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TBT Backstage: produtores musicais

25/08/2021 - 23:39h
Atualizado em 09/09/2021 - 15:55h

 

Reportagem: Miguel Sá

 

Os produtores Liminha, Marco Mazzola, Kamal Kassin, João Marcelo Bôscoli, Moogie Canazio, Mario Caldato Jr, Mayrton Bahia, Jair Oliveira e Carlos Eduardo Miranda falam sobre a profissão, o mercado, concepções de mercado e suas experiências pessoais como produtores fonográficos.


Quem compra um CD, em geral, procura pelas canções de um compositor, a voz de uma cantora ou a levada de uma banda. Mas, no disco, durante a gravação, há o trabalho de diversos profissionais: técnicos de som, auxiliares de estúdio, músicos, artistas e o produtor.

 

O que faz o produtor

Todos pensam um pouco na hora de definir o que é um produtor, mas a resposta acaba saindo um pouco parecida. Moogie Canazio diz que "seria parecido com o diretor de cinema. É aquele que escolhe o roteiro do filme, que, no caso de um disco, é o repertório. Elege junto como artista as canções, depois faz a seleção de quem vai tocar, encomenda os arranjos, ideias de levada, orquestração ... ", enumera. Carlos Eduardo Miranda, que também já foi diretor artístico do selo Banguela, do Excelente Discos e foi responsável pelo site Trama Virtual também compara a função de produtor a de um diretor de cinema.

 

João Marcelo Bôscoli cita o livro All You Need to Know About The Music Bussiness (em tradução livre: Tudo o que Você Precisa Saber Sobre o Negócio da Música), de Donald Passman. É claro que, para saber a definição correta do autor, é melhor ler o livro, mas, a grosso modo, ele define que o papel de um produtor de discos combina as funções do produtor e do diretor de cinema, sendo o responsável por trazer o produto criado a uma forma tangível, otimizando os processos criativos, selecionando canções, decidindo arranjos, concepções sonoras e ainda cuidando de processos administrativos, tais como contratação de músicos, estúdio e controle do orçamento, entre outros aspectos práticos.

 

Liminha também faz a analogia como diretor de cinema. "Produtor está para o disco como o diretor de cinema está para o filme. Produzir é como compor. É um trabalho, antes de mais nada, artístico. É preciso ter know-how e muito senso crítico. É preciso ser muito organizado, afinal, o produtor é o piloto da nave. É preciso também muito tato, psicologia e paciência. É preciso ser curioso e atento as tendências de mercado e da tecnologia. Tento sempre, equilibrar o lado artístico com o comercial". 

 

O produtor Mayrton Bahia já passou pelas mais diversas funções dentro do mercado fonográfico, de técnico de som da EMI a diretor artístico da Polygram. Já produziu de Legião Urbana a João Gilberto e lançou Cássia Eller quando era diretor artístico. Hoje, dirige um curso superior de gravação e produção fonográfica na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Segundo ele, o produtor é um profissional multidisciplinar. "Eu sempre falo que o produtor fica no meio de um triângulo. Em uma ponta, o comércio, o marketing, o bussiness. Na outra ponta, o lado subjetivo. A emoção do artista, a sensação. Na outra ponta do triângulo, a física, a eletrônica e a ciência: tecnologia, som, cabo, amplificador, efeitos. O produtor está entre o comércio, o mercado, a indústria, a objetividade da criação do artista e da ciência.". 

 


Mayton Bahia

 


Informação e aprendizado 

Mayrton coordena o que é o único curso formalmente dedicado não só aos aspectos técnicos de uma gravação do Brasil. Quem quiser outro curso no mesmo formato tem que sair do país. Mas, em 1993, esta era mesmo a única opção para quem queria ter um estudo formal da profissão. Foi o que fez Jair Oliveira, ao partir para a Berklee, no curso de engenharia e produção musical. "Eu estava com 17 para 18 anos. Um pouco antes disso comecei a pesquisar umas escolas de música lá fora e vi que a Berklee tinha um curso de produção musical com estúdios próprios e uma infra-estrutura. Fui visitar a faculdade antes e optei pela Berklee também pelo fato de ela ter uma estrutura legal e um curso de produção". Jair diz que poderia ter aprendido a mesma coisa no dia-a-dia de um estúdio, "mas seria um processo mais árduo e demorado do que tendo a informação em uma escola. Eu nao sei dizer o que a Berklee ofereceu que eu nao teria aqui. Acho que ela só acelerou o que eu poderia aprender por outros meios. Acabei aprendendo coisas de uma maneira mais rápida e com profissionais supercompetentes também. O tesouro e a informação", afirma Jair.

 

O embrião do curso de produção da Estácio de Sá foram os cursos de técnica de gravação que Mayrton começou a fazer no início da decada de 90 mais a ampla experiência dele no mercado fonográfico. "Comecei a montar um curso em um estúdio de gravação que começou a dar muito certo. Isso me animou muito e tive um convite da Estácio para levar o curso para lá. Eles estavam montando esses cursos do Politécnico. São cursos de nível superior de curta duração. Aí, resolvi encarar o desafio. Montamos o curso e estamos indo para o sexto ano". Mayrton explica que, para montar o curso na Estácio de Sá, não procurou referências externas. "Havia pouca coisa de produção e muito voltada para uma realidade americana. Tinha que ser criada alguma coisa para a nossa realidade. Ou seja, montar um curso com tecnologia de ponta por um preço barato de mensalidade, que é a perspectiva dos cursos politecnicos. Como adaptar os nossos recursos, a nossa musicalidade, a maneira de fazer música no Brasil ao meio acadêmico? Foi um desafio muito grande".

 


João Marcelo Bôscoli

 


As origens diversas dos produtores

Há produtores que são mais ligados a área musical, outros vieram da área técnica, outros de nenhuma delas. "Isso pode se manifestar de diversas maneiras", coloca João Marcelo Bôscoli, que começou a tocar no início da adolescência e desde esta época já começou a fazer trabalhos ligados a gravação e a produção muiscal. "Tão subjetivos quanto as músicas são os processos que envolvem o desenvolvimento dela. Às vezes o cara é músico, às vezes ele vem de outra praia. Tem produtor que não é exatamente músico mas entende de pessoas, de processos emocionais, o que às vezes é tão importante ou mais que o processo técnico", afirma. Um exemplo é Miranda, que tem no currículo discos como o acústico do Rappa e álbuns dos Raimundos. Antes de ser produtor, trabalhou como jornalista. Os trunfos dele são a capacidade de se relacionar e muito conhecimento sobre as tendências musicais, com muita informação e muitos CDs comprados, além da experiência nas diversas áreas de uma gravadora. "Não sou instrumentista, mas eu entendia o som como um todo. É muito ligado ao relacionamento e outra coisa: ouvir muita música".

 

Há aqueles que já começaram a partir de uma visão geral do processo de construção de uma música, como o próprio Joao Marcelo Bôscoli. "Eu, dentro do estúdio, acabava presenciando o compositor trazendo alguma canção, o processo de ensaio das músicas, das bases, a escolha do estúdio, a escolha do técnico ... ".

 

Ele pôde perceber as diferenças que ocorriam, por exemplo, quando um mesmo técnico de som trabalhava com equipes diferentes de músicos e produtores, ou a mesma equipe com técnicos diferentes. "Prestei atenção e percebi que o que eu curtia mesmo era o processo coletivo, que eu considero uma parte interessante do processo, quando você amarra vários pequenos núcleos de trabalho com uma colcha maior". João Marcelo, entre outros trabalhos, fez um disco de produtor, o João Marcelo Bôscoli e Cia, em 1995, logo antes de fundar a Trama com André Szajman e Claudio Szajman.

 


Mario Caldato

 

O desenvolvimento de Mario Caldato Júnior e Kassin também já foi com uma visão mais geral do processo. O primeiro é um caso a parte. Nascido no Brasil, foi com os pais para Los Angeles com dois anos e meio. Voltou a ter contato com o Brasil apenas na decada de 90, quando esteve em turnê com os rappers do Beastie Boys por aqui, em meados da década. Foi quando fez alguns trabalhos com Chico Science e Nação Zumbi e estabeleceu os contatos que o permitiriam fazer parcerias com o também produtor Bid e produzir o segundo disco do Planet Hemp (Os Cães Ladram mas a Caravana Não Para), entre outros trabalhos, como os próximos disco de Marisa Monte e de Marcelo D2. Ele também ja produziu discos dos Beastie Boys (Check Your Head, entre outros). "Comecei a tocar música há alguns anos, quando era jovem e tocando em bandas covers na High School". Mario não se considerava um bom instrumentista, mas gostava de som. O início foi quando o amigo Marky Mark comprou um gravador de quatro canais. "Ele nao tinha nenhuma sala disponivel na casa dele, então trouxemos o equipamento para a minha casa". Mario vivia em um cômodo separado da casa, na parte de trás da casa. Eles montaram um estúdio. "Comecei a gravar mais e a comprar mais equipamentos, um microfone aqui, um eco, um delay, um phazer ... Era um hobby que foi crescendo por anos". Assim, ele tomou contato com a produção musical por conta das gravações que fazia com o amigo.

 


Kamal Kassin

 

Após herdar a discoteca do irmão DJ, falecido quando o produtor era adolescente, o futuro produtor Kamal Kassino comprou um porta-estúdio de quatro canais e um pedal que permitia loops de quatro segundos. "Minha relação é mais com a música pronta do que com tocar, embora goste de tocar. Mas me sinto mais útil gravando". Kassin chegou a trabalhar como auxiliar de estúdio quando tinha cerca de 16 anos, mas as experiências que começaram a encaminhá-lo para a função de produtor foram mesmo as colagens que fazia em casa. Uma amiga, bailarina da companhia de Debora Colker, gostou e levou o trabalho para lá, onde pessoas que trabalhavam na trilha, como Dado Villa Lobos, Hermano Vianna, Chico Neves e Bema Cepas, gostaram e o convidaram para o trabalho. "O Chico foi bastante importante para a minha formação, meio mestre mesmo nesse negócio de passar de caseiro para estúdio. Nesse mesmo trabalho conheci o Bema, que é meu sócio e parceiro de anos. Um pouco depois, tocava no Acabo La Tequila e o disco foi produzido pelo Tom Capone. Eu trabalhava e ajudava ele em algumas coisas e ele me ensinou algo. Esse tipo de coisa nao se faz sozinho. O encontro faz parte do processo", afirma.

 


Jair Oliveira

 

Jair Oliveira pôde começar a carreira após sólida formação em Berklee, quando chegou de volta ao Brasil, montando a produtora S de Samba com sócios como Simoninha e Daniel Carlomano. Entre os diversos trabalhos de Jair está o disco de Jair Rodrigues Brasil, 500 anos de Folia, além dos discos de Luciana Mello e o mais recente de Tom Zé. Em outros tempos os produtores vinham geralmente da área técnica de uma gravadora. Um bom exemplo são três dos produtores mais premiados e que mais venderam discos no país: Marco Mazzola, Mayrton Bahia e Moogie Canazio. O primeiro começou literalmente puxando cabos e montando microfones, isto após sólida formação musical em um coral. O responsável pela transição de técnico de som para produtor foi Andre Midani. "Ele sempre me empurrava.'Você é um produtor de mão cheia, grava os seus discos sozinho'. Saí (da Polygram, atual Universal Music) para montar a Warner junto com ele" explica. Entre os vários discos históricos com a produção de Mazzola estão o disco Realce, de Gilberto Gil, e o acústico de Gal Costa, o mais vendido da cantora, além do álbum que representou uma virada na carreira de Milton Nascimento, o Sentinela, sem contar o Falso Brilhante, de Elis Regina, o Rythm of the Saints, de Paul Simon e o de Martinho da Villa, Brasilatinidade Ao Vivo, permiado no Grammy Latino - este já lançado pelo selo de Mazzola, o MZA Music -, entre muitos outros.

 

Mayrton Bahia foi produtor da Legião Urbana. Ele também produziu nomes da MPB mais tradicional, como o ícone da bossa nova João Gilberto. Tornou-se produtor na EMI, onde começou como técnico de gravação. Já tinha formação em música - estudou composição na UFRJ - e em engenharia eletrônica. Moogie Canazio também começou como músico, tocando bateria. Depois chegou a ser DJ, quando até convidava percussionistas para tocar em cima das músicas, isto no final da década de 70. Depois de trabalhar na Som Livre como técnico de som, foi para Los Angeles, onde ficou por três anos. Hoje divide seu tempo entre os EUA e o Brasil e já produziu boa parte da música popular brasileira , de Sandy e Júnior a Maria Bethânia. O disco de Ivan Lins produzido por ele, Cantando Histórias, ganhou dois Grammys Latino. Um de melhor álbum de MPB e outro de álbum do ano. Agora está produzindo o próximo disco de Maria Bethânia e finalizando o de Francis Hime, que sairá pela Biscoito Fino.

 


Marco Mazzola

 


Processos e ideias

Todos falam que não há fórmulas, inclusive porque elas podem atrapalhar a percepção do que o artista, músico ou banda querem para o disco. A ideia é mesmo ficar aberto ao que o "dono" do disco tem a dizer e traduzir isso para o resultado final, o que não quer dizer que o produtor não possa sugerir algumas coisas. "Ele tem que ter muita sensibilidade em relação ao artista e a arte, e às vezes revelar ao artista coisas da alma dele que ele não tinha notado", explica Miranda. Um bom exemplo é o disco Realce, produzido por Mazzola, que deu a Gil a sugestão de misturar músicos norte-americanos e brasileiros, além de gravar e mixar o disco em Los Angeles. A vontade do produtor de dar um salto na referência das gravações brasileiras da época mais a obra de Gilberto Gil acabaram resultando em um dos discos mais bem sucedidos da MPB. "Eu não conseguia passar de um certo ponto por limites técnicos", explica. Mazzola já havia feito cursos de engenharia de áudio nos EUA e por isso sabia que, tecnicamente, as gravações poderiam render mais do que era feito no Brasil na época. O mesmo processo foi utilizado em discos de Kleyton e Kleydir e Belchior. Mazzola é o tipo do produtor que se envolve ativamente no processo técnico do disco. "Sou muito chato. Os técnicos vão ler isto e eles sabem como eu sou. Às vezes ele está equalizando e eu falo que está errado", diz, lembrando de quando colocava papéis tampando os VUs das máquinas analógicas para impedir que os técnicos mixassem com os olhos ao invés de usar o ouvido ou de quando Elis Regina gravou a música Velha Roupa Colorida com a voz rouca. "Mas o que ela conseguiu de interpretação, ninguém imagina".


Assim como Mazzola, Moogie gosta de ter o controle total sobre o resultado técnico. Só que ele sempre opera o equipamento quando produz um artista. E boa parte dos "brinquedinhos" usados na gravação é própria, já que Moogie trabalha em muitos estúdios diferentes. "Hoje em dia uso o Pro Tools HD, tenho os meus microfones, os meus pré-amplificadores, que são os Neve 1084, 1083, os 1084 novas e os API. Tem microfones que só eu uso, acho importante por uma questão de estado da arte. Eu como viajo muito e cada dia estou trabalhando em um lugar diferente, tenho que ter um ponto de partida que eu sei que funciona. Independente da condição do estúdio. Tenho meus cabos. Assim eu tenho certeza que vou ter controle de uma parte da unidade. O microfone é meu, o cabo é meu, o pré é meu, o Pro Tools é meu, só tenho que me preocupar, acusticamente, em como as coisas estão funcionando dentro do estudio" ..

 


Moogie Canazio


O produtor está gravando o novo disco de Francis Hime. Eles decidiram fazer as gravações todas ao vivo, usando apenas uma espécie de roteiro de arranjo feito por Francis, mas com espaço para sugestão dos músicos. "Eu acredito no talento dos músicos. Por isto, não acredito que precise de uma rede de proteção . Quando vejo cada um deles tocando no Mistura Fina, no Pacaembu ou seja onde for, estão tocando perfeitamente bem. É um, dois, três e vamos nos divertir. A coisa do digital e da facilidade faz com que você fique um pouco preguiçoso, e a preguiça contamina".

 

No disco da Bethânia cantando Vinicius, o Que Falta Você me Faz, não só a gente gravou direto como fez em analógico, porque eu queria a sonoridade e a tensão da performance". Segundo ele, gravar em fita foi uma forma de recuperar esta tensão da performance, ja que a execução da música tem de estar o mais pronta possível. Mas Moogie faz questão de uma coisa: "Tem que ser muito bom para todos. Se por um motivo não estiver funcionando, vamos embora e voltamos amanhã. Tem que ser uma coisa com disciplina, seriedade, comprometimento, timming, hora e dinheiro, mas tem que ser divertido".

 

A plataforma analógica pode ser maravilhosa. Nisso, boa parte dos produtores concorda. Mas como Moogie falou, os músicos precisam estar afiados neste tipo de gravação e Mario Caldato ressalta que quando há boas ideias, bons músicos e tempo, gravar em fita pode ser o caminho, "Eu gosto de limites, mas atualmente as pessoas querem muita opção. Precisa ter flexibilidade e precisa editar muitos tracks". O produtor tem vários equipamentos analógicos, mas usa principalmente o Pro Tools, o qual considera uma ferramenta bem amigável. Na hora de mixar, a primeira escolha de Mario é que seja em uma mesa de som, mas também costuma fazer mixagens internas quando o orçamento do projeto não permite grandes gastos. Os projetos mais recentes dele são dois álbuns que ainda estão por sair: os próximos de Marisa Monte - gravado no estúdio da cantora - e o de Marcelo D2, gravado na sala 5.1 do Estúdio AR. Os dois trabalhos podem ser considerados opostos. O de Marisa é um disco de samba, "bastante orgânico", diz Mario. Foi gravado sem pressões em uma sala pequena, utilizando microfones Neumann e Ribbon. A sala é mais ou menos do tamanho de uma garagem. Entre os instrumentos, bastante percussão, alguma coisa de metal e teclados. O disco foi gravado em Pro Tools, mas foi mixado em mesa de som. "Nao há muitos canais. Só boas músicas e boas tomadas, com bons microfones, e ela tem uma ótima voz", afirma.


O disco de Marcelo D2 é de hip-hop samba. Houve uma seleção de repertório a partir de trabalhos de jovens DJs e produtores. As melhores ideias foram selecionadas e foram adicionadas algumas percussões e teclados. Algumas faixas foram gravadas com uma banda completa, incluindo aí piano e baixo acústico, metais e percussão. Isto porque eles chegaram a conclusão que estas faixas poderiam funcionar melhor com banda e resolveram experimentar. Kassin também ressaltou que nem todos hoje em dia estão preparados para gravar em fita, "e o tipo de música que fazemos hoje é bastante editado. Uma banda como o Los Hermanos poderia gravar em fita sem problema, mas às vezes a plataforma digital agiliza muito o trabalho", expõe, em uma posição parecida com a de Mario Caldato, onde se pode constatar que as pessoas acabram se acostumando a trabalhar de uma forma não linear, com tudo o que isto tem de bom e ruim, mesmo que o produtor prefira de outro jeito. Kassim fala na banda Los Hermanos porque eles se isolam em um sítio para ensaiar as músicas, que são basicamente rock 'n' roll. Já na produção de trilhas, há uma pré-produção que Kassin faz com Berna Cepas. Neste caso, a plataforma digital é realmente a forma ideal de gravar, "Tudo gira em função da imagem, e acho que a coisa de poder editar e fazer certas coisas é uma liberdade, porque você não depende só do que o cara fez naquela sessão. Não fica só aquela sensação de fotografia. Acontece de pedirem coisas antes de filmar, ou na hora que está editando. Neste momento ainda há ideias abstratas. Você está atrelado a um BPM e depois eles mandam algo que já é o filme". A trilha então é feita enquanto mixa o áudio, limitada em um número certo de canais e com um ajuste de frequências diferente do que é feito para um álbum, já que a prioridade são os diálogos.

 


Liminha

 


Em muitos casos o próprio Kassin opera o equipamento. Nos trabalhos em que também toca ele prefere que tenha alguém operando o equipamento, já que pensa que uma das três atividades - dirigir a sessão, tocar e operar o equipamento - pode ficar mal feita. Menos mal quando é em um projeto mais pessoal, como os +2, com Moreno Veloso e Domenico Lancelotti. Liminha tem bastante equipamento à disposição no estúdio Nas Nuvens. "Usando plugins e outboard pode-se chegar a um resultado bem interessante e dar personalidade. Porém, fazer recall dos periféricos externos é extremamente trabalhoso e lento. Sonoramente, o digital não deve nada ao analógico e, se bobear, é até melhor. A parte ruim é quando falta espaço no HD". Liminha costuma trabalhar os arranjos sozinho, na maioria das vezes, e também gosta de operar o equipamento na gravações. "Gosto de colaboração e pessoas envolvidas. Adoro mexer na minha Neve". Jair Oliveira procura se adaptar ao que o artista quer. "Nunca peguei um projeto em que eu precisasse bolar um caminho completo para o artista", afirma o produtor, que já fez trabalhos com Tom Zé, Vicente Barreto, Luciana Mello e Jair Rodrigues, entre outros. "Meu trabalho começa daí: primeiro entender o som do artista e saber aonde ele quer chegar, o que ele espera do disco. A partir daí começo a trabalhar e escolher o repertório". Em alguns casos, o produtor fica também responsável pelo arranjos. "No Tom Zé, eu fiz todos os arranjos junto com ele". No caso do trabalho com Luciana Mello, ela deixa o trabalho de arranjo mais por conta de Jair. "O produtor, assim como o diretor de cinema, tem que saber a hora de tirar a mão". Jairzinho geralmente trabalha com um técnico operando o equipamento e costuma fazer as pré-produções utilizando Pro Tools, Logic e Reason.

 

A expressão do artista também é a prioridade de Mayrton Bahia. Há aqueles em que o apuro técnico não é a prioridade, como Legião Urbana. Com João Gilberto, já era necessário um apuro maior com a gravação da "unidade" violão e voz formada pelo músico e seu instrumento, incluindo aí as cordas e metais arranjadas por Clair Fisher, gravadas nos EUA.

 

No caso do disco do baterista Márcio Bahia, irmão de Mayrton, o produtor dá ênfase ao risco. "Eu estou gravando com a nata dos músicos brasileiros, mas quero que eles se soltem. Não quero que ele fique com medo daquele microfone valvulado que está na frente dele. Eu quero que ele corra riscos. Gravamos com o Hamilton de Holanda, o Marcos Pereira, o Vitor Santos, uma galera da pesada. No que ele arrisca, tem hora que o som vai sujar, que o som vai trasngredir, tem hora que ele vai ter de jogar fora alguma coisa que ele fez. Às vezes, o que ele fez não foi o que se esperava, mas aquele momento ficou maravilhoso e é aquele momento que vou usar", indica. "Não existe som bom ou ruim. Existe o som que você se propõe a fazer e consegue. E esse som não é uma regra. Se eu gravo um bumbo maravilhoso em uma música com um determinado microfone, nada me garante que na próxima música de outra banda ele vá soar bem também. Qual a referêcia que dá uma ordem nesse caos todo? É a concepção musical".

 

Mayrton não tem nenhuma saudade da plataforma analógica. "Se você consegue trabalhar com digital e trabalhou com a fita, você consegue a sonoridade da fita com o digital usando um pouquinho dos processadores. Mas tem que conhecer como a fita funciona. Se a fita fosse tão genial assim você gravava na fita e mandava ela mixar. Se tem um bom projeto musical, não importa em que meio você está gravando, porque as pessoas não chegam na loja de disco e pedem um disco gravado em fita, elas querem a música". João Marcelo Bôscoli gosta de trabalhar com artistas que tenham uma personalidade definida do que com aqueles que aceitam todas as sugestões. "Se não o trabalho começa a ficar muito a sua cara e não a cara do artista". Ele procura não repetir os processos de trabalho. "Fórmula é uma coisa que envelhece as pessoas. Entendo quando um produtor acerta a mão e os diretores da gravadora ligam pedindo mais do mesmo, o que é normal no mundo inteiro. Mas isso pode se tornar uma armadilha. Se eu tivesse que dizer uma regra para o produtor, ela é sair da rotina".

 


Carlos Eduardo Miranda

 

Quanto ao relacionamento com técnico e músicos, João costuma dar uma espécie de briefing com as intenções de trabalho. "Eu não fico do lado do técnico enchendo o saco dele, gosto de deixar o cara trabalhar e voltar de períodos em períodos. Não uso o técnico como um mouse gigante', finaliza. Carlos Eduardo Miranda se define como um "turmista". Não no sentido de trabalhar em panelinha, mas sim na capacidade de chamar as pessoas certas para os projetos. Ele comenta a respeito da diferença entre traballhar em produções feitas com grandes ou pequenos orçamentos. "A produção em grandes estúdios cria um compromisso comercial maior pelo custo que ela tem. Ela só é recomendável em discos que tenham a possibilidade de venda grande. Mesmo que seja para uma gravadora grande, com um artista novo, sempre prefiro fazer algo mais econômico, até porque preserva o estilo da banda. Coisas de Rock gosto de fazer na Toca do Bandido (estúdio, que era de Tom Capone). Coisas mais brasileiras ou experimentais, no YB (em São Paulo)". Miranda também comenta que em trabalhos para gravadoras grandes, sempre existe a possibilidade de uma dedicação maior ao projeto, já que o orçamento, em geral, cobre isso. "Quando é independente, tem de bolar um jeito mais rápido de gravar, ou vai gravar nas horas vagas. Mas nem sempre independente significa falta de dinheiro. Tem independente que consegue boas condições de ter um trabalho gravado em um bom estúdio. O Cordel do Fogo Encantado é dono do próprio nariz, todos os discos são deles, e com boas condições", finaliza.

 

 



Para saber mais:

www.mzamusic.com.br
www.estacio.br
www.berklee.edu

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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