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REPORTAGENS / Colunas

Fones Referência e Técnicas de Equalização

18/01/2023 - 09:30h
Atualizado em 18/01/2023 - 09:30h


 

Na nossa última  oportunidade, paramos a nossa análise dos processos da mixagem na equalização dos canais. (Não se trata da equalização ou o alinhamento do sistema de caixas, ok?) Aqui entra um elemento essencial à qualidade do trabalho de qualquer operador de som, chamada referência. É comum encontrarmos equipamentos como amplificadores, monitores de estúdio e fones de ouvido descritos por este termo “referência”. Mas o que ele significa? Basicamente, ele nos transmite a ideia de que estes equipamentos reproduzem os sinais que lhes são apresentados com transparência, “honestamente” sem adulterar ou contaminar o som pela introdução de colorações ou distorções permitindo que confiemos que o que eles reproduzem e nos apresentam é fiel ao sinal que receberam.

 

É importante que quem mixa tenha os seus fones de ouvido referência para usá-los quando for solar um canal ou uma mix e poder avaliar o seu trabalho sem a influência dos elementos finais da cadeia de sinal (amplificação, caixas e acústica do ambiente). Os ouvintes do nosso trabalho, na plateia ou congregação, obviamente ouvirão o som influenciado por estes últimos elementos da cadeia. Mas os ouvintes não precisam tomar decisões críticas quanto aos ajustes na mix, para corrigi-los e/ou adequá-lo a esses elementos finais como cabe a nós que mixamos. É por isto que é importante termos à mão um par de fones referência, honestos e transparentes. Eles são a ferramenta que nos permite focar com maior precisão nos ajustes. É como se estivéssemos dando um “zoom acústico” com eles, para atuar com precisão na fonte do sinal e depois ouvir o resultado no PA e ambiente.

 

Na equalização existem algumas decisões críticas em que os fones referência podem nos ajudar. Se o som de um instrumento ou voz está soando natural e não requer correções, obviamente não precisamos alterá-lo. Basta apenas aplicar no canal os filtros que deixarão passar as frequencias produzidas por ele para que o seu som fique limpo. Aqui, os fones nos ajudam a identificar os limites superior e inferior destas frequências produzidas pela voz ou instrumento, especialmente os harmônicos mais sutis que podem não ser ouvidos facilmente no som amplificado devido à acústica e ou outros sons simultâneos. 

 

Porém, além do caso ideal, acima, o mais comum é precisarmos aplicar a equalização para resolver diversas necessidades que encontramos. Estas necessidades podem pedir desde a equalização “de combate” passando pela equalização “paliativa” e, se formos abençoados, chegam na equalização artística. Estes termos não são de uso padrão, estou criando-os para facilitar a lembrança destas três áreas de correções da EQ, por isto vou definir o que quero dizer por eles.

 

Primeiramente temos a EQ de Combate. Esta é a mais simples de entender. Na passagem de som, você abre o canal e quando ele se aproxima do nível adequado na mix, surge a microfonia. Independentemente de se a microfonia surgiu por algum mal alinhamento ou mal posicionamento das caixas, em um sistema fixo, ou da interação destas com a acústica do ambiente, não vai ser o caso de você começar a fazer ajustes no sistema com a banda tocando e/ou os ouvintes presentes. Se for o caso de uma voz fraca, pode ser que aproximar o microfone da fonte sonora, adequar a inclinação do mic e/ou pedir que a pessoa projete mais a voz proporcione energia suficiente para você não precisar já começar a corrigir na EQ. Se for microfonia média-aguda em um sistema portátil, pode ser que uma alteração do ângulo das caixas, para redirecionar as reflexões, resolva sem ter que cortar frequencias inocentes. Mas como, muitas vezes, a passagem de som é feita às pressas, você acaba aplicando lá na consoles a EQ de Combate, identificando a frequência ou frequências que estão gerando a realimentação acústica entre as caixas, acústica e o transdutor (microfone ou captador de instrumento) que a capta, para cortá-las e eliminar a realimentação. Se isto é feito em meio à passagem de som, com os outros elementos da banda tocando e cantando, você, obviamente, irá querer isolar apenas o som do canal afetado usando os fones de referência para aplicar o filtro com precisão para cortar apenas a frequência que realimenta e não retirar frequências “inocentes” do som da voz ou instrumento.

 

Em segundo lugar, temos a EQ Paliativa. Por definição, paliativo significa acalmar ou abrandar temporariamente um mal, sendo geralmente usado em contextos da saúde. Porém, no caso da EQ Paliativa, acabamos fazendo algo bastante semelhante.  Digamos que o violão que você irá mixar tenha uma sobra imensa de médios graves, ou que a guitarra tenha tantos médios-agudos que ela dói nos ouvidos. Você não vai conseguir trocar o captador do instrumento, nem o amplificador, ficar ajustando a posição do mic no amplificador demora e pode não dar resultado, e boa sorte se for tentar pedir para o músico alterar o tom do instrumento dele – que pode até estar legal nos fones de retorno. Então você aplica a EQ Paliativa, que não vai resolver o timbre produzido por um captador barato, mas vai limpar os excessos de frequencias que sobram na mix, proporcionando clareza e evitando sobrepor e embolar elementos importantes como as vozes, por exemplo. Aqui, novamente os fones se tornam importantes para que em meio à passagem de som você consiga identificar a frequência principal e largura do filtro que aplicará para não cortar desnecessariamente as frequencias “inocentes”.

 

Em terceiro lugar, temos a EQ Artística, quem nos dera que Deus nos abençoasse a ponto de precisarmos apenas trabalhar com esta! Deixei esta por último, porque se as outras forem necessárias, elas terão prioridade na qualidade da sua mix. Porém, se você não precisou usá-las ou conseguiu aplicá-las e ainda tem tempo de trabalhar com esta, é nela que você pode levar a qualidade da sua mix para um nível superior. Quem segue essas minhas reflexões já me ouviu dizer que a diferença entre um trabalho, uma mix, regular e uma de excelência, se revela por meio dos detalhes. Pois é na EQ Artística que iremos atuar nestes detalhes. Às vezes esta EQ pode dar um ganho de qualidade incrível que transforma o som do que você está ajustando para algo maravilhoso. Porém é mais comum que seja apenas um ganho sutil, talvez nem muito ouvido pelos ouvintes presenciais, mas importante para as gravações e o público de streaming bastante comum desde a pandemia. Novamente serão os seus fones que lhe permitirão avaliar estas nuances da EQ Artística.

 

Um exemplo desta EQ Artística é quando uma voz ou instrumento não está aparecendo bem entre os outros componentes da mix, mas se você subir um pouquinho o fader do canal, fica muito alto. Neste caso, um reforço de frequências específicas daquele canal pode fazer o seu som aparecer ou “chegar junto” sem ficar alto demais. Vale comentar que, enquanto nas outras duas EQs, usamos apenas cortar o nível nos filtros, nesta podemos reforçar frequencias. Aqui é preciso comentar dois aspectos. Primeiramente, os reforços são acréscimos eletrônicos e, portanto, a rigor, não serão fiéis ao timbre original da fonte sonora. Mas se o canal não aprece na mix, é preferível fazê-los do que deixar o instrumento ou voz sem clareza.  E segundo, porém importante, é que esta EQ Artística deve ser feita após a estrutura de ganho dos canais estar bem ajustada, pois ela dificilmente conseguirá corrigir desníveis de ganho entre os canais. E normalmente, ela deve ser aplicada com moderação, assim como adicionamos um tempero numa receita; até porque fortes reforços de frequências podem gerar microfonia, ressonâncias e até serem prejudiciais aos drivers e falantes das caixas e fones. Por outro lado, é preciso relembrar que no nome desta EQ temos a palavra “artística”, e o que é chamado de arte nunca foi algo tão subjetivo quanto nesses tempos em que vivemos. Portanto, se um reforço mais forte for útil em um canal ou outro para ajudar a transmitir a linguagem da banda, e ele não colocar os componentes do sistema em risco, aplique-o.

 

Nessa questão de arte subjetiva, vem à mente  o caso de uma banda bastante famosa que insistiu com o engenheiro de PA que queria que o seu som parecesse o som de um rádio AM. O engenheiro imediatamente disse que ele não seria o cara indicado para mixar aquela turnê. Ele ficou triste por não poder agregar aquela banda top ao seu expressivo currículo, mas foi honesto com a sua consciência e indicou um colega que aceitou o desafio e foi contratado pela banda. Mais tarde, quando ligou para o colega para saber como estava indo, ele lhe confidenciou que para tomar decisões sobre como equalizar o som da banda ele estava escutando as gravações no falantinho do celular... A arte é de fato subjetiva!

 

 

 

 

 

Os recursos visuais nas consoles digitais têm facilitado bastante o trabalho com a EQ. Estes recursos podem ser ferramentas valiosíssimas na identificação de frequências, porém, qualquer ferramenta pode ser mal-usada. No caso do nosso trabalho com o som, é imprescindível lembrar de trabalhar com os ouvidos e não apenas com os olhos. Já ouvi depoimentos de engenheiros de som de primeiríssima linha sobre como confiarmos apenas no visual pode nos levar a errar. Então a minha recomendação é que se você tem o recurso visual de uma mesa digital, use-o para confirmar aquilo que o seu sistema auditivo já deve estar lhe indicando. Por exemplo, se você deseja eliminar uma microfonia, o seu sistema auditivo deve lhe informar que ela ocorre por volta de 2kHz. Então, você olha na tela da sua mesa digital e vê que tem um pico de energia em 2.375 Hz. Os seus ouvidos podem não ter toda a resolução precisa até as dezenas e unidades de Hertz, mas devem poder lhe indicar que é neste pico que você precisa trabalhar e não em um pico de energia igual ou, talvez superior, que um instrumento está produzindo mais embaixo, digamos em 900 Hz.

 

Na próxima oportunidade, voltarei dando sequência neste tema importante.

Até lá!

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