre temos a opção de afinar. São truques e opções que podem ser usados… podem!
Existem truques que às vezes não são usados, ou, não precisam ser usados. Se você realmente se concentra nesses aspectos, e o engenheiro te dá cobertura (sendo verdadeiramente bom no que está fazendo), esse é o relacionamento perfeito. Se algo não funciona você tem que fazer alguma coisa.

 

Backstage: Bem, últimas questões. Eu sou professor e tenho alguns alunos, deixe uma mensagem para eles. Estão começando e tentando entrar nesse complicado mercado.
Phil Ramone:
 Primeiramente eles estão de parabéns, estão sendo ótimos por não serem preguiçosos sobre gravação, não serem dependentes e apenas deixarem os volumes iguais, isso não é fazer música. E é preciso ter o Amor pela música dentro de você, ter o conhecimento técnico a seu favor e não o contrário. Não diga: “o quanto alto vocês vão tocar?” , isso é um insulto para quem está tocando; “qual é a passagem mais alta?”, isso não faz sentido para os músicos. E a outra questão é se você começar a pensar: “como está o mercado?”, “para onde estamos indo?”, “o que vamos fazer?”. Oh meu deus! Você vai desistir porque isso tudo é muito desanimador. Estamos em transição e a excelência vai vencer. Agora, quem vai lançar os discos? Como vai lançar? Provavelmente vai ser uma experiência de contribuição entre o artista, o pequeno estúdio e a distribuidora, todos como sócios. Não existem vendas, não existem CDs.
O fato é que você pode ter um pequeno estúdio, pode gravar no armário hoje em dia. Não tem que ser grande para fazer um bom trabalho atualmente.

 

Backstage: Falando nisso, qual a diferença entre uma demo e um disco propriamente dito?
Phil Ramone:
 Nenhuma, se você for bom.
Digamos que você não tenha dinheiro e que você grave e cante ..e toque sua guitarra e talvez um baixo e uma bateria atrás de você e ....você faz tudo em dois canais. Ok, não existe um acabamento na mixagem, mas tem a ver com o que você capta. Penso que isso é o que importa.

 

Backstage: Muito obrigado, foi um grande prazer.
Phil Ramone:
 Obrigado.

 

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