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COLUNISTAS

Discos da minha vida: Quatro

07/05/2020 - 18:00h
Atualizado em 14/05/2020 - 16:49h

Como vocês já devem ter reparado, venho contando a história dos discos da minha vida. Depois de Passado, Presente, Futuro e do Terra - ambos do trio Sá, Rodrix & Guarabyra - e dos três primeiros da dupla, chego ao quarto de Sá & Guarabyra, o... Quatro!
 

Com o sucesso de vendas, crítica e execução do Pirão de Peixe com Pimenta, de 1977, puxado por Sobradinho e Espanhola, ficamos novamente com a bola cheia e numa posição confortável na Som Livre, convencida agora do acerto da aposta que João Araújo havia feito na nossa capacidade de aliar sucesso e qualidade. Mesmo sem emplacar nenhuma música do Pirão em novela, chegáramos a excelentes níveis de vendas e execução em rádio, o que àquelas alturas já era uma bela proeza em termos de MPB. 


Nossa vida agitou-se de novo, os shows reapareceram e eu convenci a família a dar uma nova chance a São Paulo. Aluguei uma bela e espaçosa casa com quintal e tudo na rua Princesa Isabel, no miolo do chamado Brooklyn Paulista, à época um sossegado bairro residencial longe do burburinho da megalópole. Enquanto Miguel comemorava em seu velotrol a novidade do quintal e a pequena Dora mal chegava ao seu primeiro ano, a família se completava com mais quatro marmanjos: trouxéramos do Rio – substituindo nossa antiga banda de apoio que se transformara n’O Terço e já seguia seu próprio caminho de sucesso – quatro músicos, para os quais improvisáramos uma divertida suíte na vasta garagem da casa. Constant (teclados), Nonato, o Nonô(bateria), Pedro Jaguaribe, o Jaguar (baixo) e Beto Martins (guitarra) ficaram segurando aquela barra por ali um tempo, até que, para além de serem a nossa banda, assumissem uma interessante carreira independente com o bem bolado nome de Ponte Aérea.
Antes mesmo de entrar no estúdio já tínhamos pronta uma boa parte do repertório. Morando na mesma cidade e a poucos quarteirões um do outro, eu e Guarabyra retomamos as noites de composição. Com a banda tão próxima, foi fácil tomarmos o pulso do caminho que tínhamos que seguir depois do Pirão e não temermos fazer aquele famoso disco “pós-sucesso”. Tínhamos nosso próprio state-of-the-art estúdio, o apoio de uma gravadora de ponta e uma banda de primeira linha. O que podia dar errado? Estávamos prontos para o Quatro, título óbvio e uníssono.

 


O Quatro acabou por ser um disco marcado por charme e elegância, desde sua premiada capa com fotos de Ella Durst e layout de Gernot Stiegler – que bolou o insubstituível logo que usamos até hoje –, até os arranjos de Rogério Duprat para bases nossas e de Jorge Omar, produzidos por Renato Viola – um esteta - e contando com a participação da fina flor instrumental e vocal dos estúdios cariocas e paulistas. O Quatro foi gravado e mixado entre Rio – nos estúdios da Sigla – e São Paulo, no nosso Vice-Versa. As bases vieram de Sampa, as coberturas de sopros e cordas e as mixagens dividiram-se entre as duas cidades. Essa ambivalência – ou esquizofrenia, dependendo do enfoque – custaram não só tempo como também dinheiro, o que mais tarde seria fatal para nossa permanência na Som Livre. Mas em compensação fizemos o que se pode chamar um puta disco acompanhados, além da Ponte Aérea, por amigos e amigas competentes como Toninho Horta – que arranjou e tocou sua parceria com Fernando Brant, Falso Inglês – Olívia Byington, Lucinha Turnbull, Lizzie Bravo, Dominguinhos (que arrasou nos solos de Sete Marias e Chão de Poeira), Papete na percussão e nossos vocalistas de jingles Zé Luiz Mazzioti, Rosely, Fátima e Clóvis, que provaram mais uma vez estarem quilômetros além da simples atividade publicitária, com versatilidade e afinação impecáveis.

 


Passados alguns meses, apesar da presença diária de Sete Marias e depois Vem Queimando a Nave Louca nas rádios de todo o Brasil, ficou patente que as vendas do Quatro – alguém me esclareça porquê...- não chegariam ao nível do Pirão. Aliado isso ao fato de que o disco havia custado uma boa grana, o artístico perdeu para o financeiro e daí para sermos dispensados da Som Livre, apesar das prévias vitórias, foi “dois palito”, como diz Roberto Lazzarini... Pra piorar a coisa, quando fomos chamados pelo “Fantástico” para gravar um clipe do Vem Queimando a Nave Louca, simplesmente abandonamos a gravação, contrariados pelo fato de que ficaríamos o tempo todo inidentificáveis dentro de roupas espaciais. Parênteses: o ”Fantástico”, então, foi execrado por uma boa parte da MPB por exigir dos artistas papéis incompatíveis com aquilo que eles achavam digno. Os abandonos se sucederam até que a Globo resolvesse pedir um pouco de “menos” aos diretores mais empolgados com o poder dos clipes, que podiam fazer ou derrubar carreiras em três ou quatro minutos. Mas nossa negativa e consequente “geladeira” na Globo foram a gota d’água para a Som Livre.
Na contracapa do Quatro escrevemos nossa profissão de fé musical: “Este disco nasceu do choque cultural sentido por um baiano de Bom Jesus da Lapa e um carioca de Vila Isabel diante da imensidão da Paulicéia, onde foram morar. Daí a saída do sertão depois de visitar as 7 Marias, a passagem pelos mineiros, a chegada no verão, o vôo, a selva, o desamparado lixo espacial desabando em cima da alucinada Alice. E afinal, a volta pelo chão de poeira, a chuva do campo na cara e a chegada no Baquiá, onde se planta sem destruir nem arrancar a raiz da mata. Hoje estamos aí no meio duma e doutra, fumaça e mato, cimento e terra.” Era uma tentativa textual de dar a um disco contrastado e contrastante uma certa “goma” que não existia em suas faixas. Não era um disco conceitual, como o texto queria fazer crer, mas sim a junção do trabalho de dois compositores unidos mais por amizade que por identidade musical.

 


Ingênuo sim, porém verdadeiro. O que vale mais? Talvez o próximo disco...

 


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Discos da minha vida: Quatro
Luiz Carlos Sá

COMENTÁRIOS

O capacitor envelhece em um equipamento pouco usado também? Ou ele degrada principalmente com o uso? Por exemplo, um equipamento da década de 80 muito pouco usado precisaria de recap por desgaste do tempo?

- Henrique M

Ótimo, vai ajudar muito! Cesar é fantástico, ótima matéria!

- adriano vasque da

Saudades da Paranoia saudável que tínhamos no Freeeeeee Jazzzzzz Festival (imitando Zuza em suas apresentações magnificas) Parabéns Farat Forte abraço

- Ernani Napolitano

Artigo incrivel! Extremamente realista e necessário, obrigado mestre!

- Jennifer Rodrigues

Depois de 38 anos ouvindo o disco, eis q me deparo com a história dele. Multo bom!! Abrss

- Fernando Baptista Junqueira

Que maravilha de matéria, muito verdadeira é muito bem escrita, quem viveu como eu esta época, só pode agradecer pela oportunidade que Deus me concedeu. Vou ler todas, mas tinha que começar por esta… abraços…

- Caio Flávio

Só li verdades! Parabéns pela matéria Farat

- Guile

Ótimo texto Zé parabéns !!!!! Aguardando os próximos!!!

- Marco Aurélio

Adoro ver e rever as lives do Sá! Redescobri várias músicas da dupla valorizadas pela execução nas "Lives do Sá". Espero que esse trabalho volte de vez em quando. O Sá, juntamente com o Guilherme Arantes e o Tom Zé, está entre os melhores contadores de casos da MPB. Um livro com a história da dupla/trio escrito por ele seria muito interessante!

- Bruno Sander

Ontem foi um desses dias em que a intuição está atenta. Saí a caminhar pela Savassi sabendo que iria entrar naquela loja de discos onde sempre acho algo precioso em vinil. Já na loja, fui logo aos brasileiros e lá estavam o Nunca e o Pirão de Peixe em ótimo estado de conservação, o que é raríssimo. Comprei ambos. O 2º eu já tinha, meio chumbado. O Nunca eu conhecia de CD, e tem algumas das músicas que mais gosto da dupla, p. ex. Nuvens d'Água (acho perfeita), Coisa A-Toa (alusão à ditadura?), e outras. Me disseram que o F. Venturini é fã do Procol Harum, e realmente alguns solos de órgão dele fazem lembrar a banda inglesa.

- João Henrique Jr.

Que maravilha de matéria. Me transportei aos anos de ouro da música brasileira

- Sidney Ribeiro

Trabalho lindão. Parabéns à todos os envolvidos!

- Anderson Farias de Melo

O que dizer do melhor disco da música nacional(minha opinião). Tive o prazer em ver eles como dupla e a volta como trio em um shopping da zona leste de sampa. Lançamento do disco outra vez na estrada. Espero poder voltar a vê-los novamente, já que o Sa hoje mora fora do Brasil. E essa Pandemia, que isolou muito as pessoas. Obrigado por vocês existirem como músicos, poetas e instrumentistas. Vocês são F..., Obrigado, abracos

- Luiz antonio Rocha

Que maravilha Querido Paulinho Paulo Farat!! Obrigado por dividir conosco momentos tão lindos , pela maravilha de pessoa e imenso talento que Vc sempre teve, tem e terá, sempre estará no lugar certo e na hora certa ! Emocionante! Tive a honra de trabalhar muitas vezes com Vc, em especial na época do Zonazul , obrigado por tudo, parabéns pela brilhante carreira e que Deus Abençõe sempre . Bjbj

- Michel Freidenson

Mais uma vez um texto sensacional sobre a história da música e dos músicos brasileiros. Parabéns primo e obrigado por manter viva a memória dessas pessoas tão especiais para nós E vai gravar o vídeo desta semana! Kkkk

- Carlos Ronconi

Grande Farat!!! Bacana demais a coluna! Cheio de boas memorias pra compartilha!!!

- Luciana Lee

Valeu Paulo Farat por registrar nosso trabalho com tanto carinho e emoção sincera. Foram momentos profissionais muito importantes para todos nós. Inesquecíveis ! A todos os membros de nossa equipe,( e que equipe! ) Nosso Carinho e Saudades ! ???? ???????????????????? Guilherme Emmer Dias Gomes Mazinho Ventura Heitor TP Pereira Paulo Braga Renato Franco Walter Rocche Hamilton Griecco Micca Luiz Tornaghi Carlão Renato Costa Selma Silva Marilene Gondim Cláudia Zettel (in memoriam) Cristina Ferreira Neuza Souza

- Alberto Traiger

Depois de um ano de empresa 3M pude fazer o bendito carnê e comprei uma vitrolinha (em 12X) e na mesma hora levei Pirão, Quatro (Que era o novo), Es´pelho Cristalino e Vivo do Alceu, fiquei um ano ouvindo e pirando sem parar, depois vi o show do Quatro em Campinas. Considero o mais equilibrado de todos, sendo que sempre pendendo pro rural e nem tanto pro urbano, um disco atemporal podendo ser ouvido em qualquer situação, pois levanta o astral mesmo. No momento, Chuva no campo é ''a favorita'', mas depois passa e vem outra, igualzinho à aquela banda de Liverpool, manja????

- Ademilson Carlos de Sá

B R A V O!!! Paulo Farat não esqueça: “Afina isso aí moleque!” Hahahaha Tremendo profissional, sou teu fã, Grande abraço!

- Dudu Portes

Show é sensacional. Mas a s sensação intimista de parecer que a live é um show particular, dentro da sua casa, do seu quarto, é impagável. Parabéns família, incluindo Guarabyra e Tommy...

- Ricardo Amatucci

Paulo Farat vai esta nas lives do Papo Na Web a partir de amanha apresentando "Os Albuns Que Marcaram As Nossas Vidas"" Não percam, www.facebook.com/depaponaweb todas as terças-feiras as 20:00 horas

- Carlos Ronconi

Caro Luiz Carlos Sá, as canções que vocês fazem são maravilhosas, sinto a energia de cada uma. Tornei-me um admirador do trabalho de vocês no final dos anos 1970 com o LP Quatro e a partir de então saí procurando os discos de vocês, paguei um preço extorsivo pelo vendedor, os LP's "Casaco Marrom" do Guarabyra e "Passado, Presente e Futuro" (primeiro do Trio), mas valeu. tenho todos em LP's e CD's até o Antenas, depois desse só em CD's e o DVD "Outra Vez Na Estrada" exceto o mais recente "Cinamomo" mas em breve estarei com ele para curtir. A última vez que vi um show da dupla (nunca vi o trio em palco), foi no Recife no dia 16/04/2016 na Caixa Cultural, vi as duas apresentações. Levei dois bolos de rolo pra vocês, mas o Guarabyra não estava. Quero registrar que tenho até o LP "Vamos Por Aí", todos autografados, que foi num show feito no Teatro do Parque, as apresentações seriam nos 14,15 e 16/10/1992 mas o Guarabyra perdeu o voo e só foram dois dias, no dia do seu aniversário e outro no dia 16. Inesquecível. Agora estou lendo essas crônicas maravilhosas. Grande abraço forte e fraterno e muita saúde e sucesso pra vocês, sempre. P.S. O meu perfil no Facebook é Xavier de Brito e estou lá como Super Fã.

- Edison Xavier de Brito

Me lembro de ter lido algumas destas crônicas dos discos quando voce as publicou no Facebook em 2013, Sá. Muito emocionante reler e me emocionar de novo. Voces foram trilha sonora importantíssima dos últimos anos da minha vida. Sou de 1986, portanto de uma geração mais nova que escuta voces. Gratidão e vida longa a voces!

- Luiz Fernando Lopes

Salve!!! Que maravilha conhecer essas histórias de discos que fazem parte da minha vida. Parabéns `à Backstage e ao Sá! E, claro, esperando a crônica do Pirão. Esse disco me acompanha há mais de quarenta anos! Minhas filhas escutaram desde bebês e minha neta, que vai nascer agora em setembro, vai aprender a cantar todas as músicas!

- Maurício Cruz

com esse time de referências musicais (exatamente as minhas) mais o seu talento, não tem como não fazer música boa!!!! parabéns!!! com uma abraço de um fã que ouve seus discos desde essa época!

- nico figueiredo

Boa noite amigo, gostei muito das suas explicações, pois trabalho com mix gosto muito mesmo e assistindo você falando disso tudo gostei muito um abraço.

- Rubens Miranda Rodrigues

Obrigado Sá, obrigado Backstage, adoro essas histórias, muito bom, gostaria de ouvir histórias sobre as letras tbém, abç.

- Robson Marcelo ( Robinho de Guariba SP )

Esperando ansioso o Pirão de Peixe e o 4. Meu primeiro S&G

- Jeferson

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