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Mixagem para streaming

09/04/2020 - 17:10h
Atualizado em 30/07/2020 - 09:12h

Beto Neves (redacao@backstage.com.br) | Fotos: Diego Moreno / Divulgação

 

Iniciei meus trabalhos como engenheiro de estúdio em 1993, após voltar da Alemanha recém-formado pela SAE Institut. Naquele tempo a produção musical estava nas mãos das grandes gravadoras, multinacionais que ditavam as paradas de sucesso da música popular.

 

Todas essas produções eram feitas nos grandes estúdios das próprias gravadoras ou empresas com um grande investimento em estrutura e equipamentos. Os orçamentos das produções musicais seguiam os sucessos de vendas, que, com a chegada do CD, trouxe grande lucro para as gravadoras. Discos eram produzidos com orçamentos milionários, em estúdios também milionários, envolvendo grandes equipes e muito tempo disponível para a produção.


No final dos anos 1990, com o início da pirataria dos CDs e a chegada dos arquivos comprimidos MP3, que possibilitavam a cópia e compartilhamento de músicas pela internet, esse cenário começou a mudar. Gravadoras não tinham mais seus grandes estúdios, a arrecadação com a venda física do CD já não davam o mesmo retorno financeiro e, como consequência, as produções diminuíam os orçamentos.


Outro fator decisivo para a mudança do cenário foi o fato de os equipamentos para a produção musical começaram a ficar mais acessíveis. Com isso, artistas, produtores musicais e até músicos começaram a montar seus próprios estúdios, encerrando assim o ciclo dos grandes estúdios.

 


Atualmente, a grande maioria das produções musicais são feitas em home studios com alta qualidade, aumentando absurdamente a quantidade de produções em comparação às décadas anteriores e dando ao produtor e artista o controle completo de todo o ciclo, desde a produção de uma música até sua execução e distribuição pelos serviços de streaming.


Em 2009 tive o meu primeiro “ensaio”com os serviços on-line para mixagem. Naquela época isso já era uma realidade para os serviços de masterização, pois os arquivos eram muitos menores para serem enviados pela internet. Nesse ano, coloquei pela primeira vez esse serviço disponível no meu site “E-MIX, mixagem pela internet”. Confesso que não tive nenhuma solicitação no primeiro ano e no segundo ano talvez tenha feito 1 ou 2 faixas, no máximo, totalmente on-line, mas sempre acreditei que esse seria o futuro da produção musical, futuro que hoje é presente.


Em 2014 foi que a coisa engrenou, começaram a surgir muitos pedidos de mixagem pela internet, serviço que eu ainda fazia da mesma forma, setups analógicos, mesas analógicas, recall analógico, etc. Porém, como não temos o cliente acompanhando o trabalho, percebi que esse sistema não traria o melhor resultado nem artístico, nem econômico, nem prático. Foi aí que comecei a buscar formas híbridas e alternativas entre o mundo do áudio analógico e digital para isso.

 


Em 2016 esse formato de trabalho já representava mais de 50% da minha renda e foi aí que resolvi montar um estúdio e sistema totalmente dedicado a isso. Aliado a meu sócio Daniel Reis, construimos 2 salas de mixagem num prédio no bairro da Vila Madalena, em SP, com projeto da WSDG. Desenvolvemos um site para contratação e produção musical on-line, o www.mix2go.com.br e agregamos outros profissionais e serviços ao site. Através do site você pode encolher, agendar, contratar, enviar e receber os arquivos.


O serviço de mixagem on-line ja é uma realidade para a maioria dos grandes engenheiros em todo o mundo, cada um com seu próprio estúdio e setup, oferece seu conhecimento e experiência para clientes em qualquer parte do mundo com um custo muito menor do que em décadas anteriores.

 


Com o início das plataformas de distribuição de músicas por streaming e o final da era CD acompanhamos também uma mudança estética e técnica nas finalizações das produções, pois cada serviço implantou seu próprio padrão de normalização de Loundness, acabando, assim, com a conhecida “Guerra dos volumes”. Isso não significa que teremos músicas menos comprimidas, mas sim que a compressão passa a ser um instrumento artístico e não uma ferramenta de competição, pois todos os áudios são normalizados pelo seu RMS e TruePeak, tendo assim uma faixa dinâmica em média de 12dbfs, ignorando, assim, o “volume máximo a qualquer preço” que algumas produções insistiam em manter.

 


No Brasil já existem muitos profissionais oferecendo esse serviço, convidei dois deles para falar um pouco de como trabalham hoje, o engenheiro de master Carlos Freitas e o engenheiro de mixagem Walter Costa. Começamos com um resumo sobre a carreira de cada um deles e, em seguida, cada um falou sobre sua forma de trabalho atualmente. Vamos à entrevista:

 

Beto Neves – Faça um resumo sobre suas carreiras:
Carlos Freitas - Eu comecei minha carreira como assistente de gravação nos estúdios Transamérica SP, em 1983, sendo promovido a engenheiro de gravação e mixagem em 1985 e me tornei engenheiro de masterização em 1993 na Cia de Áudio e em 2001 na Classic Master.
Walter Costa – Sou formado pelo conceituado Full Sail, na Florida, tenho mais de três décadas de experiência no mercado. E também mais de 500 álbuns gravados e mixados e múltiplos Grammy como engenheiro e produtor.

 

Beto Neves - Quando você inicializou o serviço on-line?
Carlos Freitas - Começamos em 2006, com o sistema da Digidesign digidelivey, um servidor de 100GB controlado por um software chamado client, onde o usuário tinha uma conta criada pela Classic Master e enviava as mixes e recebia as masters criptografadas.
Walter Costa - No final de 2015 havia um projeto de me mudar para os EUA, juntamente com um dos sócios desse estúdio que eu mantinha uma parceria fazia cinco anos (Pedra da Gávea). Acontecimentos pessoais me fizeram adiar esse projeto e, com minha mudança para fora do Rio, iniciei essa ideia já antiga de serviços de Mixagem On-line. Fazia bastante tempo que queria poder fechar projetos que me interessassem pessoalmente, mas os custos de um estúdio muitas vezes inviabilizavam. Isso estava me incomodando muito e agora com esse sistema, tudo ficou bem mais fácil.

 

Beto Neves - Como funciona seu sistema de pagamento e envio de arquivos?
Carlos Freitas - No nosso site temos um campo que se chama Painel, que é a área do cliente, onde ele escolhe o tipo de serviço, a forma de pagamento, envio e recebimento de arquivos e um chat comigo.
Walter Costa - Eu disponibilizo um folder no DropBox para o cliente, mas, muitas vezes, recebo via outros serviços, como WeTranfer. No primeiro contato, procuro saber detalhes do projeto como, número de faixas, mídia final, referências, etc. Com essas informações, dou um prazo médio para finalização e um orçamento. O arranjo para pagamento é algo como 50% no começo e 50% no final. Durante o projeto eu vou enviando arquivos MP3 para avaliação pelo cliente. Também disponibilizo a possibilidade de acompanhamento em tempo real via streaming, ficando sujeito apenas a coincidência de agendas. Geralmente isso funciona mais pro final, ou quando estou na dúvida do que o cliente quer. Então disponibilizo um link seguro e vamos mixando juntos à distância. Eu não coloco limites para recalls, ou qualquer tipo de ajustes. Único custo extra são produções de stems.

 

 

Beto Neves - Qual é o seu setup e por que o utiliza assim?
Carlos Freitas - Eu utilizo em todas as masterizações um híbrido analógico e digital, tendo o melhor dos dois universos disponíveis para as masterizações.
Walter Costa - Eu trabalho num Pro Tools HD Native, com uma interface HD i/o. Mac Pro 12 core. Monitoração NS10 com um amp Yamaha Class A, e uma Mackie HR824 customizada. Uso uma controladora Euphonix MC Control e o sistema Console 1 da Softubes. Uma quantidade quase pornográfica de plugins e ainda tenho um sistema UAD-2 da Universal Audio. Eu gosto muito desse setup. Faz tempo que prefiro mixar mais ITB do que analógico. No Pedra da Gávea tínhamos uma SSL AWS 924, racks de periféricos analógicos e tal, e no final eu acabava era usando a mesa somente como summing. Analógico é de onde eu vim. Sou dessa geração de mesa grande, fita 2”, coisa e tal. Então botar a mão em botões, sentir a coisa assim mais orgânica faz muito sentido pra mim, mas na real, no dia a dia, não vale a pena. Hoje em dia as DAW são muito poderosas, a qualidade sonora chegou num nível muito bom. Não tenho nenhuma vontade de sair do ITB, por mais que toda minha memória profissional passe por aí. Eu faço vários projetos diferentes por dia. Gosto de abrir e fechar trabalhos em diferentes momentos do processo. Isso é impossível no analógico. Meu workflow hoje não cabe em uma mesa analógica.

 

Beto Neves - Como é sua relação com cliente/artista nesse formato de trabalho?
Carlos Freitas – A melhor possível, pois ofereço uma gama de opções de ferramentas tanto no digital quanto no analógico.
Walter Costa - Eu sinto que ainda rola um certo estranhamento do processo. Aqui no Brasil somos muito apegados a certos conceitos, mas aos poucos isso está mudando e quando o cliente percebe que ele se liberou de uma obrigação sem perder qualidade, tudo fica mais fácil. Na realidade, eu sinto que minha relação com o cliente é melhor assim. Muitas vezes o cliente tem uma ideias pré- concebida sobre o processo, sobre como certas coisas devem ocorrer na mix, mas nem sempre essas ideias são as melhores ou sequer viáveis. Isso, muitas vezes é desgastante. Principalmente quando você está, dia após dia, num espaço confinado, discutindo abstrações. Dessa forma, a distância, o cliente só se atenta ao resultado, então a relação fica muito mais tranquila, tudo fica mais objetivo. Como eu posso abrir e fechar diferentes projetos sem prejuízo nenhum a ninguém, essa agilidade passa uma sensação de segurança muito grande, quase que como estivesse ali disponível 24 horas por dia, para cada cliente. Sem as restrições de horários e períodos que um estúdio impõe.

 

Beto Neves - Cite alguns exemplos que você realizou de forma totalmente on-line.
Carlos Freitas - Aqui no Brasil, os útimos DVDs do Jota Quest Acústico, Vanessa da Matta, Caixinha de Música e Silva Canta Marisa e vários projetos para o exterior.
Walter Costa – Recentemente, fiz todas as mixes para nova identidade sonora da GloboNews; DVD da Dulce Quental; filme - Cris Braun, Dan and the Underdogs Live in Nashville; Só Hoje - Zeca Baleiro; trilha original da novela Novo Mundo - TV Globo e por aí vai.

 

Beto Neves - Como você imagina seu trabalho nos próximos 10 anos?
Carlos Freitas - Eu acredito que estarei trabalhando totalmente on-line e com a maior parte do processo em digital.
Walter Costa - Nossa, 10 anos é muita coisa para quem lida com tecnologia (risos). Acho que vamos ver um crescimento forte de AI (inteligência artificial) no nosso campo. Já temos alguns plugins que começam a sugerir soluções e vejo isso como um caminho sem volta. Acho que em 10 anos talvez mixagem seja algo menos técnica e mais artística.

 

 

 

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