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Fernando Vieira e a Festa Nacional da Música: o legado além da tristeza

02/10/2020 - 18:25h
Atualizado em 02/10/2020 - 19:38h


 

Reportagem: Miguel Sá / Fotos: Divulgação / Arquivo

 

O jornalista Fernando Vieira foi o responsável por criar o evento que uniu a indústria fonográfica brasileira

 

A Festa Nacional da Música se confunde com a vida de Fernando Vieira. O jornalista e empresário faleceu no dia 16 de setembro, após um infarto fulminante, enquanto participava de reuniões na Secretaria da Saúde de Bento Gonçalves com o prefeito da cidade, Guilherme Pasin, O empresário sentiu-se mal e chegou a ser atendido por médicos que estavam no local, mas não foi possível salvá-lo.

 

Desde os anos 1970 e 80, em sua versão anterior, como Festa do Disco, o evento reuniu grandes nomes da MPB em Porto Alegre (RS), e, mais tarde, no Hotel Laje de Pedra, em Canela (RS). Em sua nova fase, a partir de 2005, a Festa da Música começou a ser celebrada novamente em Canela. Em 2018, o evento passou a ser dividido em uma etapa regional e outra nacional: a primeira foi batizada como Cidade da Música, sendo realizada em Porto Alegre, com diversos palcos e shows gratuitos pela cidade, e a nacional manteve o nome de Festa Nacional da Música, mas agora realizada em Bento Gonçalves (RS) e mantendo o formato original, com homenagens e debates sobre o mercado fonográfico. 

 

Trajetória

Fernando Vieira iniciou a carreira de jornalista na TV Difusora (que se tornou TV Bandeirantes), em 1969. Lá exerceu diversas funções, desde cinegrafista até o departamento de promoções, passando pela programação. Ele produziu ou apresentou programas como o Difusora Gente, nas tardes de domingo, e a atração diária Agenda, que tratava de assuntos ligados ao cotidiano e à música. 

 

 

Entre 1978 e 2005, apresentou o programa Fernando Vieira, na TV Guaíba. Em maio de 2005, transferiu-se para a TV Pampa. Lá, apresentou o Programa Zoom, dedicado à música brasileira.  “Ele começou muito novo trabalhando na TV. Tinha um programa onde falava sobre música e eventos sociais. Começou com a festa da música (como um quadro) dentro do programa onde homenagearia, uma vez por ano, um artista com representatividade na música fazendo um encontro. No primeiro ano, trouxe a Simone. Quando surgiu o hotel Lage de Pedra, em Canela, ele resolveu mudar um pouco o formato e fazer nos moldes do que é hoje a Festa Nacional da Música”, explica a filha de Fernando e uma das responsáveis pela realização da Festa Manoela Vieira. 

 

A partir de então, o evento passou a durar três dias, com Fernando Vieira trazendo o que havia de mais representativo de todos os setores do mercado fonográfico: executivos de gravadoras, artistas, empresários e compositores. “Na época as gravadoras tinham muita força. Eles gostaram muito da ideia do projeto e resolveram usar a festa nacional do disco como um momento em que lançariam os novos projetos no ano seguinte. Então grandes nomes, principalmente do Rock, foram lançados lá: 14Bis, Barão vermelho, kid abelha... Ele fez esse encontro por quatro anos em Canela, e por uma serie de motivos da época acabou parando”, relembra Manoela.

 

A Festa voltou em 2005. Desde então acontece todos os anos e nos moldes atuais.


Hoje o evento é uma referência no setor musical como um encontro para discutir os problemas do setor fonográfico.


“Quando retornou, ainda estava muito em pauta a questão da pirataria. Foi o momento de parar, unir a classe musical e pensar sobre o que eles queriam. A PEC da música foi criada na Festa Nacional da Música, que tem shows mas tem os debates e as trocas de informação que acontecem lá.  É um evento bem democrático. Tem desde artistas que estão iniciando até os consagrados. Fazemos parceria com o Ecad e as associações todas. Procuramos dar voz a todos e a partir daí buscar as soluções”, explica Manoela Vieira. 

 

O evento também faz diversas homenagens. Entre elas, a feita à Nelson Cardoso, em 2014, pelo trabalho de levar informação especializada e de qualidade sobre os bastidores do show business.

 

 

Pandemia e continuidade

Este ano, mesmo antes do falecimento de Fernando Vieira, já havia sido decidido que o evento não aconteceria por conta da pandemia do coronavírus, mas o evento continuará a ser realizado. “Eu e o pai já tínhamos conversado. Estávamos achando que ia ser difícil fazer esse ano. O evento normalmente acontece em outubro. Estávamos preparando para fazer ele no final de novembro em função da pandemia, mas até dois dias antes dele falecer estavámos conversando e já tínhamos batido o martelo de que não faríamos esse ano, porque é um evento onde o grande diferencial é a troca pessoal”.

 


Em 2021, a Festa Nacional da Música irá voltar à agenda da indústria fonográfica, como reforça Manoela Vieira. “Eu e meu irmão, (Fernandinho Vieira), trabalhamos com nosso pai há muitos anos.


Vamos continuar a fazer a Festa Nacional da Música. Conversamos bastante sobre isso, eu e meu irmão, porque não é fácil perder uma referência como o nosso pai, mas recebemos muito apoio da classe artística. Desde a notícia do falecimento recebemos muitas ligações de artistas e empresários, e todo mundo muito disposto a ajudar, porque eles enxergam que é um evento importante para a classe musical. Eu e o Fernandinho estamos definindo se vamos fazer em maio ou se vamos manter em outubro do ano que vem. Isso vai depender de tramites burocráticos, mas ano que vem estaremos de novo com essa festa linda referência no cenário nacional e essa festa que ele tanto amava. 

 

O legado

Manoela ressalta o legado de seu pai para a música brasileira por meio da Festa Nacional da Música. “Se eu pudesse te resumir, além de ser o maior encontro da música brasileira ele é o encontro mais importante, porque é o momento em que todo o setor fonográfico está reunido e unido em prol da música brasileira. Meu pai dedicou a vida dele a isso, fez com maestria e deixou um legado impressionante. O que a gente recebeu de ligação de empresários, artistas... E ele era de fora da música, nunca tocou um instrumento”, ressalta Manoela Vieira

 

Fernando Vieira nasceu em Porto Alegre, em 4 de maio de 1948, e deixa a esposa Antonela e os dois filhos.

 


 


por Gustavo Victorino


A morte de um amigo é sempre um momento de dor, mas se juntarmos a isso o legado e a importância de quem nos deixa, teremos uma amplitude de sentimentos que ultrapassa a saudade e o vazio da perda.


O jornalista gaúcho Fernando Vieira nunca tocou qualquer instrumento e sequer conhecia tecnicamente qualquer fase da criação ou execução musical.Ma s isso nunca impediu o seu amor pela música brasileira a ponto de se tornar silenciosa e discretamente o maior aglutinador da MPB das últimas décadas. 
Ao criar, há quase 40 anos, a Festa Nacional da Música, um evento fechado até a virada do século, Fernando gestou, intencionalmente ou não, uma espécie de convenção da música brasileira onde centenas de artistas, produtores, técnicos, empresários, gestores e autoridades ligadas à arte faziam do encontro um canal de interlocução e convergência de ideias. 


Das primeiras edições em Porto Alegre, e mais tarde na serra gaúcha,


a Festa Nacional da Música foi o germinal de várias propostas para a música e seus profissionais.


Sempre com a presença parlamentares de todas as vertentes ideológicas, mas ligados à defesa da música brasileira, além de vários ministros de estado, o evento virou o canal de anseios a propostas legislativas voltadas ao interesse da categoria.


Nos anos 90, liderados por Sérgio Reis, alguns artistas levantaram os primeiros movimentos pela volta do ensino musical às escolas e já em 2013 surgiu também a proposta da PEC da Música que foi aprovada em 2015 pelo Congresso Nacional e isentou de tributos as mídias de obras musicais brasileiras.


Para 2020, estava previsto o início da campanha pelo imposto zero para instrumentos musicais dando ao produto o tratamento de ferramenta de cultura como é recepcionado em países de primeiro mundo, e não objeto de lazer como é visto e taxado hoje no Brasil. As primeiras sondagens e a viabilidade da proposta já tinham sido iniciadas junto a membros da área econômica do governo Bolsonaro e tiveram boa receptividade ao projeto.

 


Com a morte de Fernando, a música brasileira ficou mais pobre e perdeu o seu maior catalizador.


Desconhecido do Brasil e amado no meio musical de norte a sul, o jornalista dedicou uma vida inteira à música criando propostas, gerindo carreiras e grandes eventos. Aos 72 anos e trabalhando com o mesmo afinco, seu coração pregou uma peça dolorosa na música brasileira. Junto com ele foi um idealismo e uma dedicação que supera a compreensão de quem fica tentando imaginar como alguém assim pode deixar-nos de forma tão repentina e surpreendente.


Descanse em paz meu parceiro, a música seguirá colorindo nosso destino, mesmo quando ele nos deixa com lágrimas nos olhos pela dor de uma perda dessa dimensão. A linda homenagem gravada por dezenas de artistas da MPB fala por si só. Nela fica gravada o seu legado de amor e dedicação à nossa arte maior.

 

Que Deus o receba... com música!

 


 

 

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