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REPORTAGENS / Matérias Completas

João Donato e o suingue da bossa nova

17/07/2023 - 16:37h
Atualizado em 17/07/2023 - 17:28h

 

Após cerca de dois meses passando por diversos problemas de saúde, faleceu João Donato. Nascido no Acre, em 17 de agosto de 1934, se mudou para o Rio com a família quando tinha 11 anos. Começou a tocar profissionalmente ainda com 15 anos, como acordeonista. Começou a se projetar como pianista no decorrer dos anos 1950, participando, na noite do Rio de Janeiro, do mesmo ambiente musical criativo de Tom Jobim, João Gilberto, Johnny Alf e Dolores Duran, que deu origem à bossa nova. Aqui, uma curiosidade: namorou com Dolores Duran quando tinha 17 anos e ela 21.

 

No fim da década, teve um convite para uma temporada nos EUA e ficou por lá, onde tocou com orquestras de jazz afro-cubano como as de Mongo Santamaría, Johnny Martinez, Cal Tjader e Tito Puente. No decorrer dos anos 1960 teve outras idas e vindas entre o Brasil e os EUA até voltar de vez nos anos 1970, não sem antes lançar o LP “A Bad Donato”. Este trabalho se tornaria, anos mais tarde, um de seus  trabalhos mais cultuados, misturando as sonoridades de sua musicalidade particular com os experimentalismos que aconteciam na música pop da época.

 

A partir do LP “Quem é quem” começou a acrescentar letra em suas músicas e cantá-las, lançando clássicos como “Chorou chorou”, “Até quem sabe”(com Paulo Cesar Pnheiro”, ´Ê Menina”(com Gutemberg Guarabyra), “Flor de maracujá”(com o parceiro mais frequente, o irmão Lysias Ênio), “Bananeira” e “Emoriô”(com Gilberto Gil) entre muitos outros.

 

Depois de lançar “Lugar Comum”, em 1975, passou 20 anos sem gravar trabalhos próprios, com exceção do instrumental “Leilíadas”, mas fez arranjos para diversos trabalhos importantes na MPB. Voltou aos discos próprios com força em 1996 com o álbum “Coisas tão simples”. A partir daí iniciou nova fase da carreira na qual, além de revisitar sucessos antigos, teve intensas trocas com as gerações mais novas de músicos, sem nunca deixar de fazer shows, e  tornando ainda mais colorido seu caldo musical até falecer em 17 de julho de 2023.

 

Em 2007, a Revista Backstage fez a cobertura do Festival de Jazz de Búzios, em 2007, onde fez entrevista exclusiva com o músico que pode ser lida abaixo.

 


 

 

João Donato é um dos nomes da música brasileira mais respeitados no Brasil e no exterior. Durante 10 anos tocou nos EUA, onde conviveu com a música afro-cubana e trouxe novos sons para a música brasileira.

 

João Donato passou os anos 50 ajudando a construir o som que logo viria a ser a bossa nova. No fim desta mesma década, devido à incompreensão do seu som, teve de ir aos EUA tentar a vida. Acabou ficando treze anos por lá. Na Califórnia, conviveu com a nata do jazz afro-cubano, com nomes como Tito Puente, Mongo Santamaría e outros, como Eddie Palmieri e Herbbie Man. Participou de vários trabalhos e fez discos próprios – como A Bad Donato - até voltar ao Brasil, já com o seu som inconfundível e músicas na bagagem como The Frog, Amazonas e Cadê Jodel.

 

Já por aqui, fez novos discos e parcerias com nomes como Caetano e Gil, começando também a fazer canções com letra e trabalhar como arranjador, além de continuar a se apresentar como músico de jazz até hoje por todo o mundo.


Revista Backstage -Você tem tocado em muitos festivais de jazz no Brasil?

João Donato - Tenho tocado bastante. No Brasil estive no Festival de Guaramiranga, no Ceará, e no Festival de Goiás. Também teve um em Parati. São festivais de jazz, misturados com festivais culturais, com diversas vertentes da música brasileira e do jazz. Também tenho estado bastante ocupado entre apresentações e gravações. Agora estou esperando o lançamento de um novo disco gravado ao vivo com o saxofonista Bud Shank, no Mistura Fina, no Rio, que vai sair no final
do ano, ou início do ano que vem.

 

Revista Backstage - Como é a sua relação com a música afro-cubana?

João Donato - Isso vem desde a minha viagem para os EUA. Em função da dificuldade de adaptação uma vez que não existia música brasileira por lá na época em que eu fui, tive que me virar para o meio de sobrevivência nos EUA na época, que eram o mambo e o tcha tcha tcha, ritmos que estavam na moda. Havia muitas orquestras latinas trabalhando constantemente e empregando músicos americanos. Um dos desenvolvimentos das orquestras latinas foi a introdução de músicos americanos nas seções de metais. Os cubanos eram e são muito bons percussionistas, mas existia uma época em que você notava a diferença entre as orquestras americanas dos anos 60 e as outras do resto do mundo. A orquestra latina dos mexicanos, porto-riquenhos e cubanos usava os metais tocados por americanos. Isso deu um progresso na música deles. E foi o que aconteceu comigo, passei a freqüentar as orquestras latinas junto com os americanos em busca de emprego.

 

Revista Backstage - Foi difícil adaptar o seu jeito de tocar à música Cubana? O que tem de diferente?

João Donato - A adaptação foi apenas no início, quando existia a divisão entre jazz, música latina e música afro-cubana. A música afro-cubana foi o que me salvou. Ela não tinha um estilo definido. Era uma música em que eu podia usar meus recursos naturais, me adaptar, absorver e influenciar reciprocamente. Naquelas orquestras latinas era difícil se enturmar. Eu era difícil de me enturmar inclusive na música brasileira. Quando cheguei lá nos EUA tive problemas para encontrar o jazz, estava a música latina. Por sorte minha encontrei o Mongo Santa Maria, que tocava o estilo afro-cubano e me chamou para formar uma orquestra. Aí comecei a trabalhar e não parei mais. 

 

Revista Backstage - Na volta ao Brasil, você chegou com um estilo diferente...

João Donato - Quando cheguei ao Brasil, já estava todo modificado. Já saí diferente, voltei de lá mais diferente ainda. Aí comecei a colocar letras nas músicas. Agostinho dos Santos, um cantor paulista, encostou comigo às vésperas de uma gravação instrumental de piano e comentou: ‘instrumental de novo? Você coloca umas letras e a gente canta no ouvido das moças’. Aí um dia gravei o Quem e Quem, que foi meu primeiro disco cantado do começo ao fim. Daí não parei mais, porque vi que dava um certo resultado, que outros cantores pegavam músicas do meu disco e as gravavam com mais popularidade e resultados. Foi uma coisa muito frutífera. Colocar letras nas músicas deu mais divulgação e sucesso financeiro, aí me dediquei a ser um escritor de canções. Todo mundo escreve suas melodias, mas até virar uma canção, depende da letra certa, do intérprete que vai dizer aquilo...

 

Revista Backstage - Aqui em Búzios você está usando um piano eletrônico. Você gosta?

João Donato - Eu não gosto... É que em muitos lugares não tem o piano, então vem uma maquineta, uma pianola, você não pode dizer ‘então não toco’. As casas estão com menos pianos. Existem muitos lugares, mas poucos pianos. Piano não tem comparação... A resposta dele é outra coisa, é viva. O instrumento elétrico está ligado, no volume em que estiver ligado. Não tem uma personalidade, não tem alma. 

 

Revista Backstage - Tem outros teclados que você toca, como o Fender Rhodes?

João Donato - Em uma gravação eu gosto de tê-lo por perto, mas o meu instrumento preferido é um piano comum. 

 

Revista Backstage - Você tem discos com parcerias bem variadas. Desde Marcelo D2 a Marisa Monte...

João Donato - Fui chamado por estes mais novos, Marisa Monte, D2, Marcelinho Da Lua... Eles me telefonam para gravar com eles. Há uma colaboração mútua. Já fui à gravação deles, agora eles vêm gravar um pouquinho comigo, para ver se a mistura dá um novo ar na música, para ter outra percepção de onde a música está indo. Eles vêm com pensamentos mais fresquinhos.

 

Revista Backstage - Que música escuta em casa? 

João Donato - Eu escuto aqueles jazz mais antigos. Adoro ouvir um bebop com Horace Silver ou Stan Keaton. É difícil uma personalidade nova aparecer e não vir influenciada pelos originais, que são músicos de uma personalidade muito forte. Os novos pecam por uma falta de amadurecimento. Ainda estão procurando um estilo, uma coisa que Chet Baker e Miles Davis já tinham encontrado. É difícil ter uma personalidade na música, ter uma identidade, tocar umas notas e a turma dizer, “esse é o fulano de tal”, isso é muito difícil, leva tempo, todos se parecem. Interessante é a pessoa acreditar naquilo que ela acha e não desistir, porque às vezes não é fácil ser compreendido no início. Um dia acabei sendo compreendido. Não adianta você se conformar com a opinião geral e trocar os seus ideais porque por esse caminho não vai dar certo mesmo.

 

 

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