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REPORTAGENS / Colunas

Ritual de luzes: banda Ghost em São Paulo

09/10/2023 - 12:39h
Atualizado em 09/10/2023 - 12:39h


 

Na cultura pop, determinados artistas e bandas conquistam patamares de admiração e veneração, sendo cultuados no sentido mais literal desse termo. No palco, recebem um “valor de culto” que transcende expectativas e percepções, enaltecidas por elementos visuais, tais como a iluminação, que potencializam ainda mais certas sensações produzidas apenas na singularidade do espetáculo. Nesta conversa, vários aspectos serão abordados sobre o primeiro show da atual turnê latino-americana da banda sueca Ghost, com enfoque nos ritos e rituais de luzes, repletos de surpresas e fascínio.

 

 

Possíveis reflexões sobre “valores” na atualidade também se aplicam aos espetáculos – e aos elementos de composição integrantes dessas manifestações artísticas, culturais, promocionais. As aspas não indicam princípios morais ou institucionais; diferente disso, potencializam o sentido de virtude, mesmo que imensurável para algo destacado ou associado a alguma estima ou predileção. E esse enaltecimento, apoiado nos pensamentos do filósofo italiano Giorgio Agamben (n. 1942), podem desencadear mecanismos que fomentam formas de sacralização, inclusive no contexto da cultura pop.

 

 

Trata-se de um fenômeno relativamente recente, originado no âmbito da pós-modernidade e nas condições tecnológicas atualmente propícias, pois anteriormente a isso, a maior preocupação ainda residia quase que exclusivamente na produção sonora, que também tinha limitações técnicas e específicas. Com a produção visual, o espetáculo surge como um meio de produção de vínculos, no entendimento de interação e integração dos artistas aos públicos, surgindo a estética dos shows musicais.

 

 


Aspecto da “Re-Imperatour – Latin American Tour 2023” da banda sueca Ghost – Espaço Unimed (São Paulo) (20/09/2023). Fonte: Cezar Galhart

 

 

Ainda se atribuído aos produtos derivados nesse processo, determinados espetáculos se configuram em acontecimentos únicos, e assim também se aproximam da concepção do filósofo, professor, historiador e crítico de arte francês Georges Didi-Huberman (n. 1953) em um entrelaçamento singular de tempo e espaço surgindo uma relação dialética que une observador e elemento observado – plateia e “palco” -, proporcionando sensações sugeridas, percepções e interpretações ocorridas pela existência de determinadas forças que, nesse acontecimento visual único, estreitam um “poder do olhar” e que ainda podem produzir um “valor de culto”, não restrito à veneração e devoção artística, mas em relações afetivas e potencialmente ritualísticas que conferem aos protagonistas – artistas e fãs – um sentido de unidade e integração, que atingem outros patamares de idolatria.

 

 

Nesse contexto que se destaca o show da banda sueca Ghost, realizado no Espaço Unimed na cidade de São Paulo no dia 20 de setembro de 2023. Primeiro show da “Re-Imperatour – Latin American Tour 2023” (com mais um show na capital paulista, além de apresentações em Buenos Aires e Santiago), trata-se da quarta passagem no Brasil – a primeira em 2013 com shows no Rock In Rio, São Paulo e Curitiba; a segunda no ano seguinte, com shows em São Paulo e Rio de Janeiro; e em 2017, com shows em Porto Alegre e São Paulo.

 

 


Tobias Forge na personificação do Papa Emeritus IV - show da banda sueca Ghost – Espaço Unimed (São Paulo) (20/09/2023). Fonte: Thales Beraldo

 

 

Formada em 2008 e centrada no compositor, vocalista e multi-instrumentista sueco Tobias Forge, Ghost (que chegou a ser referenciada também como Ghost B.C.) tem uma discografia composta por cinco álbuns e quatro EPs, cuja sonoridade, predominantemente associada ao Heavy Metal e ao Rock’n’Roll, mesmo que também incluindo outros elementos de vários gêneros musicais, atrai fãs devotos e plateias heterogêneas, promovendo essa como uma das mais importantes bandas das últimas décadas. Se em algum momento houve dúvidas e questionamentos, hoje se apresenta em um dos mais impressionantes espetáculos musicais. A banda é complementada por músicos identificados como “Nameless Ghouls”, com trajes pretos alinhados ao estilo Steampunk e máscaras similares àquelas de proteção respiratória (“de gás”) projetadas e fabricadas em resina pelo artista ucraniano Bob Basset. As identidades dos músicos são indicadas em fóruns e blogs sobre a banda, mas serão omitidos neste texto (uma vez que eventuais mudanças podem acontecer, como de fato já ocorreram, no decorrer das turnês).

 

 

Fundamental apontar que a produção artística dessa banda combina diversas manifestações – musicais, cênicas, culturais, místicas – evidenciadas no espetáculo, sugeridas pelas canções e apropriadas pela plateia. Esta, particularmente, além de uma heterogeneidade que compreende gerações de admiradores a curiosos pontuais, também evidencia uma legião de fãs que se caracterizam, com maquiagens, trajes, fantasias, adereços – personagens, personas, cosplayers.

 

 


Aspecto da “Re-Imperatour – Latin American Tour 2023” da banda sueca Ghost – Espaço Unimed (São Paulo) (20/09/2023). Fonte: Cezar Galhart

 

 

Mesmo com problemas de logística posteriormente revelados, o show foi iniciado com um atraso de aproximadamente quinze minutos, preenchido com o moteto sacro “Miserere mei, Deus”do sacerdote e compositor italiano Gregorio Allegri (1582-1652). Instaurava-se naquele momento uma “aura”, na dupla distância que o conceito do pensador alemão Walter Benjamin (1882-1940) propôs, com um resgate ao mesmo tempo inédito e sintomático, como também nostálgico e singular.

 

 

A iluminação cênica, imponente e brilhante (em todos os sentidos) tem sido, desde 2018, conduzida pelo Lighting Designer brasileiro Erich Bertti, com um currículo invejável, de projetos do festival SWU a artistas e bandas como Motörhead, Paul McCartney, Joss Stone, Seu Jorge, Racionais MC’s, entre outros. Para a atual turnê, a concepção do espetáculo, liturgicamente roteirizada pela sequência de canções, marcações e ritos teatrais, cenografia reproduzindo vitrais similares à arquitetura gótica, cujas aberturas eram simuladas por rotundas retro iluminadas com imagens que alternavam motivos sagrados, profanos e apocalípticos (no Bis), e estruturas de iluminação cênica verticais acompanhando os elementos cenográficos, complementares e protagonistas de momentos únicos, celebrados e inspirados por estéticas do expressionismo alemão e o melhor estilo Old School.

 

 


Aspecto da “Re-Imperatour – Latin American Tour 2023” da banda sueca Ghost – Esço Unimed (São Paulo) (20/09/2023). Fonte: Cezar Galhart

 

 

Na atual turnê, continuação da turnê “Imperatour” iniciada no ano passado, a iluminação cênica se destaca não somente pelas combinações, formas e dinâmicas esfuziantes, mas uma estrutura treliçada imponente centralizada e que cobre a maior parte do palco, em formato de estrela. Traves verticais em backlighting e sidelighting; refletores LEDs direcionados ou distribuídos, com fachos abertos ou mais fechados; diversos outros instrumentos de iluminação posicionados para Limelight; dois canhões seguidores: no todo, uma trama de luzes mais intensas ou suaves que proporciona narrativas visuais e “semióticas narrativas”, capazes de impressionar e surpreender.

 

 

Na abertura, as canções "Imperium" e "Kaisarion" (ambas de Impera, último álbum lançado em 2022), apresentadas com predominância de luzes azuis e amarelas em fachos intensos e definidos, tais como raios solares invadindo um presbitério hipotético, espaço de condução regido pelo Papa Emeritus IV, atual persona interpretada por Tobias Forge.

 

 


Aspecto da “Re-Imperatour – Latin American Tour 2023” da banda sueca Ghost – Esço Unimed (São Paulo) (20/09/2023). Fonte: Cezar Galhart

 

 

Na sequência, “Rats” e “Faith” (do quarto álbum, Prequelle, de 2018) e “Spillways” (também de Impera), mostraram conexões sonoras e visuais mais céleres, envolventes e estimulantes. A combinação das texturas em downlightingsidelighting e das contraluzes produzem densidade e profundidade ao espetáculo, expandindo a percepção do espaço cênico, que não se reduzia ao palco, somente. "Cirice" e "Absolution" (essas duas do excelente álbum Meliora, de 2015) produziram contrastes sonoros e visuais impactantes. Enquanto a primeira revelava uma atmosfera mais sombria e tematizada com o ocultismo, com luzes dinâmicas e versáteis em formas e matizes (com predominância de vermelhos e azuis), a segunda trouxe uma ambientação mais calma, alinhada à redenção proposta pela narrativa lírica.

 

 

Na continuidade, "Ritual" (do primeiro álbum, Opus Eponymous de 2010), "Call Me Little Sunshine" (Impera), "Con Clavi Con Dio" (também do Opus) e "Watcher In The Sky" (Impera) intercalaram momentos distintos da banda, como também interações com diferentes faixas de fãs, criando uma ponte em um distanciamento temporal e sonoro. Como consequência, a iluminação cênica, predominantemente simétrica e sincronizada com as divisões rítmicas, ilustrou com maestria as evoluções e intensões dos temas musicais e textuais.

 

 

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